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Futuros em disputa:
juventude, educação e projeto de vida no Ensino Médio

Alexandre Barbosa Pereira1

Resumo
A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação básica brasileira traz como questão cen-
tral, principalmente para o Ensino Médio, a importância da escola se aproximar das questões da juventude.
Ao anunciar esse objetivo, a BNCC produz um determinado discurso e embasa políticas públicas para a
juventude, como a Reforma do Ensino Médio. Na medida em que a noção de juventude é mobilizada, outros
termos também despontam como categorias centrais no documento: projeto de vida e empreendedorismo.
O artigo analisa e problematiza essas referências na BNCC, indaga sobre quais noções de juventude e futuro
são mobilizadas nesse documento e aborda os sentidos de uma ação educativa centrada em uma política
pública e pedagogia do projeto de vida cuja finalidade é preparar os estudantes para o empreendedorismo.
A pesquisa trabalha fundamentalmente com a análise de discurso da proposta curricular brasileira. A sua
principal conclusão é que o discurso sobre a noção de futuro para a juventude construído pela reforma cur-
ricular do Ensino Médio não dialoga com a realidade e com as aspirações de futuro dos jovens brasileiros.
Palavras-chave: juventude; projeto de vida; futuro; empreendedorismo; políticas públicas

1 Alexandre Barbosa Pereira, Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departa-
mento de Ciências Sociais. São Paulo, São Paulo, Brasil. Email: alexandrepereira@ig.com.br Orcid: https://orcid.org/0000-
0003-3977-1171

Revista TOMO
São Cristóvão, v. 43, e20795, 2024

Data de Publicação: Outubro/2024
Dossiê

Dossiê

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Alexandre Barbosa Pereira

Introdução

Abordar a relação entre juventude e futuro a partir das políticas públicas envolve refletir sobre
como essa noção é concebida nas sociedades contemporâneas. Henri Giroux (2003), por exem-
plo, afirma que há duas grandes representações sobre a juventude e o futuro na sociedade esta-
dunidense, que, de certa maneira, podem também ser tomadas como forma de compreender as
políticas públicas para a juventude no Brasil. A primeira representação toma a juventude como
representativa dos sonhos, desejos e planos de uma sociedade. Assim, a juventude seria concebi-
da como objeto das políticas públicas do Estado para o futuro, em termos de garantia de recursos
sociais, segurança e padrões adequados de educação. Dessa maneira, o futuro da juventude seria
visto como o futuro da sociedade. Na segunda, a juventude seria uma ameaça ao presente e ao
futuro da sociedade, uma percepção que, conforme Giroux, começaria a tornar-se predominante
nos Estados Unidos desde o fim do século XX, principalmente quando se trata de jovens pobres e
negros. Nela, a juventude é apreendida como um problema a ser contido.
A partir dessa segunda perspectiva, a juventude, então, passaria a ser demonizada pelas mídias e
por políticos de viés mais conservador ou de extrema-direita, que constroem uma retórica pública
pautada no medo e no apelo à vigilância, assim convencendo ou alcançando aprovação de uma
parte da opinião pública (Tarde, 2005). Giroux (2003) relata como em muitos shopping centers
americanos os jovens negros passaram a ser barrados constantemente quando desacompanha-
dos. Dessa maneira, essa mudança de percepção pública sobre a juventude nos EUA também altera
o foco das políticas públicas para os jovens, especialmente os pobres e não brancos, deixando de
privilegiar as políticas de educação e incentivando um aumento das políticas de repressão e en-
carceramento.
No Brasil, uma proposta de política pública para a juventude tem, de certa maneira, direta ou indi-
retamente, considerado essas duas representações como ponto de partida. Trata-se, justamente, da
reforma curricular da educação básica, por meio de um novo documento, intitulado, Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), e de uma reforma dos currículos do Ensino Médio, que se baseia nesse
documento. Essa reforma foca no que seria um dos principais problemas da educação no país, o
Ensino Médio. Etapa voltada a jovens com idade entre 15 e 18 anos, o Ensino Médio está há tempos
na pauta política, principalmente por conta das altas taxas de evasão e da falta de interesse nos estu-
dos. Segundo Corti (2016, p. 43), a grande expansão do Ensino Médio teria ocorrido nos anos 1990,
“gerando uma verdadeira explosão das matrículas, tornando-se a etapa da educação com maior
crescimento na década. O movimento ascendente durou até 2004, quando o país atingiu o ápice de
9.169.357 matrículas”. Entretanto, posteriormente, nos anos 2000, esses números começam a decli-
nar e a evasão a aumentar. Para Klein e Arantes (2016), o principal motivo para essa grande evasão
do Ensino Médio, conforme relatos dos próprios estudantes, seria a falta de interesse.
Assim, partindo desse diagnóstico, da situação atual do Ensino Médio, essa reforma dos currículos
para a juventude brasileira toma a representação do futuro dos jovens como uma de suas bases,
seja como a realização do desenvolvimento do país ou como o aprofundamento de suas crises. Não
por acaso, a questão do futuro dos/para os jovens é um dos seus principais temas. Dessa manei-
ra, já na BNCC e depois na Reforma do Ensino Médio, implementada nos últimos anos e que tem
enfrentado grande resistência e mesmo possibilidades de revisão neste terceiro governo Lula, a
discussão sobre o projeto de vida dos jovens torna-se um dos objetivos e mesmo uma disciplina
curricular em muitos estados brasileiros. Parte-se, assim, de alguns diagnósticos, como o de que

