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  • ISSN 1981-3384
    n. 06 (2013)

    UM CONVITE À LEITURA DO DOSSIÊ: “HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DA ÁFRICA NO BRASIL”

     

    Por Prof. Dr. Silvio de Almeida Carvalho Filho

    (LEÁFRICA/PPHGC/IH/ UFRJ)[i]

     

    Com enorme satisfação, organizamos e, agora, apresentamos o Dossiê “História e Historiografia da África no Brasil” da Revista Eletrônica do Tempo Presente, publicação do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os artigos e as resenhas aqui contidos são uma pequena amostra da significativa produção historiográfica sobre África produzida no Brasil, realizada por doutores, doutorandos, mestres e mestrandos: fato esse que cada vez mais afirma os estudos africanos em nosso país.

    Resolvemos abrir o conjunto temático da revista com o artigo do pesquisador Amailton Azevedo, pois descortina a partir de uma situação familiar - um diálogo entre ele e sua filha - uma reflexão sobre os estereótipos e preconceitos que pesam contra as sociedades e culturas africanas, demonstrando como eles são paradoxalmente e, ao mesmo tempo, muito antigos e também contemporâneos. Denuncia, o articulista, como os paradigmas aviltantes sobre o homem africano penalizaram a sua história no sentido de conquistar um lugar legítimo no mundo acadêmico. Porém, esses não estão presentes apenas no mundo “científico”, internalizaram-se quotidianamente nos corações e mentes dos brasileiros, dos africanos e dos afrodescendentes. Retoma-se, no escrito de Azevedo, o que existe de original, diferente e libertador nas culturas africanas. Entretanto, a África não é uma terra idílica, onde tudo se apresenta bom e perfeito, mas uma terra humana com valores e desvalores específicos como todos os outros continentes.

    O artigo Imagens da África: entre a violência discursiva e a produção da memória de Amailton Azevedo fornece, portanto, uma base reflexiva para que aprofundemos como o Brasil construiu um saber, do ponto de vista das Ciências Naturais, sobre a África desde os fins do século XVIII, acoplado aos interesses das Humanidades e da Economia. Vemos no texto do Professor Sílvio Marcus de Souza Correa como, na ilustração brasileira, já estavam presentes alguns dos estereótipos e preconceitos analisados por Azevedo. Na narração de Primeiras contribuições do pensamento ilustrado brasileiro a uma história da África, Correa ressalta a visão dos nossos naturalistas viajantes se inserir no senso comum de então – só de então? – de que a religião dos negros era fanática e supersticiosa, seus hábitos indisciplinados, preguiçosos ou vadios, pouco zelosos em suas habitações, sendo até praticantes de antropofagia! Como vemos a longa duração braudeliana – mais que quinto secular - das intolerâncias em relação ao continente africano são ratificados por esses dois brilhantes articulistas, abrindo nossas sensibilidades para as leituras que nos propicia esse Dossiê.

    Bruno Rafael Véras de Morais e Silva, no artigo A Medicina Empírico-Metafísica dos Tsonga do Sul de Moçambique: Arte Médica, Magia, Doença e Cura através da obra do missionário suíço Henri A. Junod, traz-nos a visão desse suíço, missionário e médico, da virada do século XIX para o XX, que fora para o meio dos Tsonga em Moçambique, objetivando produzir novos sujeitos negro-africanos mais afáveis e submissos aos homens brancos. Nessa tarefa, conjugou o aprendizado da língua desses povos com a passagem dos textos sagrados cristãos para esse idioma africano; relatou e classificou os seus costumes e “criou”, para o saber colonial, a etnia Tsonga, ao arquitetar-lhe um etnônimo e traços diacríticos. Silva mostra como os brancos estavam gerando novos sujeitos africanos na religião, na cultura e na etnologia, conjugando, na ação do missionário-etnólogo Junod, sentidos científicos e práticos, um exemplo do conhecer para estabelecer poderes, ou seja, do saber-poder. Em suas diferenciações entre Magia e Religião, Junod, na construção de seu saber sobre os Tsonga, estabeleceu as hierarquizações inferiorizantes para o que é culturalmente africano.

    Dando sequência a essa relação entre biografia e história, Antonio Evaldo Almeida Barros traz-nos agora John Dube e os Desafios da Segregação na África do Sul. O personagem Dube, um zulu proeminente, educado em escola em que se proibia falar sua língua zulu, escreveu, talvez em resposta a essa interdição, o primeiro romance nesse idioma. Esse homem, que em si hibridiza diferentes tradições - a zulu e a ocidental-cristã -, foi marcado profundamente por essas influências em suas ações, tornando-se assim um ardoroso promotor da ascensão social do negro sul-africano. Após a crise do sistema político segregacionista, tornou-se uma figura reabilitada em plenitude por suas ligações com o Congresso Nacional Africano. O texto de Barros, portanto, é uma manifestação de que as trajetórias humanas não são feitas sempre por coerências e as contradições são mais constantes do que queremos. Dube, crítico às relações de submissão da mulher ao androcentrismo nas sociedades sul-africanas, postulou a equiparação hierárquica dos gêneros posição à frente de sua época. Pediu representatividade no governo para os negros sulafricanos, revelando a luta desses por uma política que lhes reconhecesse direitos. Ao acusar os brancos racistas por sua política de aviltamento econômico, cultural e social dos negros, não eximiu os últimos de serem também responsáveis por algumas de suas mazelas. Ou seja, conhecemos um personagem complexo como as relações sociorraciais da África do Sul do seu tempo.

    As narrativas missionárias na Zâmbia são trazidas ao nosso exame por Jefferson Olivatto da Silva, ressaltando a importância documental desse tipo de relato, alertando-nos para sempre analisar os fatos aí expostos, levando em conta os filtros ideológicos, em especial religiosos, que perpassam os documentos. Entretanto, a riqueza de descrições sobre o quotidiano que esses escritos - muitas de caráter prosaico como caçadas, doenças, brigas entre outros - é de suma relevância. Seu artigo A Dupla Sondagem para interpretar as Narrativas Missionárias Católicas na Zâmbia também traça-nos uma tipologia dos textos missionários, marcando as características e a relevância desse tipo de fonte.

