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“Marxistas, maníacos e lunáticos”: as retóricas das novas
direitas sobre a dominação das esquerdas nas universidades dos
Estados Unidos da América (EUA)
Marco Aurélio Dias de Souza1
Camila de Jesus Oliveira2
Resumo
As novas direitas estadunidenses defendem que a educação contemporânea está em crise devido à dominação
esquerdista. A partir da perspectiva de Albert Hirschman, o artigo identifica três teses reacionárias que são mobi-
lizadas contra a educação contemporânea, sendo elas: a negação do outro; a falta de pluralismo; e a perseguição.
O presente artigo, então, analisa a produção de David Horowitz, um dos principais intelectuais das novas direitas
estadunidenses, para ilustrar essas teses. As observações indicam que as teses reacionárias sobre a educação são
importantes para compreender a atuação das novas direitas no campo educacional. Essas teses são mobilizadas
para legitimar o ataque à educação pública e à diversidade, e para promover uma educação conservadora.
Palavras-chaves: novas direitas; educação; teses reacionárias; David Horowitz.
Introdução
Quando Albert Hirschman (1992) publicou seu livro seminal sobre a economia-política reacioná-
ria, disponibilizou uma ferramenta analítica poderosa para os estudos sobre as novas direitas. O
autor, a partir da demarcação de três retóricas, a tese da perversidade, da futilidade e a da ameaça,
trouxe elementos para a compreensão da forma como as ideias conservadoras/reacionárias foram
mobilizadas contra os programas sociais e a implementação de direitos civis. Refletindo a respeito
da importância desse trabalho, esse artigo é o primeiro de uma série de textos que intenta trazer
luz sobre a atuação das novas direitas3 no campo da educação. Para isso, se debruça sobre uma re-
1 Universidade Federal de Sergipe, Campos Alberto Carvalho, Departamento de Educação de Itabaiana; Itabaiana, Sergipe,
Brasil; E-mail: marcodias@academico.ufs.br https://orcid.org/0000-0002-4201-1600 CredIt: Conceitualização, Metodo-
logia e Escrita do Rascunho Original
2 Universidade Federal de Sergipe, Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Sergipe, Brasil. E-mail: oliveiracamilaj@
gmail.com https://orcid.org/0009-0005-6464-773X CredIt: Conceitualização, Metodologia e Escrita do Rascunho Original
3 A opção pelo termo novas direitas decorre da pluralidade de correntes e momentos históricos destacados ao longo do arti-
go, com a presença de autores neoconservadores, paleoconservadores, libertários e conservadores religiosos (o que ficou
conhecido especificamente com nova direita americana surgida na década de 1960-1980) e outros que vem sendo definido
nos EUA como Alt-Right, Far Right ou Hard Right.
Revista TOMO
São Cristóvão, v. 43, e20066, 2024
Data de Publicação: Maio/2024
Dossiê
Dossiê
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Marco Aurélio Dias de Souza; Camila de Jesus Oliveira
tórica constantemente reproduzida por lideranças conservadoras/reacionárias que afirmam que
a educação vive sua crise devido à “dominação de uma elite esquerdista” que, abandonando uma
suposta neutralidade do “campo educacional”, o politizou e transformou em uma arena de batalha
para questões políticas e culturais.
Diante dessa questão inicial, o artigo se concentra nas novas direitas estadunidense, propondo
uma análise do pensamento conservador/reacionário sobre a educação, que segue o modelo uti-
lizado por Hirschman (1992), ao pensar três novas teses reacionárias para servirem de fio con-
dutor para as análises, sendo elas: a) a negação do outro, contrapondo-o à tradição ocidental; b)
a ideia de que a educação contemporânea não é plural por excluir a tradição e a religiosidade; c)
as narrativas de que existe uma perseguição a todos que se posicionam contra a educação liberal
hegemônica.