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Futuros em disputa

o Ensino Médio estaria distante da realidade dos jovens e que este não prepararia os jovens para
organizarem seu futuro, seu projeto de vida.
A proposta deste artigo é analisar os discursos sobre a relação entre juventude e futuro que per-
meiam a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a educação básica no Brasil e que
fundamentaram a recente e controversa Reforma do Ensino Médio, focando principalmente no
texto da primeira. A BNCC é um documento que visa normatizar o ensino e os currículos da educa-
ção básica brasileira. Assim, as propostas pedagógicas e o material didático passam a ser pautados
por suas orientações2. Não se pretende aqui discutir a dimensão político-pedagógica da reforma
curricular em si, mas, sim, analisar como uma política de futuro é mobilizada para os jovens nesse
processo. Trata-se, portanto, de discutir como essa proposta de política pública associa as noções
de juventude e futuro. O objetivo, mais específico, portanto, é indagar as peculiaridades e os para-
doxos da produção discursiva sobre a juventude na nova BNCC para o Ensino Médio, em especial a
partir de alguns conceitos que são apresentados como eixo central do trabalho escolar na relação
entre juventude e projeto de vida, com destaque para a ideia de empreendedorismo. Foucault
(2007, p. 132-3) define o discurso como:

Um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva;
ele não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo apareci-
mento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constitu-
ído de um número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de
condições de existência. O discurso, assim entendido, não é uma forma ideal e intemporal
que teria, além do mais, uma história; o problema não consiste em saber como e por que
ele pôde emergir e tomar corpo num determinado ponto do tempo; é, de parte a parte, his-
tórico – fragmento de história, unidade e descontinuidade na própria história, que coloca
o problema de seus próprios limites, de seus cortes, de suas transformações, dos modos
específicos de sua temporalidade, e não de seu surgimento abrupto em meio às cumplici-
dades do tempo.

Trabalha-se, assim, fundamentalmente, com a análise desses discursos a partir do documento que
estabelece novas bases curriculares para a educação brasileira. Embora o objetivo principal deste
artigo seja analisar essa produção discursiva, ele se insere em uma proposta de pesquisa mais
ampla, que busca, por outro lado, apreender seus impactos na produção de subjetividades juvenis,
por meio de um acompanhamento do cotidiano de escolas nas cidades de São Paulo e Guarulhos,
ambas na Região Metropolitana de São Paulo.

A Nova BNCC e a Reforma do Ensino Médio

A nova BNCC trouxe como preocupação principal a proposição de uma compreensão da diversi-
dade da juventude, tentando não reduzi-la às suas dimensões biológicas e etárias. Essa categoria,
conforme o documento, não seria um “mero rito de passagem da infância à maturidade” (Brasil,
2017, p. 463). Apresenta-se, assim, a necessidade de compreender as singularidades das culturas
juvenis, pois, afinal, haveria muitas juventudes a quem se deveria garantir protagonismo sobre a
própria trajetória escolar.

2 O Programa Nacional do Livro e do Material Didático, PNLD, é mantido pelo governo federal e distribui livros e materiais
didáticos gratuitamente nas escolas públicas brasileiras. Em 2021, o PNLD lançou uma chamada para publicações de livros
didáticos específicos com a temática do projeto de vida para estudantes do Ensino Médio.

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Alexandre Barbosa Pereira

Para formar esses jovens como sujeitos críticos, criativos, autônomos e responsáveis, cabe
às escolas de Ensino Médio proporcionar experiências e processos que lhes garantam as
aprendizagens necessárias para a leitura da realidade, o enfrentamento dos novos desafios
da contemporaneidade (sociais, econômicos e ambientais) e a tomada de decisões éticas e
fundamentadas. O mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para investigação
e intervenção quanto a seus aspectos políticos, sociais, produtivos, ambientais e culturais,
de modo que se sintam estimulados a equacionar e resolver questões legadas pelas gera-
ções anteriores – e que se refletem nos contextos atuais –, abrindo-se criativamente para o
novo (Brasil, 2017, p. 463).

Conforme pode ser notado, a nova BNCC parte de uma concepção mais complexa de juventude a
fim de tentar promover, ao mesmo tempo, uma reflexão sobre como as relações de aprendizagem,
em seu conteúdo e forma, deveriam ocorrer no Ensino Médio. O documento aponta para a neces-
sidade de evitar reducionismos e, em alguma medida, propõe uma relação intergeracional mais
profícua. Parte de uma concepção, aparentemente progressista, que pensa o aprendizado como
um processo no qual se permite às novas gerações refletirem sobre o legado das anteriores para
avançar e produzir suas próprias contribuições. Entretanto, deve-se questionar se os eixos esco-
lhidos para se discutir a relação entre a escolarização e o ponto de vista dos estudantes refletem
efetivamente a visão dessa etapa da vida a partir de suas singularidades, sem reduzi-la a um rito
de passagem ou a uma etapa de preparação para o futuro.
A abordagem na BNCC sobre como as relações intergeracionais e as múltiplas experiências de
juventude configuram temporalidades específicas, que se definem e se redefinem conforme os rit-
mos da vida, foi um preâmbulo para uma análise mais detida sobre esse objeto específico: as con-
cepções de juventude representadas na BNCC. Primeiramente, duas questões destacam-se como
peculiares nessa tomada da juventude como ponto central da Educação Básica e principalmente
do Ensino Médio: o projeto de vida e o empreendedorismo. A proposta é que as escolas tematizem
essas duas perspectivas, relacionando-as entre si, associando-as às experiências juvenis. Assim, o
que se sugere é a convergência entre o trabalho com projeto de vida e a ideia de empreendedo-
rismo como conteúdo nas mais diferentes disciplinas, dada à flexibilidade da constituição das tra-
jetórias escolares inserida pela última Reforma do Ensino Médio. O projeto de vida aparece já na
descrição de uma das competências gerais que a BNCC aponta para a educação básica brasileira.

6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos
e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e
fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade,
autonomia, consciência crítica e responsabilidade (Brasil, 2017, p. 9).