    O belíssimo texto de Robson Dutra, O Brasil na África, a África no Brasil, reata ambas as margens do Atlântico sul, assim como relembra-nos de sua continuidade com o Índico, assinalando a influência da literatura brasileira nas literaturas de Angola, Cabo Verde e Moçambique, não só em seus movimentos e órgãos de divulgação fundantes, assim como em suas mais recentes gerações de escritores. Afinal, o Brasil surge como modelo alternativo às normas estéticas e linguísticas que emanam da metrópole e ajuda a germinar novidades rebeldes nas caçulas literaturas coirmãs.

    Ao se voltar para o trabalho intelectual de um dos escritores africanos, o artigo Pepetela: Fragmentos de uma trajetória retoma essa inspiração do Brasil na formação literária do renomado escritor angolano e, entrelaçando história e biografia, analisa fragmentos de um depoimento de Pepetela em 2008. Esses extratos relatam momentos da infância e juventude do ainda anônimo Artur Pestana, as influências culturais sofridas em tenra idade, o meio social e cultural benguelense, seus estudos na metrópole, sua adesão política ao MPLA, seus amores e desafetos com esse movimento político. Revelando esses entrecruzamentos do pessoal com o social, afirma-nos, o articulista, sem o dizer, que a vida e a obra se amalgam, fazendo surgir uma diversidade polifônica. Afinal, um suposto sujeito unificado não é senão entrelaçamentos de vidas de si e de outros, vivenciadas na prosa e no prosaico? Portanto, um não à morte do autor.

    Entre o livro, a enxada e a Kalashnikov de Luiz Guimarães Sousa revela os nexos construídos entre cultura, política econômica e “revolução”, nos quais a primeira subordina-se aos interesses das segundas. Essas simbioses envolvem tanto a bandeira do Estado quanto o projeto de construção política de Moçambique, que muitas vezes misturaram e confundiram a identidade nacional em projeto e a identidade nacional em processo. Esse “homem novo” moçambicano projetado não parece ter sido entendido ou querido por todos os nacionais em formação.

    Transportando-nos para a margem de cá do Atlântico, Mauro Marques faz-nos reler as notícias da imprensa sul rio-grandense sobre a morte do Presidente Agostinho Neto, tornado herói máximo no panteão erigido pelo Estado Angolano, apontando alguns limites de informação e de interpretação da mídia imprensa sul rio-grandense, no seu tentar recuperar o que realmente aconteceu.

    No artigo Na “Rainbow Nation”: Mudanças Legislativas e Reforma da Terra, Viviane Barbosa presenteia-nos com uma análise detalhada de como as leis sobre a terra foram importantes para construção do Apartheid e como a manutenção das propriedades por elas constituídas mantêm a desigualdade no pós-Apartheid. Logo, alerta-nos que a retirada da apartação jurídica não foi total na África do Sul, pois as regras constituintes da propriedade agrária deixaram os seus frutos vingentes apesar das leis compensatórias para os negros sul-africanos, após a derrocada do regime racista. A reforma agrária antidiscriminatória tem sido lenta na terra de Mandela, apontando que o regime de apartação de certo modo ainda persiste sob a face da nova democracia.

    A visão holística e articuladora de Larissa Gabarra sobre a situação da África no contexto histórico após a década de 1970, permeado pelo entardecer da Guerra Fria e o emergir da panaceia neoliberal, permite-nos ter uma visão panorâmica nesse dossiê pejado por pesquisas verticalizadas. A autora não só reflete sobre as direções políticas tomadas pelos governos africanos e pelas grandes potencias, indicando os seus reais interesses e equívocos, como fornece-nos os limites e os descasos na construção dos Estados Nacionais Africanos. Abre-nos também um descortinar sobre as relações Brasil e África, suas possibilidades e entraves. Somos, aqui nesse dossiê, contemplados por uma concepção de conjunto em uma produção científica que cada vez mais se especializa. Todavia, essa abordagem, ao buscar uma totalidade, relembra as articulações existentes aos especializados e sintetiza pedagogicamente os conhecimentos para os novatos no campo. Logo, artigos como esses são muito úteis.

    Esse dossiê se finda com duas resenhas magistrais. A primeira foi escrita por Murilo Sebe Bon Meihy sobre o livro recentemente lançado pela pesquisadora Patrícia Teixeira Santos, intitulado Fé, Guerra e Escravidão: uma históriada conquista colonial do Sudão. Sobre a importância deste livro dentro da historiografia brasileira sobre a África, deixamos que as sensíveis e inteligentes palavras de Meihy o façam, pois seria muita pretensão desse apresentador pretender aqui fazer melhor. Contudo, ressaltamos, na resenha, a beleza da narrativa, que não devia ser estranha à História, fato, sempre por nós, historiadores, desejado, mas nem sempre alcançado. O poder instigador do texto que, mais do que resumir, nos faz desejar ler a obra original: eis supremo e ambicionado escopo de toda resenha!

    A segunda resenha de Mariana Schlickman percorre cada capítulo do livro coletivo África e Brasil no mundo moderno, organizado por Vanicléia Santos e Eduardo Paiva, incitando-nos a curiosidade sobre esse notável balanço sobre as relações demográficas, econômicas e culturais entre as populações africanas e o Brasil, no período em que esses nexos são regrados pela escravidão. Os autores deste livro fazem parte da melhor plêiade de especialistas existente em nossa historiografia sobre esse extenso período da história africana e também brasileira.

    Em suma, este dossiê é, antes de tudo, indiciador de tendências que se estabelecem na atual historiografia brasileira sobre a África. Primeiro, o surgimento de inúmeras pesquisas fora do âmbito da África de colonização portuguesa. Segundo, a pluralidade e diversidade das fontes, de objetos e abordagens utilizadas por essa historiografia. Terceiro, testemunha uma nova etapa já descortinada para a História da África no Brasil, sinalizada pela maturidade, profundidade e riqueza das pesquisas. Estamos aqui, nesta coletânea, dando mais um passo no rompimento do eurocentrismo de nossos currículos e um espaço para novos continentes em nosso saber além da Europa e das Américas. Dessa forma, estamos quebrando multisseculares preconceitos de uma episteme. Por fim, resta desejarmos aos leitores uma deliciosa viagem por essas Áfricas.