A intenção ao demarcar essas três retóricas se dá pela especificidade do campo, que demanda
mostrar como elas são reproduzidas por intelectuais conservadores/reacionários e se consolidam
em discursos políticos e tentativas de aprovar legislações. Para delimitar ainda mais a intenção
desse texto, é importante apontar que o recorte foi construído ao redor da produção de David
Horowitz, a partir da atuação do Students for Academic Freedom e na proposta de projeto de lei
(Academic Bill of Right), encaminhada no início dos anos 2000 para Universidades e, em 2004,
para votação na assembleia do estado do Colorado. Junto a esse material, utiliza alguns discursos
recentes do ex-presidente e atual pré-candidato à presidência Donald Trump, assim como fontes
secundárias para contextualizar o debate nos EUA e, para isso, se centra em uma pesquisa biblio-
gráfica produzida por alguns dos principais nomes das novas direitas que se debruçaram sobre
a ideia de crise das universidades e da educação nos EUA, como: Alan Bloom (1989), Gertrude
Himmelfarb (1995), D’Souza (1991), David Horowitz (2009), Ben Shapiro (2020), entre outros.
Dessa forma, o artigo inicia-se com uma rápida contextualização da relevância e atualidade do
tema, demonstrando como a discussão foi gradualmente inserida na história dos EUA, para, em
seguida, analisar as propostas da produção de Horowitz e destacar sua importância dentro do
debate realizado pelas novas direitas nos EUA.
Retóricas conservadoras e a educação
No dia 17 de setembro de 2020, o então presidente dos EUA, Donald Trump, em um evento intitu-
lado “White House Conference on American History”4, acusou a existência de décadas de doutrina-
ção de esquerda nas escolas. Segundo Trump, isso ocorria a partir das teorias raciais críticas5 e de
uma série de propagandas que haviam se espalhado por todo o ensino superior e treinamento de
trabalhadores do país, provocando a desunião ao fazer com que os estudantes tivessem vergonha
da história estadunidense. Para o então presidente, as mobilizações de rua e a cultura do can-
celamento eram organizadas por grupos ligados a uma esquerda radical, apoiados por políticos
4 TRUMP, Donald John. President Trump Delivers Remarks at the White House Conference on American History. Apre-
sentado em: White House Conference, Washington D.C., 17 set. 2020. YouTube, 2020. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=7WGvn6N1qPE. Acesso em: 20 nov. 2023.
5 Teoria fundada nos EUA na segunda metade do século XX, a partir de autores como Derrick Bell no campo do direito e que
ao longo dos anos teve sua análise transposta para estudos da educação, sociologia, etc. A acusação realizada por atores
conservadores/reacionários à teoria se pauta na ideia de que, ao entender que as discriminações e o racismo não são ações
realizadas por indivíduos, e sim que elas estariam presentes em toda a tessitura social, as teorias raciais críticas geraram
um ataque à população branca que seria automaticamente enxergada como privilegiada, racista e opressora.
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“Marxistas, maníacos e lunáticos”
liberais, pela mídia e por grandes corporações que pretendiam silenciar pensamentos dissidentes
e negar a grandeza e excepcionalidade dos EUA.
O discurso de Trump não apareceu de maneira isolada, sendo repetido em diversos momentos
durante seu governo e em sua atual pré-campanha para as eleições presidenciais de 2024. Como
exemplo, no dia 26 de janeiro de 2023, ao falar sobre suas propostas para a educação, Trump
propôs cortes de fundos para quaisquer projetos que englobassem teoria racial crítica, “ideologia
de gênero” e outros conteúdos raciais, sexuais ou políticos, considerados em sua leitura como
“inapropriados” para crianças. Junto a isso, ele pretende encaminhar ao Departamento de Justiça
e Educação investigações civis sobre qualquer escola que tiver se engajado em discriminações
contra asiáticos-americanos ou ao ensinamento judaico-cristão, propôs demitir funcionários ad-
ministrativos ligados às áreas de equidade, diversidade e inclusão, com a justificativa de remover
radicais marxistas infiltrados no departamento de educação, assim como defendeu transformar
legislações para que elas permitam valorizar, de forma “meritocrática”, professores “patriotas”6 e
garantir o direito de os pais realizarem demissões através de votações7.