Como se pode perceber, uma série de elementos são vagamente reunidos como questões que o
ensino na educação básica deveria mobilizar entre os estudantes, com a finalidade principal do
entendimento do mundo do trabalho. Em segundo plano, e de certa maneira subordinados ao
mundo do trabalho, estão o exercício da cidadania e o projeto de vida. Contudo, o projeto de vida
é apresentado como eixo central em torno do qual a escola deveria organizar suas práticas. Ao
tratar da passagem do Ensino Fundamental para o Ensino Médio, a nova BNCC diz que esse é o
momento de a escola ajudar os estudantes a delinearem seu projeto de vida em relação ao futuro
e ao prosseguimento dos estudos.
Dessa maneira, a BNCC fornece os elementos principais para a Reforma do Ensino Médio, com
duas questões importantes nessa tomada da juventude como ponto central das mudanças: o pro-

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Futuros em disputa

jeto de vida e o empreendedorismo. Sugere-se, portanto, a convergência entre trabalho, projeto de
vida e empreendedorismo, como conteúdos nas mais diferentes disciplinas, dada à flexibilidade
da constituição das trajetórias escolares inseridas posteriormente pela Reforma do Ensino Médio.
Definiu-se, por fim, que cada unidade da federação, e, no limite, mesmo cada escola, poderia elabo-
rar seu currículo de modo mais flexível, oferecendo trajetórias diferentes para que os estudantes
possam escolher entre humanidades, linguagens, ciências da natureza, ciências exatas ou uma
formação de cunho profissionalizante.
Na prática, os currículos foram impostos pelos governos estaduais, flexibilizando e precarizando
o trabalho docente, ao mesmo tempo em que se empobrecia a matriz curricular, tornando-a ainda
mais desinteressante para os estudantes. Nesse contexto, muitas das disciplinas fundamentais
para os sistemas de seleção das universidades públicas e gratuitas no Brasil tiveram sua carga
horária reduzida para a inclusão de disciplinas com caráter que se pretende profissionalizante ou
prático. Entre as disciplinas inseridas em alguns currículos estaduais nesse contexto da reforma
do Ensino Médio estão educação financeira, empreendedorismo, brigadeiro caseiro ou uma outra
oferecida no Rio de Janeiro, intitulada “O que rola por aí?”. Com isso, os jovens pobres das escolas
públicas e gratuitas teriam suas oportunidades ainda mais reduzidas, considerando que os jovens
ricos das escolas privadas e pagas teriam um currículo completo e denso, em correspondência ao
que é solicitado em vestibulares e exames importantes de seleção para as principais universidades
brasileiras.
Como demonstram diversas pesquisas (Ferreti, Dibas e Tartuce, 2004; Ferreti, 2018; Cássio e
Goulart, 2022; Corti, 2019), a Reforma do Ensino Médio brasileiro parte de uma proposta que, a
princípio, tentaria contemplar os interesses da juventude brasileira. Ao tentar contemplar esses
interesses, proporcionaria um currículo mais adaptado a sua realidade e ofereceria instrumentos
para a elaboração de um projeto de vida consistente. Entretanto, a dita reforma utilizou-se da te-
mática da juventude apenas como pretexto para uma reforma neoliberalizante. Ou seja, neste caso,
uma noção de juventude que não se baseia na realidade dos próprios jovens é mobilizada como
motivação de uma reforma do ensino brasileiro. Na prática, como foi possível apreender a partir
do acompanhamento de escolas públicas do município de Guarulhos (SP), já nos primeiros anos
de sua implantação, a reforma tem deixado principalmente os estudantes mais pobres bastante
desesperançados. Esse sentimento se faz presente por compreenderem que o Novo Ensino Médio
precariza o seu currículo escolar, tornando-o mais confuso e superficial. Assim, muitos jovens de-
monstram a percepção de que o futuro, principalmente a possibilidade de chegar a uma instituição
de ensino superior pública, gratuita e de qualidade, tornou-se ameaçado. O futuro desses jovens
tornou-se ainda mais incerto por causa de um novo ensino utilitarista, desorganizado, precarizado
e voltado para a formação de mão de obra barata ou para o empreendedorismo.

Projeto de vida e futuro nas Ciências Sociais

Há um acúmulo de reflexões nas Ciências Sociais que pensam a noção de projeto e de futuro, sob
diferentes perspectivas, que podem ajudar na compreensão da noção específica de projeto que se
encontra na BNCC, bem como implicações. Alfred Schutz (2012), por exemplo, em seu trabalho
clássico, aborda o projeto com base em uma abordagem interacionista/fenomenológica, com o
intuito de evidenciar como as experiências subjetivas surgem no mundo da vida cotidiana, a par-
tir de outra categoria, a de conduta. Para ele, todas as condutas previstas partem de projetos que
levam à ação. Nesse sentido, toda a ação consciente seria um projeto, pois baseada em uma repre-