    Notas

    [i]Agradeço a leitura e críticas da Prof. Dr. Fátima Machado Chaves a este texto e aproveito o momento para indicar meu e-mail para que possamos estabelecer diálogo com os leitores: silvioacf@gmail.com

  • ISSN 1981-3384
    n. 05 (2013)

    EDITORIAL: ALEMANHA - BRASIL: AS PESQUISAS NO INSTITUTO DE ESTUDOS LATINO AMERICANOS

    Organizadores: Prof. Dr. Stefan Rinke – Freie Universität Berlin
    Prof Dr. Karl Schurster – Universidade de Pernambuco

     

    A Revista Eletrônica do Tempo Presente/IUPERJ apresenta ao público mais uma edição. Este volume traz o dossiê intitulado Alemanha - Brasil: as pesquisas no Instituto de Estudos Latino Americanos, que reúne artigos de professores e pesquisadores do Instituto de Estudos Latino-Americanos (LAI) da Freie Universität Berlin. Este renomado instituto, fundado em 1970, tem como sua principal característica a interdisciplinaridade. O LAI é o maior centro de pesquisa em América Latina na Alemanha sendo um dos maiores da Europa. Sua estrutura agrega os seguintes campos disciplinar: antropologia cultural e social, estudos de gênero, história, literaturas e culturas latino-americanas, ciência política, economia e sociologia. No ano de 2010 foi fundando no LAI o Centro de Pesquisas Brasileiras (forschungszentrum brasilien) com o objetivo de desenvolver projetos de pesquisa sobre a inserção do Brasil no cenário mundial. Além disso, foi inaugurada na instituição, em 2012, a Cátedra Interdisciplinar Sérgio Buarque de Holanda que teve como primeiro pesquisador o historiador Jurandir Malerba da PUC-RGS. Nesse sentido, integrado com as comemorações do ano da Alemanha no Brasil e através de longa parceria com a Freie Universität, a Revista Eletrônica do Tempo Presente, indexada no qualis da Capes, convidou o catedrático de América Latina do LAI, prof. Dr. Stefan Rinke, para organizar um dossiê, juntamente com o prof. Dr. Karl Schurster (Universidade de Pernambuco), composto por quatro artigos, sobre as pesquisas que estão sendo realizadas no instituto sobre a América Latina, dando maior ênfase ao Brasil.

    O dossiê inicia com o texto da professora Debora Gerstenberger (LAI/FU/Berlin) intitulado Globalising Brazilian History: The Case of D. João VI in Brazil, que nos remonta a instalação da corte portuguesa no Brasil no início do século XIX. O instigante texto da professora Gerstenberger nos aponta que por mais estudado que este fato possa ser no Brasil, ainda é muito desconhecido pela comunidade acadêmica internacional, sobretudo pela sua singularidade: a implantação da capital de um império numa colônia. O pesquisador Frederik Schulze (LAI/FU/Frederich Meinecke Institut/Berlin) no artigo, Imigrantes Alemães entre a participação e o papel de vítimas: A transformação de Leopoldina em heroína da independência Brasileira, se debruçou sobre as memórias do processo de independência do Brasil dando ênfase a imagem construída sobre a primeira imperatriz brasileira, Leopoldina como ‘figura heroica’. A pesquisa de Schulze está focada em estudar como diferentes grupos lidavam com a memória homogênea do processo de independência através do estudo de caso da imagem da imperatriz Leopoldina, construída arquetipicamente como a ‘mulher tolerante alemã’. A pesquisa que vem a seguir, mostra e reafirma a natureza interdisciplinar do LAI. Stefan Rinke, no texto Constructions of Femininity and the ‘American Way of Life’ in Latin America in the Early 20th Century: The Case of Chile, faz um sistemático estudo sobre o feminismo no Chile mostrando sua relação com o movimento macro, mundial e suas peculiaridades locais. Seu texto, além de uma narrativa leve e agradável, apresenta um grande rigor teórico e metodológico. Constrói sua hipótese defendendo a ideia de que as feministas chilenas, apesar de opiniões políticas distintas, lutaram por uma forma bastante peculiar de identidade feminina que difere largamente dos modelos estrangeiros. Rinke, baseado amplamente em fontes, traçou um panorama da construção da feminilidade e influência dos EUA, através do American way of life, na sociedade chilena. O professor Georg Fischer no ensaio A crise ecológica na América Latina e a história ambiental, nos provoca fortemente a refletir sobre como a perspectiva histórica poderia contribuir para o entendimento da crise ecológica atual, em especial na América Latina. Além de trazer uma ampla e densa discussão sobre o conceito de crise e um debate historiográfico sobre o nascimento da história moderna ambiental, tanto na Europa quanto na América Latina, o texto de Fischer se localiza dentro da chamada história do tempo presente incluindo na pauta do historiador a tão defendida pelo professor François Bédarida, responsabilidade social.

    Além do núcleo central, baseada nos artigos de pesquisadores alemães, a edição também conta com a colaboração de pesquisadores brasileiros através de textos sobre a obra do naturalista alemão von Martius, sobre o aclamado filme Cabaret (1972), que retratou o cenário sociopolítico da Berlim do início dos anos ’30 do século passado, e, um perfil biográfico de um dos mais importantes escritores alemães do século XX Thomas Mann.

    Assim, os esforços da equipe da Revista Eletrônica do Tempo Presente em estabelecer parcerias, redes de trabalho, através de projetos de cooperação com as mais importantes e renomadas instituições de pesquisa no mundo reflete amplamente nas contribuições que ora apresentamos nesta edição.