A fala de Trump se pautou em uma lógica que compreende que as universidades do país estão
dominadas por “marxistas, maníacos e lunáticos”8 e reproduz a cristalização de décadas de re-
tóricas presentes no debate público estadunidense, que entendem as crises da educação básica
estadunidense como resultado da formação politizada de professores nas universidades do país.
Essas retóricas introduziram gramáticas próprias, a partir de uma articulação entre a produção
de intelectuais conservadores/reacionários, movimentos de ativistas e de políticos ligados ao Par-
tido Republicano. A partir dessa articulação, temas controversos como o politicamente correto9,
a “ideologia de gênero”, a “cultura woke” e a crença de que a população branca, cristã e heteros-
sexual sofria perseguições e perdia espaço no país foram reforçados, o que culminou nas últimas
décadas em uma base política profundamente arraigada, consolidada em movimentos como o Tea
Party e a Alt Right e em uma série de tentativas de ataque à liberdade de cátedra no país.
O fato é que, antes mesmo da fala do ex-presidente estadunidense, Guerras Culturais em torno
da educação vinham sendo travadas no país, a partir de tentativas de definir quais os conteúdos,
debates, perspectivas e metodologias deveriam ser inseridas ou removidas de escolas e universi-
dades. Dentro dessas disputas, cada transformação social foi recebida por setores conservadores/
reacionários como responsável pela decadência moral e pelas crises educacionais de cada década.
Apple (2001, p. 57) mostrou que, embora a retórica neoconservadora se construa a partir de argu-
mentos de “um ‘retorno’ a um padrão de qualidade melhor”, com demandas nacionais e estaduais
por currículos e provas obrigatórias, com uma “revivificação da ‘tradição ocidental’, patriotismo e
variantes conservadoras da educação do caráter”, ela também se manifesta essencialmente pelo
medo do outro.
Para Martin (1996), a percepção de decadência e crise motivou levantes populares, mobilizações
políticas, a participação em cargos eletivos em conselhos educacionais e propostas de legislações
6 Professores que defenderiam a “tradição americana” e a “Civilização Ocidental”.
7 TRUMP, Donald John. ‘Pink-Haired Communists Teaching Our Kids!’: Trump Reveals Plan To ‘Save American Edu-
cation’. Apresentado em: EUA, 30 jun 2023. YouTube, 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EdOR-
880Ribo. Acesso em: 20 nov. 2023.
8 Como expresso no discurso do político republicano.
9 Girroux (2008) explica que o termo politicamente correto foi utilizado pela primeira vez em 1990, em um discurso do então
presidente George Bush na Universidade de Michigan. Após o discurso, o termo se espalhou por jornais e revistas como a
Time, o New York Times e o Washington Post.
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Marco Aurélio Dias de Souza; Camila de Jesus Oliveira
limitantes da atuação docente em todos os níveis educacionais. Para reorganizar o entendimento
sobre a atuação das novas direitas, principalmente as vertentes ligadas a um conservadorismo
cultural, na educação é importante compreender que, nos EUA, ela se entrelaçou historicamente a
partir de três retóricas principais, as quais utilizaremos como categorias analíticas:
A primeira se relaciona à ideia de infiltração de grupos no país com a intenção de corromper os
jovens e desvirtuar os “valores comuns que construíram a Nação”. Essa retórica apresentou-se
com uma grande variedade de possíveis inimigos ao longo do tempo, algumas vezes, relacionada à
chegada de imigrantes não protestantes (que motivaram movimentos nativistas, leis imigratórias
restritivas e a negação da implementação da educação bilíngue, como nos exemplos ocorridos nos
anos 1910 e 1920). Em outros casos, como resultado de conflitos e guerras com o envolvimento
dos EUA ao longo de todo século XX e XXI, foi reforçada a necessidade de estabelecer padrões ho-
mogeneizantes sobre a diversidade cultural presente no país.
A busca por homogeneidade e o temor ao outro estabeleceram a perseguição a socialistas, comu-
nistas e anarquistas, estimularam no pós-segunda-guerra a organização de movimentos tradicio-
nalistas pioneiros em relacionar educação e o medo de lavagem cerebral sobre os jovens10, atu-
aram contra o processo de dessegregação e a implantação de legislações que inseriram políticas
afirmativas e que diversificaram o público nas universidades após os anos 1960.