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Alexandre Barbosa Pereira

sentação mental do que se irá ou pretende fazer. Assim, o projeto envolve sempre uma antecipação
da conduta futura, que o autor denomina, inicialmente, como uma fantasia motivada pela perspec-
tiva de realizar o próprio projeto. Essa antecipação, a elaboração do projeto, baseia-se, por sua vez,
no “estoque de conhecimento à disposição” (Schutz, 2012, p. 157). O autor avança diferenciando
o projeto da fantasia pela possibilidade do primeiro ser limitado por essa realidade, pelo estoque
de conhecimentos disponíveis, sendo, portanto, mais calcado na realidade.
No Brasil, Gilberto Velho (2004), em seu trabalho de pesquisa sobre as camadas médias urbanas
do Rio de Janeiro, retoma essa definição de projeto de Schutz, como conduta organizada para atin-
gir determinado fim, situada em um campo de possibilidades, nas condições que cada indivíduo
teria para realizar seus projetos. O projeto seria uma forma, segundo Velho (2004), de entendi-
mento das interações e das trajetórias biográficas nas sociedades urbanas, marcadas pelo indi-
vidualismo. Velho (2004), entretanto, alerta que não se pode reduzir o projeto necessariamente
a um planejamento ou organização de uma conduta individual, pois esse projeto também seria a
ação de um grupo ou de uma coletividade maior. Outra ressalva importante feita por esse autor é
a de que, em uma sociedade de classes, os projetos podem ser atribuídos a determinada classe so-
cial. Cabe investigar se os projetos que fariam sentido para indivíduos de uma determinada classe
social teriam a mesma aceitação entre indivíduos de outra classe social.
Arjun Appadurai (1997), por sua vez, inicia suas reflexões sobre o futuro a partir da categoria
imaginação. Para ele, a imaginação é definidora da experiência subjetiva da modernidade e seria
motivada por dois fatores: por um lado, pelo desenvolvimento e massificação dos meios de comu-
nicação e, por outro, pela expansão e intensificação dos deslocamentos migratórios. Os indivíduos
nas mais diferentes partes do mundo teriam cada vez mais elementos à sua disposição para ima-
ginarem-se em diversificados lugares e posições sociais, pois, para dialogar com a discussão de
projeto e campo de possibilidades de Schutz, o estoque de conhecimento seria ampliado de modo
radicalmente novo. No limite, conforme Appadurai, cada indivíduo pode tornar-se um projeto em
constante realização e atualização. Isso ocorreria porque, entre outras razões, com a cultura de
massa, a imaginação transcenderia domínios exclusivos ou extraordinários da arte, do mito e do
ritual para constituírem a vida cotidiana das pessoas. Na modernidade, haveria muito mais com o
que se imaginar e muitas possibilidades de lugares onde se imaginar. Contudo, Appadurai também
enfatiza a distinção entre imaginação e fantasia. Para ele, o que caracterizaria esta última seria o
seu caráter individualista, autotélico e mesmo ilusório, dada a sua desconexão com ações coleti-
vas. Já a noção de imaginação estaria mais próxima do conceito de projeto de Schutz.
Nesse sentido, Schutz e Appadurai oferecem dois apontamentos importantes para subsidiar uma
discussão sobre a efetividade de um trabalho de formação escolar voltado para o projeto de vida, a
importância de: 1) abordar o estoque de experiências, ou seja, do repertório, para a construção de
projetos; 2) alertar para a possibilidade de os projetos assumirem a forma de fantasias, de perspecti-
vas excessivamente individualistas e autocentradas, além de distantes do real campo de possibilida-
des. Considerando essas duas indicações, cabe ainda questionar, partindo do intuito principal deste
texto, a respeito de quais noções e experiências de juventude estão sendo mobilizadas quando se in-
sere o projeto de vida como o eixo central do currículo e consequentemente da formação dos jovens.
Ao discutir os projetos de vida e as perspectivas de futuro para os jovens brasileiros no Ensino
Médio, Wivian Weller (2014) ressalta o caráter de transição que ainda marcaria as concepções
sobre essa etapa da formação básica. Assim, o Ensino Médio deveria formar ou preparar para o
futuro, mesmo que tal futuro seja apenas ingressar no Ensino Superior ou no mundo do trabalho.

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Em outras palavras, uma das questões que se evidencia na escolha pelo projeto de vida como
parte fundamental do currículo é a percepção da juventude como etapa de transição e do Ensino
Médio como preparatório para tal transição. Assim, apesar de a BNCC negar a transitoriedade da
juventude, é esse aspecto que se revela quando se quer que a escola exerça papel fundamental na
elaboração dos projetos de vida. Este fato pode mostrar-se ainda mais problemático quando se
constata que as reflexões sobre a experiência juvenil na contemporaneidade têm apontado para
um alargamento da juventude como etapa da vida e mesmo para a sua perda de sentido como fase
de transição, conforme apontam Feixa (2014) e Canevacci (2005), entre outros.
Essa é uma preocupação importante, pois, conforme Jean-Pierre Boutinet (2002, p. 14), em traba-
lho sobre a noção de projeto no ocidente, a sociedade pós-industrial caracterizar-se-ia como uma
cultura de projeto, marcada por “uma profusão de culturas antecipadoras que chegam perto da
obsessão projetiva”. Em grande medida, é essa obsessão projetiva da sociedade moderna, aliada a
certas perspectivas de um empreendedorismo de si, típicos de uma concepção neoliberal e hipe-
rinidivualizante, que marcaria a centralidade da ideia de projeto na nova BNCC e em seu desdo-
bramento prático na Reforma do Ensino Médio. Essa configuração poderia levar ao que Boutinet
define como desvios patológicos: a desilusão que tal cultura de projeto poderia causar em quem
não possui condições de ou repertório para imaginar futuros viáveis, para retomar a discussão de
Appadurai. Boutinet apresenta a figura dos fora-de-projetos da sociedade, indivíduos com pouca
ou nenhuma condição de constituir ou iniciar um projeto3.

É nesse contexto que se deve situar, para elucidar os efeitos das medidas ligadas à orien-
tação escolar ou à inserção profissional quando essas operam um desvio obrigatório pelo
projeto. Tais efeitos correm o risco de carregar o ator que projeta para uma desventura, a
qual se desenvolvem em consequência de uma impossível relação com a categoria do ideal
(Boutinet, 2002, p. 15).

Conforme esse autor, o projeto refere-se a uma temporalidade linear acelerada, configurando, por-
tanto, uma forma de organizar-se em um tempo operatório. Trata-se de um ponto fundamental,
pois, com a implementação de um projeto pedagógico centrado na elaboração de projetos de vida,
a ausência de recursos e repertórios, ou o estreito campo de possibilidades que impedem qual-
quer perspectiva de futuro e/ou de antecipação, pode-se apenas suscitar meras fantasias sem base
na realidade, gerando frustrações e aprofundando desigualdades. Em outras palavras, a questão
que se impõe é a de pensar como os jovens pobres das escolas públicas poderiam organizar ante-
cipadamente suas vidas de modo operativo em meio a uma enorme escassez de recursos.
Chega-se, assim, a um ponto central de outra discussão de Appadurai (2004) mais centrada na
importância de se trazer o futuro para o campo da cultura e para o centro da discussão antropo-
lógica, por meio de uma reflexão sobre a capacidade de aspirar dos mais pobres, entendida como
uma capacidade cultural de orientação para o futuro. Segundo esse autor, enquanto os mais ricos
teriam um maior repertório para mapear seu futuro de modo mais efetivo, os mais pobres, com
menos recursos e oportunidades, possuiriam um horizonte de aspirações ou de projetos de futuro
mais frágil e menos operativo. “A capacidade de aspirar é, portanto, uma capacidade navegacional”
(Appadurai, 2004, p. 69), de percorrer um repertório social, cultural e econômico que permita
um futuro mais promissor que o presente. “Assim os pobres não são nem simples ingênuos nem

3 A importância dessa relação entre juventude e projeto na atualidade é destacada pelas autoras Isaurora Freitas (2013) e Regina
Novaes (2006).