    Prof. Dr. Karl Schurster

    Universidade de Pernambuco

  • ISSN 1981-3384
    n. 04 (2013)

    VELHAS DIREITAS E NOVAS DIREITAS: A ATUALIDADE DE UMA POLÊMICA

    Francisco Carlos Teixeira Da Silva[i] e Karl Schurster[ii]

    Apresentação

    Em 2001 a equipe de pesquisa do Laboratório de estudos do Tempo Presente, da UFRJ, organizou e publicou a obra coletiva “Dicionário Crítico do Pensamento de Direita” (Rio de Janeiro, Editora Mauad, 2001). A edição deste vasto volume gerou, na ocasião, um amplo debate sobre a “atualidade”, menos de dez depois do colapso da União Soviética, da díade “Direita-Esquerda” para a compreensão do cenário político mundial e brasileiro. Depois da “Queda” do Muro de Berlin, em 1989, e subsequente colapso soviético com o fim da Guerra fria, não existiria mais nenhum sentido, ou utilidade teórica, na imagem “geográfica” surgida no interior da Assembleia Nacional durante a Revolução Francesa de 1789.

    Contudo, tanto na época, quanto hoje, uma série de fenômenos históricos – desde a emergência do grupo dos chamados “neoconservadores” na esteira da vitória de George W. Bush, em 2001, o papel relevante do chamado “Tea Party”, até a constante reinvenção, ou ressurgimento, dos fascismos (incluindo aí o nazismo) em vários países da Europa (Alemanha, França, Itália, Noruega, Grécia, etc...) e, mesmo em países fora da Europa (como na Turquia, Argentina, Japão, etc...) demonstrariam a constante presença, no espectro político, da definição de um campo “da direita”. Duas advertências, no entanto, devem ser destacadas e analisadas com todo cuidado, evitando análises estereotipas e simples. De um lado, o chamado “campo da direita” é composto por uma gama extremamente variada, ampla, de formas e tendências. Neste sentido, devemos destacar que vários segmentos (auto)assumidos como “de direita”, como o “thatcherismo”, dentro e fora da Inglaterra, caracteriza-se, de forma muito clara, por uma completa adesão ao sistema de valores e às instituições representativas das democracias liberais. Mesmo com forte conteúdo antissocial e regressivo – como o corte de direitos sociais e de conquistas políticas – tais tendências políticas não propuseram a supressão da ordem representativa e, ou mesmo, abandonram o conceito de “liberdade” enquanto um símbolo de sua ação e propaganda política. Mesmo que tal “liberdade” fosse, invariavelmente, voltada para a supressão de direitos e para a melhoria da barganha política e econômica dos grupos dirigentes em fase do conjunto organizado e popular da sociedade (como no caso da tentativa de Margareth Thatcher “desmontar” o sindicalismo britânico e, simultaneamente, impor um sistema de impostas altamente regressivo, como o “poll tax”, nos anos de 1979-1990) ou, hoje, na União Europeia a ação regressiva da chamada “Troika”.

    Contudo, reafirmamos, esta direita é parte fundante do espectro político do Estado liberal-representativo e não deve ser confundido e mesclado como formas autoritárias e liberticidas que também compõe o campo da direita, como em vários exemplos apresentados nos artigos que compõe este número da Revista do Tempo Presente. Assim, podemos destacar uma direita “tradicional” – os “Conservadores” britânicos, os Republicanos americanos ou o DEM no Brasil, com grupos – tais como o “Tea Party”, os “Die Republikaner”, na Alemanha, “Os Lobos Cinzentos”, na Turquia ou “A Aurora Dourada”, na Grécia, ou grupos religiosos no Brasil ou EUA, entre outros – que são, resolutamente, anti-institucionais, pretendem um Estado autoritário e liberticida. Estes, para além da “direita tradicional” operam na derivação fascista.

    Outro ponto, que devemos destacar, é a inexistência, ao longo da história, de uma essência única no “campo da direita”. Embora alguns temas sejam repetitivos – como a supressão de direitos sociais, a liberdade do uso de armas e a diminuição dos direitos políticos – não podemos criar uma definição única “da direita” atual. Um exemplo clássico é aquele atribuído ao papel do Estado. Em alguns segmentos da direita tradicional ou da direita fundamentalista, como para os Conservadores britânicos ou o “Tea Party” norte-americano, o Estado será sempre um ente “totalitário” e incompetente, perdulário, na gestão da coisa pública – o exato contrário da noção que denominam de “liberdade”. Mas, em outros setores da direita, como nos grupos fascistas e da direita radical, e mesmo algumas ditaduras militares clássicas, o Estado é instrumento fundamental para a prosperidade e a realização dos objetivos “nacionais”, incluindo-se aí o dirigismo econômico. Outros temas, desde a gestão da economia até o grau de intervenção do Estado nos assuntos da vida cotidiana – educação, saúde, uso de armas etc... – há claras divergências. No entanto, temos temáticas que “fecham” uma ampla concordância no campo da direita. Trata-se, neste caso, de uma guinada comportamentalista que viria substituir uma análise essencialista do espectro político.

    Assim, o direito das mulheres ao livre dispor do seu corpo e da gestação, a união civil de gays, a educação sexual nas escolas públicas, o sistema de cotas raciais e sociais merecem um ampla, e quase universal, condenação no campo da direita (embora, mesmo aqui, haja divergências, como no caso a união civil de gays que provoca um “racha” nos Conservadores britânicos). Na maioria dos casos, como no Brasil, Estados Unidos e França, a direita assume claramente a luta contra a ampliação dos direitos “sociais” dos novos grupos emergentes na sociedade.