Destacar os anos 1950 e 1960 é importante, pois são décadas marcadas por um momento de
intensa transformação social e fortalecimento das reivindicações por inserção e reconhecimento
que se refletiram fortemente na educação. Ao mesmo tempo, é o momento de consolidação da
nova direita estadunidense11, a partir da campanha presidencial de Barry Goldwater e do surgi-
mento de organizações políticas e revistas como a National Review.
Se o período representa um momento de transformação para o país, os anos que se seguiram
mantiveram um debate profundamente acirrado e com atuação constante de movimentos de viés
conservador/reacionário que se colocavam, em alguns momentos como defensores dos direitos
estaduais para definir suas próprias legislações12 e em outros como defensores de um ensino tra-
dicional e de “qualidade”. Cabe esclarecer que a ideia de “qualidade” presente na retórica con-
servadora/reacionária se concentra em uma defesa de um currículo tradicional, entendido pelos
conservadores como apolítico, uma vez que defende a ideia de uma sociedade onde não existiriam
conflitos, relações de poder e interesses, suportada por cânones ocidentais e um conteúdo essen-
cialmente focado na leitura e matemática13.
Como argumentou Mohl (1993), a crítica à diversidade se intensificou a partir dos anos 1990 com
o surgimento de pesquisas atreladas às correntes mais paranoicas14 da direita, que entendiam as
transformações trazidas pelo multiculturalismo como uma ameaça, o que motivou o surgimento
10 Nickerson (2014).
11 Aqui se manteve nova direita por ser o termo designado especificamente a esse movimento.
12 Um exemplo disso está na candidatura de Barry Goldwater à presidência em 1964, quando o candidato conservador se
colocava contra as legislações por direitos civis com o argumento que o governo federal não poderia impor legislações aos
estados.
13 Dentro dessa lógica, em outro pronunciamento realizado em 1 de novembro de 2023 em meio aos conflitos entre Israel e
Palestina, Trump criticou o fato de jovens estadunidenses com nível universitário defenderem terroristas e, a partir disso,
propôs que, se eleito, criará a The American Academia, uma universidade online e gratuita para a formação de trabalhado-
res, onde não serão permitidos conteúdos políticos, da cultura woke ou Jihadistas.
14 A partir da leitura de Hofstadter (2008).
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“Marxistas, maníacos e lunáticos”
de estudos divulgados, por esses grupos, como “subversivos”, uma vez que se diferenciavam da
produção hegemônica das universidades, que passavam a se tornar mais inclusivas a conteúdos
advindos de grupos não brancos. Indo por um caminho semelhante, Giroux (2008) mostrou que
durante os anos 1990 muitos conservadores como Irving Kristol, Pat Buchanan, entre outros, pas-
saram a direcionar mais fortemente suas críticas às demandas de movimentos minoritários, esta-
belecendo um ataque ao que eles denominavam de politicamente correto. Para o autor, esse mo-
vimento se construía como resposta à dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) e se estabelecia como uma pauta de transição dos movimentos conservadores. As análises
feitas por Mohl (1993) e Giroux (2008) são importantes para que se possa estabelecer a primeira
categoria analítica, ou seja, a retórica de negação do outro por considerar que a diversidade seria
antagônica à tradição ocidental.
Se essa primeira retórica se construiu a partir da negação do outro, a segunda também ganhou
força com a consolidação de vertentes atreladas à nova direita estadunidense [entendida aqui a
partir de três grupos, como classificaram Sorman (1981) e Nash (2006), sendo eles: conserva-
dores culturais15, libertários16 e a atuação da nova direita religiosa17] e se estruturou a partir da
ideia que existe uma negação de um debate plural na educação do país. Essa demanda por “plu-
ralidade” passava longe da aceitação de novas teorias ou métodos, o que se defendia era que as
ideias conservadoras, religiosas e associadas ao neoliberalismo haviam perdido influência e que
elas deveriam receber o mesmo espaço que outras correntes dentro do ambiente universitário.