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revolucionários secretos” (Appadurai, 2004, p. 65), mas sobreviventes, que têm de estar atentos
às poucas oportunidades que surgem em curtos e raros instantes.

Juventude e futuro em tempos de crise

Em tempos de crise, em que, além dos problemas econômicos e das políticas que precarizam as
condições de trabalho e vida, com maior intensidade em países como o Brasil, vemo-nos afetado
por pandemias, guerras, avanço do autoritarismo e mudanças climáticas, o futuro da juventude
mostra-se ainda mais incerto. Como aponta Mariana Chaves (2021), é preciso tentar compreender
como os jovens podem projetar-se e construir suas próprias utopias nesses tempos distópicos.
Mostra-se, assim, a importância de pensar se a noção de projeto de vida muito centrada no indiví-
duo e em certas ideias de meritocracia e empreendedorismo, em detrimento de uma perspectiva
mais coletiva e mesmo de transformação social, faz sentido para uma geração cujo futuro mostra-
-se cada vez mais indefinido ou mesmo inalcançável.
Para Carmen Leccardi (2005), as mudanças no modo de conceber e planejar o futuro incidi-
riam de forma mais incisiva sobre os mais jovens. De acordo com essa perspectiva, inicialmente,
na primeira modernidade, o futuro constituir-se-ia para a juventude como uma conexão entre
projeto de vida, trajetória biográfica e identidade. Planejar ou projetar nesse contexto envolve
apreender o risco como um cálculo ou como uma tentativa de controle e redução dos próprios
riscos. No entanto, como a própria Leccardi expõe, já estaríamos vivendo no contexto da segun-
da modernidade, que Ulrich Beck (2010) denomina como sociedade do risco. Nessa segunda
modernidade, a relação com o risco deslizar-se-ia da chave do cálculo para o da imprevisibilida-
de e da impossibilidade de controle. Assim, se na primeira modernidade o futuro seria aberto,
na segunda, o futuro seria de incertezas e inconstâncias, em que não se conseguiria prever ou
controlar os riscos.
O processo descrito por Leccardi levaria a um alargamento do presente e a uma crise do futuro,
apontando para a constatação de que não haveria mais longo prazo. Nesse sentido, prossegue
a autora, estaríamos presenciando o esgotamento da ideia de projeto. Assim, a condição juvenil
passa, além de alargar-se no presente, a constituir-se a partir do fragmento, do imediatismo e das
perspectivas de curto prazo. Tudo isso implicaria uma profunda mudança na maneira como os
mais jovens experimentariam biograficamente sua relação com o tempo.
Em discussão sobre jovens e gerações em Portugal, Ferreira (2019) afirma que as políticas neoli-
berais de austeridade teriam levado à formação de uma juventude marcada fortemente por uma
condição de precariedade. Essa precariedade não se restringiria mais apenas ao mundo do traba-
lho, tomaria “uma dimensão muito mais ampla nas transições para a idade adulta, afetando outras
dimensões das vidas juvenis em termos de (des)proteção social e de (in)dependência e, em última
instância, de (in)segurança ontológica” (Ferreira, 2019, p. 56). Conforme o autor, essa insegurança
ontológica contribuiria para um estreitamento dos horizontes de futuro para os mais jovens. As-
sim, qualquer tomada de decisão que aponte para uma passagem à vida adulta, como sair da casa
dos pais ou constituir família, tornar-se-ia cada vez mais incerta e arriscada. Ferreira (2019, p. 57)
chega a falar em uma ‘desfuturização’ da vida dos jovens desta geração, que os levaria a um maior
apego às experiências do presente.

Deparados com uma realidade onde a estabilidade é muito difícil de garantir e o futuro é
feito de cenários abertos e prazos curtos, o importante é viver o momento presente, o dia-

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-a-dia, e aproveitar em termos não apenas hedonistas, mas também de realização pessoal e
identitária – ainda que, daqui para a frente, de uma forma provisional e reciclável, flexível
e adaptativa.