    Assim, hoje, a díade “Direita-Esquerda”, envolve um largo espectro de temas que abarcam desde o papel do Estado até temas que se voltam diretamente para o comportamento individual dos cidadãos. Temos aqui, ainda, uma importante novidade política e social: a emergência, como núcleo “duro”, das novas direitas, de grupos e instituições religiosas, que assumem um forte papel na organização de grupos de pressão, partidos ou frações de partidos contrários a ampliação dos direitos políticos, sociais e civis. Assim, na França ou na Espanha, católicos integristas, assumiram posições fortemente conservadores frente a questões como a união civil de pessoas do mesmo sexo e, em grande parte apoiados e estimulados pelo então papa Joseph Ratzinger, uniram-se a grupos igualmente fundamentalistas de adeptos das “novas igrejas televisivas” e, mesmo, de muçulmanos frundamentalistas. Nos Estados Unidos e no Brasil grupos religiosos ( por exemplo, a chamada “bancada dos evangélicos” ) são a ponta mais agressiva da nova direita, como no caso da atual crise da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, da recusa de qualquer forma de controle da venda de armas pelo “Tea Party” e sua ala “radicalizada” do Partido Republicano

    No campo da direita, contudo, convive – e muitas vezes “empurram” as organizações e partidos da direita tradicional para posições radicalizadas e intolerantes – uma larga gama de chamados “neo” fascistas, com uma brutal ressurgência do ideário de extrema-direita. Segundo o escritor alemão Richard Herzinger o potencial de violência racista, contido no pensamento e ação da extrema direita, se funda precisamente onde faltam as estruturas da sociedade civil ou onde estas se encontram em ruínas.[iii] Herzinger continua argumentando que tanto maior é o pânico, causado por estes grupos, quando o potencial latente de violência perpetrado por eles sai da superfície: um suicídio em massas aqui, um atentado com gás em um metro lotado, um ataque anônimo com bomba de fabricação caseira ali. A grande questão é que esses seguem sendo interpretados, em larga maioria, como casos isolados que não chegaria a representar um cenário mais contundente de ameaça. A ultradireita ressurgente do Nazismo é uma forma de expressão das mais radicais de um submundo que afirma e legitima sua presença na sociedade com o que podemos chamar de ‘ato violento’, seja ele físico ou verbal. Neste sentido, a expressão ressurgente ultrapassa os limites da ideologia e se transforma num comportamento político. O fenômeno da ressurgência dos fascismos está ligado, no tempo presente, a um agir político fascista, voltado para uma questão central que ainda identificamos como sendo a alteridade. Portanto, não é só a violência física que mostra a força destes movimentos, mas também seu poder discursivo de transformação do ethos político negando a possibilidade da diferença e da pluralidade na sociedade. Para nós, este debate caminha para uma reflexão bastante contundente de um paradoxo existente na nossa sociedade: como nos declararmos radicalmente contra os grupos extremistas sem trair o próprio modelo pregado no presente; a ideia de que não há nenhuma diferença na sociedade que não possa ser integrada? Não podemos negar que durante a década de ’90 e na primeira década do século XXI houve uma crescente expansão, sobretudo entre os jovens, do culto a violência, desapego aos valores do Estado de Direito e da democracia e o ódio xenófobo, sempre agravado em períodos de fortes crises econômicas. Há, de fato um fator preponderante no fomento a essas práticas de xenofobia e violência da ressurgência dos fascismos: a falta de reação social e institucional perante os crimes cometidos por tais grupos. Essa percepção de ‘impunidade’ é, deverás inaceitável dentro de sociedades democráticas.

    No dia 13 de junho de 2012, o jornalista Maximilian Pop publica no influente jornal alemão Der Spiegel uma matéria intitulada Os Nazistas prosperam livremente em partes da Alemanha Oriental, onde retratava a ação de grupos de ressurgentes atuando em nome da antiga proposta Nacional Socialista. Maio de 2012, Saxônia, cidade de Bautzen. Dois homens agrediram um estudante colombiano com chutes e xingamentos. Em Hoyersweda[iv], outro grupo de extrema-direita cercou o escritório de um dos membros do Parlamento alemão, Bundestag, quebrando as janelas e atacando fisicamente um dos funcionários. Em Limbach-Oberfrohna, outro grupo ressurgente atacou um centro de educação alternativa. Em Geithain, um exposivo foi acionado em frente à Pizzaria Bollywood, restaurante que tinha como proprietário um paquistanês.

    Uma das entrevistadas pela matéria é Kerstin Krumbholz, de cinquenta anos, que resume os acontecidos em sua cidade com a seguinte expressão: o inferno é assim. Ela conta que tinha escolhido se mudar para a cidade de Geithain, aproximadamente a quarenta quilômetros de Leipzig, há dezenove anos, pois queria que seus filhos crescesse num ambiente mais seguro, longe da criminalidade e dos entorpecentes presentes com mais frequência nas grandes cidades. De qualquer maneira, para a família Krumbholz as ações ressurgentes não passavam de algo que se via e ouvia através dos noticiários, coisas do tipo incêndio nos asilos ou mesmo a entrada do Partido Nacional Democrático (NPD) em alguma câmara legislativa estadual. Essa realidade foi completamente alterada quando seu filho Florian, de quinze anos, foi atacado por um grupo extremista de uma maneira abrupta até entrar em coma e ter que ser submetido a diversos procedimentos cirúrgicos. Florian era membro de uma turma punk e foi atacado pelo grupo ressurgente num posto de gasolina em maio de 2010 e teve seu crânio perfurado por pancadas. Hoje o jovem vive com uma placa de titânio na cabeça e a família Krumbholz não mais reside na cidade de Geithain.

    Este é apenas um exemplo dos diversos eventos ocorridos por ações de grupos extremistas no leste da Alemanha no presente. Estes acontecimentos nos questionam quase automaticamente sobre o porquê estudar as ‘direitas’ no século XXI? Qual seu significado? Há uma tipologia dessas direitas? O que a história apresentado como novas e velhas direitas no tempo presente? Um ponto fundamental neste questionamento é entender que não existe nem um só tipo ou um só modelo para categorizar os movimentos de ‘direita’. A ressurgência dos fascismos talvez seja sua expressão mais contundente, mas está longe de ser a única.

    Esta edição foi pensada nesta perspectiva: como a história tem lido as novas e as velhas direitas? Porque temas como ódio, negacionismo e integralismo continuam na pauta de discussão sobre esse tema? Este volume esta dividido em quatro partes. A primeira direciona nossa atenção e estudos para a permanência e a reinvenção da direita fascista no tempo presente. O debate realizado pelos textos da professora Clara Góes e, em seguida, do historiador Luis Edmundo Moraes discutem sucessivamente a construção do ódio na história e a negação da política de extermínio nazista. Os pesquisadores Gisele Reiz e Jerônimo Filho se debruçam sobre as propostas e ideários do grupo extremista brasileiro, formado por ex-militares, Guararapes, cujo foco está na crítica a perda da nossa identidade nacional, usando como base o pensamento conservador, nacionalista, autoritário. O professor Jefferson Rodrigues Barbosa da UNESP trouxe a tona uma discussão sobre o que chamou de ‘herdeiros de Plínio Salgado’, uma análise do integralismo no tempo presente. Seu texto reafirma a tese de que o termo ‘neo’ nem sempre é suficientemente elucidativo quando falamos deste grupo extremista. O que teríamos aqui não seria necessariamente um ‘neo’integralismo, mas, uma ressurgência do fenômeno que busca sua base de legitimação no movimento existente nos anos ’30.

    Na segunda parte da revista buscamos trazer ao público leitor pesquisas de fôlego sobre as experiências dos fascismos na América do Sul. Primeiro com o texto do professor Pedro Ernesto que se dedicou a uma análise da extrema direita durante a implementação da doutrina se segurança nacional no cone sul. Em seguida o historiador, docente da Universidade Federal do Amapá, Iuri Cavlak retoma a discussão do primeiro governo de Perón relativizando as perspectivas históricas que generalizaram a aproximação de Perón com o Nazismo. Num atual e instigante debate, o historiador sergipano, Dilton Maynard, apresenta um estudo da apropriação do ciberespaço por grupos de extrema direita na argentina no presente, apresentando os mesmos como aglutinadores da extrema direita na América do Sul através do uso das novas tecnologias.

    Na terceira parte, as direitas no Brasil, os estudos aqui apresentados estão ligados a uma historicização destas direitas. Filipe Cazetta estuda a Ação Imperial Patrianovista – AIP procurando entender quais características deste grupo foi mantido pela Ação Integralista Brasileira – AIB. Já o historiador Carlos Leonardo Bahiense nos apresenta uma análise do fascismo japonês no Brasil através do caso Shindo Renmei, que o mesmo define como “uma estratégia de resistência face o nacionalismo autoritário estabelecido por Getúlio Vargas a partir da Campanha da Nacionalização.” Natalia dos Reis Cruz retoma a problemática da aproximação entre o governo Vargas e os fascismos. Seu foco está nas políticas de aproximação e de distanciamento em relação aos fascismos utilizando como ponto de referência a questão da identidade nacional. A professora Janaina Cordeiro escreveu sobre a memória militar sobre Emílio Médici e a ideia de que o mesmo era o nome ideal para contornar todos os problemas que o regime vivenciava. O pesquisador Gustavo Alonso se dedicou ao estudo da música popular durante a ditadura militar, em especial a música sertaneja. Seu foco não esta na canção de protesto, mas ao contrário, num tipo de música que em muito serviu ao regime civil-militar brasileiro. O estudo de Alonso está em ampla sintonia com a nova historiografia que estuda o consenso e o consentimento nas ditaduras civis-militares. O historiador Odilon Caldeira apresenta um estudo sobre as apropriações da memória pela direita. O centro de gravidade de seu texto está nas relações conflituosas entre a memória e a história e as diversas estratégias políticas de três tipos específicos de iniciativas de direita: a Ação Integralista Brasileira, a Aliança Renovadora Nacional e o Partido da Reedificação da Ordem Nacional.

    Por fim, apresentamos duas resenhas acadêmicas: uma voltada para a análise do filme A Onda, discutindo a adesão aos grupos de extrema direita e a sedução do fascismo e outra, sobre o livro da historiadora Janaina Cordeiro, Direitas em Movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a ditadura no Brasil, que enfoca a reconstrução da memória social da ditadura civil militar brasileira quebrando o mito de uma sociedade resistente ao regime.

    Assim, procuramos nesta edição apresentar aos leitores (as) pesquisas de fôlego, de historiadores especialistas em áreas especificas que se unem num debate sobre as ‘velhas’ e as ‘novas’ direitas no Brasil e no mundo.


    Notas
    [i] Professor Titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ

    [ii] Professor Adjunto de Teoria e Metodologia da História da Universidade de Pernambuco. Doutor em História Comparada pela UFRJ.

    [iii] HERZINGER, Richard. DIE Zeit. 2000.

    [iv] Todas as cidades citadas neste parágrafo estão localizadas na Saxônia no leste da Alemanha.

    Estrutura da edição

    PARTE I: A PERMANÊNCIA E REINVENÇÃO DA DIREITA FASCISTA:

    1. Sobre o Ódio - Por Clara de Góes.

    2. Negacionismo: A Extrema-Direita e a negação da Política de Extermínio Nazista - Por Luís Edmundo de Souza Moraes.

    3. Práticas autoritárias no Brasil Contemporâneo. A “nova” direita e a concepção ideal/orgânica de democracia: o grupo Guararapes - Por Gisele Reiz & Jeronimo de Jesus Filho.

    4. Intelectuais do sigma e o integralismo contemporâneo: os herdeiros de Plínio Salgado - Por Jefferson Rodrigues Barbosa.

    PARTE II: AS DIREITAS, OS FASCISTAS E AS EXPERIÊNCIAS DITATORIAIS NA AMÉRICA DO SUL

    1. A extrema-direita nos golpes militares do Cone Sul: Patria y Libertad (Chile), Triple A (Argentina) e a Juventud Uruguaya de Pie (Uruguai) - Por Pedro Ernesto Fagundes.