Assim, a relação dos jovens com o futuro tem se alterado, tanto da perspectiva do que os jovens
imaginam como futuro para si, como da perspectiva do que as políticas públicas formulam para
eles. Conforme Pappámikail (2022), a questão do futuro nos estudos de juventude está, do ponto
de vista teórico, inserida em um debate global, apesar de as relações dos jovens com o futuro es-
tarem em constante redefinição nos mais diferentes contextos e das mais diferentes formas. Para
a autora, a despeito de uma melhora nas condições de vida dos jovens no Brasil e em Portugal,
principalmente com a massificação do Ensino Médio no primeiro e do Ensino Superior no segun-
do, as desigualdades e a falta de perspectiva de futuro persistiria entre os jovens dos dois países.
Em outro contexto, Wyn e Dwyer (1999), em artigo sobre as transições da juventude para a vida
adulta, com base em pesquisas realizadas, nos anos 1990, no Reino Unido, Canadá, Austrália e
Holanda, já destacavam que as expectativas de futuro dessa geração, nascida após os anos 1970,
teriam se tornado mais complexas e menos previsíveis do que as das gerações anteriores. Esses
trabalhos demonstram, portanto, a relevância da discussão sobre juventude e futuro no contexto
global, a partir de diferentes perspectivas, conforme proposto por este artigo.
Outra questão fundamental para se indagar a respeito dos problemas de uma proposta pedagógi-
ca centrada no projeto de vida proposto pela BNCC está na perda de importância do trabalho como
marcador de passagem para a fase adulta na contemporaneidade. Isso ocorre como consequência,
entre outros fatores, do próprio processo de precarização das relações trabalhistas. Ou seja, de um
lado, a BNCC e a reforma do Ensino Médio deslocam a formação de uma perspectiva mais cientí-
fica, com a exclusão ou a diminuição de carga horária de componentes curriculares importantes
como Sociologia e a Filosofia, mas também História, Geografia, Biologia, Química e Física. De outro,
os mesmos documentos enfatizam uma perspectiva mais profissionalizante ou considerada mais
prática e supostamente em acordo com as demandas do mercado. Entretanto, os jovens enfrentam
um mundo do trabalho em crise e em constante precarização, mesmo para aqueles com formação
superior (Standing, 2013; Ferreira, 2019).
Weller (2014) e Corrochano (2014) descrevem a dificuldade da entrada dos jovens brasileiros
no mundo do trabalho formalizado, após o término do Ensino Médio ou mesmo durante a sua
realização, que levaria à intensificação dessa precariedade das relações trabalhistas, afetando di-
retamente os mais pobres. Além disso, constatar-se-ia um adiamento da saída da casa dos pais
ou mesmo um ir e vir constante, conforme a definição das trajetórias ioiô de José Machado Pais
(2001). Este comportamento enfraqueceria o que seria outro marcador de passagem para a vida
adulta: o casamento ou a saída da casa dos pais. Nessa instabilidade, os jovens mais pobres, afirma
Corrochano, têm de se virar. Ou seja, fazer o que for possível para garantir a sobrevivência, mas
sem saber quando se terá um trabalho estável ou a sua própria família. Desse modo, o incentivo ao
empreendedorismo promovido pelas políticas públicas de educação pode legitimar esse tipo de
prática precarizada, glamurizando-as.
Conforme Pais (2001), sobre a realidade portuguesa e europeia, apesar de os jovens elaborarem
diferentes projetos, o futuro, na maioria das vezes, situar-se-ia em um contexto de incerteza e
de crise das trajetórias lineares, não se deixando guiar por qualquer projeto elaborado pelos
mais jovens ou mesmo pelos mais velhos. Assim, muitas vezes, prossegue o autor, os projetos de
vida juvenis conduzem a um vazio e à perspectiva de um adiamento constante das realizações e
mesmo da autonomia, mais identificada com a vida adulta. Os projetos estariam em desacordo,

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Alexandre Barbosa Pereira

portanto, com as trajetórias de vida dos jovens, tanto pelas novas condições sociais, como pelas
novas subjetividades juvenis na contemporaneidade, menos afeitas a trajetórias muito bem de-
lineadas.
Esse diagnóstico sobre o futuro dos jovens portugueses aprofunda-se e toma contornos ainda
mais dramáticos no caso do Brasil, principalmente quando se leva em consideração outras ques-
tões como a desigualdade e os altos índices de violência que afetam os mais jovens, o que torna a
possibilidade de elaboração de qualquer projeto de longo prazo ainda mais distante. Assim, en-
quanto as políticas públicas tentam impor uma perspectiva supostamente linear, como salvadora,
em especial dos mais pobres, conforme a própria discussão sobre projeto e empreendedorismo na
BNCC, esses jovens ou não querem se adequar a essa trajetória linear fechada, ou não têm recursos
para se engajar e prosseguir por muito tempo pelos caminhos que lhes são apontados ou propos-
tos. As dificuldades de uma trajetória linear e bem-sucedida tornam-se ainda maiores quando o
que se oferece ou se incentiva como oportunidade de trabalho aos jovens, principalmente por
meio do que se convencionou denominar como empreendedorismo, caracteriza-se justamente
pela não linearidade, pelo improviso e pela incapacidade de planejamento de longo prazo.
Em muitos casos, esses caminhos lineares não se mostram definitivamente como opção, dada as
transformações no mundo do trabalho. “A transitoriedade e a aleatoriedade pautam os percursos
profissionais de muitos jovens. Mais do que o fim do trabalho, o que parece ocorrer é a substi-
tuição de um emprego formal, cuja estabilidade é garantida por benefícios assistenciais, por um
emprego precário, informal, autocriado” (Pais, 2001, p. 17). Portanto, como afirma Guy Standing
(2013) em análise sobre a precariedade como nova norma das relações trabalhistas, o ingresso
no mundo do trabalho pelos jovens cada vez mais ocorrerá por meio da ocupação de posições
precárias. Porém, os empregos instáveis e temporários estendem-se também progressivamente
para além da juventude e tornam-se a norma da vida adulta ou de certa vida juvenil prolongada.

O projeto de vida reduzido ao empreendedorismo

Na nova BNCC, embora com menor destaque que o projeto de vida, a noção de empreendedorismo
desponta como epítome do diálogo que a escola deveria estabelecer com o mundo do trabalho e
com uma proposta de exercício da cidadania. Essa pode ser uma pista interessante para a com-
preensão de novas formas de produção de subjetividades juvenis que associam trabalho flexível,
participação política – por meio da ideia de protagonismo juvenil – e estilo de vida. Dessa maneira,
o empreendedorismo é associado diretamente a vários aspectos da própria concepção de projeto,
como planejamento, visão de futuro e aspirações. Trata-se de indagar quais seriam as implicações
dessa associação entre projeto de vida, empreendedorismo e protagonismo juvenil, que joga em
um mesmo plano desenvolvimento pessoal, inclusão social, cidadania e diferentes aspectos do
mundo do trabalho.

Essa constante transformação ocasionada pelas tecnologias, bem como sua repercussão
na forma como as pessoas se comunicam, impacta diretamente no funcionamento da so-
ciedade e, portanto, no mundo do trabalho. A dinamicidade e a fluidez das relações sociais
– seja em nível interpessoal, seja em nível planetário – têm impactos na formação das novas
gerações. É preciso garantir aos jovens aprendizagens para atuar em uma sociedade em
constante mudança, prepará-los para profissões que ainda não existem, para usar tecnolo-
gias que ainda não foram inventadas e para resolver problemas que ainda não conhecemos.
Certamente, grande parte das futuras profissões envolverá, direta ou indiretamente, com-

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Futuros em disputa

putação e tecnologias digitais (Brasil, 2017, p. 473).

O discurso do empreendedorismo direciona os jovens para uma formação mais assumidamente
neoliberal e efetivamente reduz a participação política a uma atuação no capitalismo contempo-
râneo como um trader resiliente que espera ser incluído em um novo mundo dos negócios, mais
flexível e supostamente mais acessível. Dessa maneira, portanto, talvez estejamos assistindo à in-
tensificação de um outro processo de transformação dos modos hegemônicos de experimenta-
ção e representação da juventude. Conforme Mike Featherstone (1995), na pós-modernidade, o
indivíduo passa a construir uma estetização constante de sua própria biografia. O que se observa
nesse processo, que se reflete no texto da BNCC e na própria reforma curricular, é a associação
dessa noção individualizada e estetizada de si com a representação de um sujeito empreendedor
de si, que constrói sua própria vida individual como um produto a oferecer-se para o consumo ou
a partir de um constante cálculo econômico.
Consequentemente, criam-se dinâmicas novas em que as condições precarizadas de trabalho são
muitas vezes revalorizadas como autonomia e estratégias criativas dos jovens contemporâneos.
Segundo Frank Marcon (2018), em pesquisa com jovens em Barcelona (Espanha), é preciso com-
preender as complexidades e as ambiguidades dessa nova fase do capitalismo para os jovens, em
que há um aprofundamento da estetização do cotidiano e uma supervalorização da criatividade,
que pode levar a ressignificações positivas de formas precarizadas de trabalho. Na nova BNCC, a
discussão sobre empreendedorismo, resiliência e empregabilidade está presente em vários mo-
mentos, em muitos casos associada a uma certa ideia superficial de cidadania. Em um dos trechos
por exemplo, ela defende que a escola para acolher as juventudes precisa:

Proporcionar uma cultura favorável ao desenvolvimento de atitudes, capacidades e valores
que promovam o empreendedorismo (criatividade, inovação, organização, planejamento,
responsabilidade, liderança, colaboração, visão de futuro, assunção de riscos, resiliência e
curiosidade científica, entre outros), entendido como competência essencial ao desenvol-
vimento pessoal, à cidadania ativa, à inclusão social e à empregabilidade (Brasil, 2017, p.
466).

Desponta, assim, a ideia de que todos podem empreender e tornarem-se players bem-sucedidos
de um capitalismo criativo e flexível, como um Elon Musk ou Mark Zuckerberg, ou ainda como um
youtuber de sucesso. Os efeitos dessa mudança podem apresentar-se entre os indivíduos mais
pobres, em especial os mais jovens, que passariam a tomar qualquer trabalho que, de tão precário
e flexível, pode ser ressignificado, ilusória e prestigiosamente, como um empreendimento capi-
talista promissor. Conforme Featherstone (1995), a juventude seria, ao mesmo tempo, produto e
produtora de uma cultura do consumo, pois é tomada como a fase da vida mais suscetível a consti-
tuir-se como um modo de vida consumista, marcado por estilos de vidas cada vez mais flexíveis e
cambiantes. Contudo, a própria juventude também se torna um estilo a ser consumido, marcando
um processo acentuado de estetização da vida cotidiana, deixando ainda mais borradas as fron-
teiras entre jovens e não jovens.

Considerações finais

Em tempos distópicos, como afirma Chaves (2021), pensar os futuros que os próprios jovens ima-
ginam para si e para o mundo em que vivem mostra-se fundamental. No entanto, é importante

12

Alexandre Barbosa Pereira

também considerar, afinal, que futuro as políticas públicas estão planejando para os jovens na atu-
alidade. No caso das recentes reformas curriculares da Educação Básica brasileira, principalmente
a do Ensino Médio, o futuro da juventude é pensado simultaneamente nos dois sentidos propostos
por Giroux (2003), da juventude como um investimento para certo futuro promissor e da juven-
tude como um problema futuro, que deve ser controlado o quanto antes. Assim, a nova BNCC e a
Reforma do Ensino Médio, ao mesmo tempo projetam o que imaginam como um futuro exitoso
e de contribuição para o país, ao mesmo tempo em que tomam como pressuposto a ideia de que
a juventude que não é capaz de se alinhar com esse futuro projetado por certas forças políticas
apresenta-se como um problema ou como colocando em risco certas expectativas.
Segundo Woodman (2011), a forma como os jovens conduzem seu futuro, como um projeto pes-
soal ou não, tem sido uma das principais questões dos estudos de juventude nos últimos tempos.
Haveria, conforme esse autor, duas tendências importantes no estudo da relação entre juventude
e futuro; A primeira enfatiza como os jovens passam a dedicar-se a um planejamento desse futu-
ro e a outra que afirma que, diante de um cenário de instabilidade e de poucas perspectivas, os
jovens tenderiam a refugiar-se no presente, com pouca ou nenhuma preocupação com o futuro.
Para Woodman (2011) e Pappámikail (2022), é de fundamental importância compreender que a
não existência ou a dificuldade de se apreender uma noção de futuro muito bem planejada, cons-
tituída na forma de projeto de vida, não significa que os jovens deixaram de sonhar e de imaginar
um futuro para si.
Nesse sentido, a grande questão que se coloca para o futuro que é planejado por essa política pú-
blica para a educação brasileira situa-se em torno de certa ideia de projeto de vida que se pretende
linear e bem acabado, enquanto se vive em um mundo de incertezas e distopias, em que o longo
prazo se torna cada vez mais incerto. Os jovens estariam, assim, passando dos ritos de passagem,
que marcariam um ingresso definitivo na vida adulta, para os ritos de impasse, em que não se
reconheceria mais tão facilmente quando se daria o início da vida adulta, conforme descrito por
Pais (2009). Assim, se nas sociedades tradicionais haveria rituais bem marcados de passagem, que
transmitiriam aos indivíduos um novo status, o de adulto, no novo contexto, não apenas tais refe-
rências se esvaem, como tal passagem apontaria para algo imprevisível ou mesmo para um futuro
assustador. Isso levaria os jovens a desenvolverem as mais diferentes estratégias para enfrentar
esse impasse, como expõe Pais, seja por um apego a viver o presente intensamente sem pensar no
futuro, seja pela adesão total à prática do “se virar” e de aceitar engajar-se precariamente no que
aparecer como oportunidade.
Por outro lado, se os marcadores de passagem se tornam cada vez menos claros, por outro, ainda
se criam expectativas de etapas ideais para o curso da vida, processo que Pais identificou como a
persistência das normatividades etárias. Em outras palavras, se cada vez mais as fronteiras entre
as fases da vida são borradas, ainda ocorreria uma grande cobrança para que os indivíduos reali-
zem suas trajetórias dentro de uma perspectiva etária mais delimitada, com idade ideal para a for-
mação, para o ingresso no mundo do trabalho e mesmo para a constituição de família. Com isso, o
que se tem é uma ampliação do impasse e dos dilemas da juventude contemporânea. Ou seja, uma
abordagem acrítica e individualista do projeto de vida na formação escolar, somada a uma visão de
juventude desprendida da complexidade da vida real, podem intensificar o sentimento de incerte-
za. Esse é justamente o investimento proposto pela nova BNCC e pela reforma do Ensino Médio: a
ideia de um futuro linear e pautada por concepções como empreendedorismo e resiliência.
Com isso, não se deve pressupor que a discussão sobre o futuro ou o projeto de vida não seria im-