    2. A Rede ao Sul da América: Um ensaio a Argentina e a Extrema-Direita na Internet (1996-2007) - Por Dilton Maynard.

    3. Nazismo na América do Sul: A questão do peronismo - Por Iuri Cavlak.

    PARTE III: AS DIREITAS NO BRASIL

    1. "Deus, Pátria, Familia...Monarquia: Ação Imperial Patrionovista e Ação Integralista Brasileira - choques e consonâncias" - Felipe Cazetta

    2. Ame-o ou ame-o: música popular e ufanismo durante a ditadura nos anos 70 - Por Gustavo Alonso.

    3. A direita que se (re)cria: AIB, Arena e PRONA - Por Odilon Caldeira Neto

    4. “Reinado de terror”: o fascismo japonês em terras brasileiras – o caso Shindo Renmei. Por Carlos Leonardo Bahiense.

    5. O Governo Vargas e o Fascismo: aproximações e repressão - Por Natalia dos Reis Cruz

    6. A derrota após a vitória: a memória militar sobre Médici e a ditadura - Por Janaina Martins Cordeiro.

    RESENHAS FILME E LIVRO

    1. “Tragam o traidor para cá!”: algumas considerações sobre o filme A Onda - Por Carlos Leonardo Bahiense & Ricardo Pinto dos Santos

    2. A mulher brasileira nas trincheiras - Por Diego Omar da Silveira &Isabel Cristina Leite.

  • ISSN 1981-3384
    n. 03 (2012)

    EDITORIAL: O INTEGRALISMO BRASILEIRO: O PASSADO E O TEMPO PRESENTE

    Por Giselda Brito Silva

    Coordenadora do Núcleo de Doc. e

    Historiografia das Ditaduras e do Autoritarismo no Tempo Presente e Professora da UFRPE

     

    Apresentação

    A Revista Eletrônica do Tempo Presente traz nessa Edição Especial o tema do Integralismo no Brasil, a partir da contribuição de especialistas e estudiosos do tema de partes diferentes do país.

    Colaboram com essa Edição João Fábio Bertonha da Universidade Estadual de Maringá e coordenador do Laboratório do Tempo Presente da UEM, também conhecido especialista dos estudos do integralismo no Brasil e suas relações com o fascismo italiano. Nesta edição ele nos oferece uma discussão sobre questões metodológicas para o estudo do antissemitismo integralista. Na sequência temos uma analise da imprensa integralista, particularizando-se o caso da Revista Anauê e sua circulação num ano que foi crucial para o crescimento dos integralistas, 1935, com Rodolfo Fiorucci do Instituto Federal do Paraná (IFPR/Jacarezinho) e Doutorando pela UFG, estudioso do integralismo desde os tempos de Mestrado.

    As relações externas do integralismo com o nazismo não poderiam deixar de ser contempladas nessa Edição. Nesse lugar, temos a contribuição da Ana Dietrich, da Universidade Federal do ABC, especialista nos estudos do nazismo no Brasil e suas relações com o Integralismo no Sul do país, com uma importante contribuição acerca das percepções de Hitler sobre essa relação.

    Outra importante contribuição à edição vem do também especialista no tema Renato Dotta da Universidade Federal do ABC nos dando a conhecer da trajetória do integralismo brasileiro desde a fundação da Ação Integralista Brasileira em 1932 até a atualidade, incluindo-se uma reflexão da utilização dos ciberespaços utilizados pelos chamados “Neo-integralistas”.

    No âmbito da história do tempo presente do integralismo temos a oralidade e a memória dos que viveram a experiência do integralismo na contribuição de Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro, da Universidade Federal Fluminense. Especialista em estudos da memória integralista, ela nos brinda com uma discussão bem atual do movimento a partir do tema “Uma velha novidade: o integralismo no século XXI”.

    Informamos aos leitores que o integralismo brasileiro teve seu início em 1932 com o lançamento do Manifesto de Outubro de 32, atuando oficialmente até 1937, quando foi proibido por decreto do Estado Novo. Em 1938, alguns integralistas tentaram derrubar Getúlio Vargas, através de uma invasão armada à residência presidencial no Rio de Janeiro, sendo a partir daí objeto de perseguição e controle da polícia política. Seu líder Plínio Salgado foi enviado para exílio em Portugal, onde ficou até 1946. Voltando ao Brasil fundou o PRP (Partido de Representação Popular) com o qual compareceu novamente ao campo político brasileiro na dita democratização do país. Durante o regime militar continuou atuando, agora ao lado dos militares, até 1975, quando veio a falecer. Alguns militantes e seus herdeiros, contudo, nunca esqueceram o “Chefe” e continuam até nossos dias circulando em algumas capitais do país e, principalmente, através da internet.

    Desta forma, apresentamos nesta edição um tema de suma importância para nossa vida política e, com isso, esperamos levar uma contribuição aos interessados em estudar e conhecer mais detalhes do que foi esse movimento, tido como o “fascismo brasileiro”.

  • ISSN 1981-3384
    n. 02 (2012)

    UM NOVO TEMPO PRESENTE

     

    Por Prof. Dr. Dilton Cândido S. Maynard

    Universidade Federal de Sergipe

    A Revista Eletrônica do Tempo Presente chega a mais uma edição. Seguindo a linha editorial pautada pela qualidade e diversidade de trabalhos, autores e perspectivas, este volume apresenta uma animadora distribuição geográfica. O esforço dos integrantes do TEMPO/UFRJ em estabelecer parcerias, consolidar redes, iniciar projetos de cooperação se reflete nas contribuições recebidas para este número.

    Abrindo os artigos, o professor Samuel Cohn, da “Texas A and M University” analisa a formação do Tea Party, o polêmico movimento da Direita norte-americana. Em seguida, temos o texto de Jaílson Pereira da Silva, da Universidade Federal do Ceará (UFC) que reflete sobre as produções fílmicas brasileiras oriundas da chamada “Retomada” do cinema nacional e suas interpretações sobre os tempos da ditadura (1964-1985).