13

Futuros em disputa

portante para os jovens estudantes do Ensino Médio brasileiro. Muito pelo contrário, a presença
no cotidiano de escolas nas cidades de São Paulo e Guarulhos tem demonstrado que os jovens es-
tão muito preocupados com o seu futuro. Nessas escolas, uma das avaliações dos jovens a respeito
da reforma do Ensino Médio tem sido justamente a de que as mudanças estariam a atrapalhar a
realização de um futuro bem-sucedido. Segundo muitos deles relataram, a criação de novas disci-
plinas desconectadas das questões cobradas em processos de seleção das universidades públicas
deixá-los-ia ainda mais distantes da continuidade dos estudos no ensino superior, reservando-
-lhes como destino a atuação como mão de obra barata em um mercado de trabalho precarizado.
Portanto, conclui-se que essa ideia burocratizada de futuro que é estabelecida como uma disci-
plina específica e como pauta de uma grande reforma do Ensino Médio, conforme tem ocorrido
na maioria dos estados, tem se chocado com as reais aspirações da juventude pobre brasileira. A
questão do futuro dos jovens poderia e deveria estar no cotidiano das relações escolares. Porém,
para isso, é preciso que não se pense em mais uma reforma curricular, elaborada desde cima, mas
que se leve, efetivamente, a sério as singularidades dos jovens reais que habitam o chão da escola,
buscando compreender seus sonhos e dilemas em um mundo em crise.

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Futuros em disputa

Disputed futures: youth, education and
life project in high school

Abstract
The present work, which is theoretical by nature,
addresses the conceptual dimension of political
The main aspect of Brazil’s new National Common
Curricular Base (BNCC in the Portuguese acronym)
for basic education – especially for high school ye-
ars – is the importance of the school approaching
youth issues. By announcing such an objective, the
document produces a certain discourse and lays
the foundation of public policies on youth, such as
the Brazilian High School Reform. As long as the no-
tion of youth is mobilized, other terms also appear
as central categories in the BNCC: life project and
entrepreneurship. This article analyzes and proble-
matizes these references in the BNCC, questioning
which notions of youth and future are mobilized
in this document and approaches the meanings of
an educational action centered in one public poli-
cy and pedagogy of the life project, which seeks to
prepare students for entrepreneurship. The resear-
ch works fundamentally with discourse analysis of
the Brazilian curriculum proposal. Its main conclu-
sion is that the discourse on the notion of the future
for young people constructed by the Brazilian High
School Reform does not dialogue with the reality
and future aspirations of young Brazilians.
Keywords: youth; life project; future; entrepre-
neurship; public policies

Futuros em disputa: juventud, educación
y proyecto de vida en la enseñanza media

Resumen:
El principal aspecto de la Base Nacional Común
Curricular (BNCC) para la educación básica en
Brasil – principalmente para la enseñanza media
– se centra en la importancia de que las escuelas
se acerquen a las cuestiones de la juventud. Al
anunciar ese objetivo, el documento produce un
determinado discurso y basa políticas públicas
para los jóvenes, como la Reforma de la Enseñan-
za Media. En la medida en que se moviliza la noci-
ón de juventud, otros términos también emergen
como categorías centrales en la BNCC: proyecto de
vida y espíritu emprendedor. El artículo analiza y
problematiza esas referencias en el BNCC, cues-
tionando qué nociones de juventud y de futuro se
movilizan en ese documento y aborda los signi-
ficados de una acción educativa centrada en una
política pública y en una pedagogía del proyecto
de vida, cuyo propósito es preparar estudiantes
para ser emprendedores. La investigación traba-
ja fundamentalmente con el análisis del discurso
de la propuesta curricular brasileña. Su principal
conclusión es que el discurso sobre la noción de
futuro para los jóvenes construido por la Reforma
de la Enseñanza Media no dialoga con la realidad y
las aspiraciones futuras de los jóvenes brasileños.
Palabras Clave: juventud; proyecto de vida; futu-
ro; espíritu emprendedor; políticas públicas

HISTÓRICO
Recebido: Março/24
Parecer: Junho/24
Parecer: Agosto/24
Aceito: Agosto/24
Revisado Autor: Setembro/24
Revisão Gramatical/Ortográfica e ABNT: Setembro/24
Revisado Autor: Setembro/24
Publicado: Outubro/24
Equipe Editorial Revista TOMO envolvida no processo editorial deste artigo
Marina de Souza Sartore (Editora-Chefe)
Gabriela Losekan (Editora Junior)