    As discussões sobre golpes de Estado acabam retornando diante da crise vivida pelo Paraguai, evidenciada pela deposição do presidente Fernando Lugo. Percorrendo um caminho um pouco mais longo que os tumultuados dias antecedentes à queda do político paraguaio, Vanderlei Vazelesk Ribeiro, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), propõe uma análise cuidadosa das tensões agrárias no país vizinho, estabelecendo uma fina sintonia entre os recorrentes conflitos no campo e a queda de Lugo. Analisado uma outra importante queda, em período um pouco mais anterior, o texto “Egypt: the first internet revolt? de Xiaolin Zhuo, Barry Wellman, and Justine Yu”, originalmente publicado na revista Peace Magazine, é aqui reproduzido. Agradecemos aos autores, por concordarem que a nossa publicação é o lugar ideal para apresentarem ao público sul-americano suas propostas sobre os conflitos que conduziram à queda de Hosni Mubarak em 2011.

    Por sua vez, o artigo “Dangerous Liaisons: Dag Hammarskjöld e o Congo de 1960/61”, de Tereza Cristina Nascimento França (Universidade Federal de Sergipe), aborda as ações de Dag Hammarskjold, o segundo Secretário Geral da ONU, na tentativa de trazer paz ao Congo entre 1960-61, esforço este que resultou em sua morte. Também tratando de um importante personagem do período da Guerra Fria, Sidnei Munhoz (Universidade Estadual de Maringá) analisa a trajetória e as ideias de George Frost Kennan diante da política externa norte-americana. Munhoz evidencia a relevância de Kennan, diplomata de carreira e profundo conhecedor da sociedade soviética, como o arquiteto da chamada “Doutrina da Contenção”, eixo basilar da política externa dos EUA durante a Guerra Fria.

    O último artigo é, sem dúvida, um dos mais provocadores. Como estão os livros didáticos de História quando o assunto é o tempo presente? Até que ponto o espaço gradativamente ampliado da historiografia e investigações sobre o assunto tem se convertido em uma discussão de maior e melhor qualidade em nossos currículos e manuais? As respostas oferecidas pelo texto de Itamar Freitas (Universidade Federal de Sergipe) e Jane Semeão (Universidade Regional do Cariri) certamente inquietarão alguns leitores.

    Esta edição é completada por duas resenhas. A primeira delas, assinada por Igor Lapsky (TEMPO), analisa o livro “The White of their eyes: the Tea Party´s revolution and the battle over American history”, de Jill Lepore, enquanto Andreza Maynard (UNESP) produz uma apreciação do “A idade de ouro: história da busca da felicidade”, de George Minois.

    Finalmente, ressaltamos os nossos agradecimentos à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que, através do projeto “Caminhos da Integração Sul-Americana”, tem apoiado as iniciativas do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade do Brasil / UFRJ.

  • ISSN 1981-3384
    n. 01 (2012)

    DOSSIÊ: ARGENTINA HOJE

    O Laboratório de Estudos do Tempo Presente da Universidade do Brasil / UFRJ publica o primeiro número da Revista Eletrônica do Tempo Presente / UFRJ. Este primeiro número, por sua vez em abertura de uma nova série, terá o caráter de número especial ao compor um dossiê sobre a Argentina contemporânea, agora denominado “Argentina, hoje”. Escolhemos como motivo para tal dossiê especial a Argentina, não apenas pelo seu peso como a mais destacada parceira histórica do Brasil na América do Sul - e aí devemos sublinhar dimensões políticas, comerciais e estratégicas - como pelo destaque contido na própria importância enquanto país influente na comunidade internacional e membro constante do grupo das vinte mais relevantes economias globais, o G20. Não deixamos de notar, ainda, a relevância argentina para as instituições, a política, a cultura e a constituição da unidade sul-americana.

    Neste mesmo sentido, notamos o protagonismo argentino nas relações internacionais, com a retomada do desenvolvimento econômico, cujo ponto de destaque se demonstrou nas nacionalizações destacadas do governo Cristina Kirchner (2007-) em 2008, com o resgate das Aerolíneas Argentinas, e em março de 2012, a suspensão do contrato de concessão dos jazimentos petrolíferos nas mãos da Repsol YPF, culminando na expropriação da majoritariedade das ações desta mesma empresa em Abril. Ao mesmo tempo e no mesmo sentido da retomada do discurso e ação sobre a soberania nacional como demanda, a crise das Malvinas ressurge no seu trigésimo aniversário como forma de tensão diplomática, em função da presença acusada de jazimentos de petróleo e gás. As Américas se manifestaram de apoio na Cumbre de las Americas de 2012, em Cartagena de las Indias, Colômbia.

    Este número conta com especialistas brasileiros e argentinos sobre o tema. Entre os especialistas argentinos, está o prof. Hector Saint-Pierre (Professor Titular em Segurança Internacional e Resolução de Conflitos da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP), e diretamente da Argentina, dando prosseguimento a uma tradição de cooperação entre o TEMPO / UFRJ e Universidad Nacional de La Plata / Instituto de Relaciones Internacionales, estão os artigos de Laura Bogado Bordazar & Laura Maira Bono, professoras do instituto argentino, bem como Julia Esposito. Dois pesquisadores brasileiros, Maria Paula Nascimento Araújo, Professora Associada de História Contemporânea, e Iuri Cavlak, Professor Adjunto da Universidade Federal do Amapá, estão presentes neste número especial.

    Procuramos ainda construir um diálogo intenso sobre a questão das Malvinas através de uma entrevista, sob a forma de mesa redonda, com estes mesmos especialistas mais o Norberto Osvaldo Ferreras, argentino, Professor Associado da Universidade Federal Fluminense, sobre o significado atual da crise das Malvinas. Este dossiê, além dessa reforçada contribuição com artigos de nível doutoral e entrevistas, apresenta resenhas fílmica e literária sobre obras de destaque notadas internacionalmente, e ainda a contribuição discente em formação do exercício de perfilagem biográfica e de alguns dos mais relevantes documentos impreteríveis para a análise histórico-política das relações internacionais do país com o mundo.

    Por fim, é necessário mencionar o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através do projeto “Caminhos da Integração Sul-Americana”, sem os quais os últimos avanços e intentos em pesquisa não seriam possíveis. Nessa direção, os trabalhos aqui apresentados são parte integrante e constitutiva dos resultados deste projeto.

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