Essa retórica ganha volume após as legislações que traziam o crescimento da diversidade nos
campi e, consequentemente, a necessidade de uma reestruturação do currículo e das estruturas
das universidades para agregar as demandas dos grupos recém-inseridos e que não se sentiam
representados nos currículos dessas instituições.
Esse tipo de retórica se manteve constante na produção de autores da nova direita estadunidense,
tendo como marco simbólico a obra de 1951 de William F. Bucley Jr., God and Man at Yale, ao qual,
o jovem autor acusava professores da universidade de abraçarem ideias liberais (keynesianas) e
coletivistas. Essa obra, nas décadas seguintes, motivou uma série de novas organizações e funda-
ções que se preocupam em propagar e financiar a produção de intelectuais conservadores. Como
mostraram Burris e Diamond (1991), fundações como a Olin Foundation financiaram as pesquisas
de Alan Bloom, Samuel Huntington, Michael Novak e David Horowitz. Esses financiamentos in-
tentavam ampliar o “patamar moral nas universidades”, o que fez com que, durante os anos 1970,
cerca de 70 publicações de estudantes conservadores/reacionários recebessem um orçamento
anual de aproximadamente um milhão de dólares. A partir dessa retórica, o artigo estabelece a sua
segunda categoria analítica, definida pela ideia de que as universidades excluíram autores e temas
conservadores/reacionários de seu debate.
Por fim, a terceira retórica, que deriva fortemente da segunda, compõe nossa terceira categoria
analítica, pois, ao partir da ideia de ausência de espaço para as ideias conservadoras nas universi-
dades, concluía que isso levava a uma perseguição a professores e alunos que não se enquadrarem
15 Como mostrou Gottfried (2007), representados pela disputa entre dois grupos: Neoconservadores como Kristol, Podho-
retz, Himmelfarb, etc., que possuíam suas origens em um grupo de intelectuais de Nova York e defendiam posições inter-
vencionistas na política externa e a assimilação de imigrantes e os Paleoconservadores, cuja figura de maior destaque foi o
político católico Pat Buchanan, que defendiam uma postura externa isolacionista e a rejeição a imigrações.
16 Neoliberais, Anarcocapitalistas e outras correntes ultraliberais.
17 Que ganhou força a partir do final da década de 1970 com movimentos liderados por televangelistas como a Moral Majority
(durante os anos 1980) e a Christian Coalition (nos anos 1990).
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Marco Aurélio Dias de Souza; Camila de Jesus Oliveira
nas mudanças progressistas inseridas na educação. Essa ideia que parece bastante recente, em
tempos de cancelamentos e combates virtuais, vem sendo construída ao longo das últimas décadas
pelas novas direitas estadunidenses, em obras como Bloom (1988), Himmelfarb (1995), D’Souza
(1991), Horowitz (2002; 2009), Shapiro (2020), Levin (2021), entre outros e produz como res-
posta uma quixotesca cruzada do indivíduo que se levanta contra essa “universidade corrompida”.
Essas três retóricas estabelecem o mito de que as universidades, especialmente as públicas do
país, haviam sido dominadas por professores fortemente influenciados por sentimentos antipa-
trióticos, gestados pelos ideais dos movimentos sociais dos anos 1960-1970, que influenciariam
jovens estudantes a agir como “turbas ensandecidas”18, atacando qualquer um que discordasse
das ideias progressistas dominantes. Levin (2021, p. 32) argumentou que a partir da “teoria do
movimento social”19 acadêmicos estabeleceram uma glamourização de movimentos revolucio-
nários e de massas que se constroem como “respostas justas e irreprocháveis a uma sociedade
opressora, desigual, injusta, racista e imoral”. Para o autor, essa pedagogia vem sendo replicada
por uma série de professores universitários que entendem a pesquisa em ciências humanas
como um ativismo político e que esses professores estimulam seus alunos a não tolerar pensa-
mentos divergentes.
Aqui se aponta como mito, pois, como mostrou Parenti (1995) a história das universidades es-
tadunidenses está marcada por trajetórias de subfinanciamento e perseguições a professores
progressistas, como os casos de Angela Davis durante os anos 1970 e 1980 na Universidade da
Califórnia, de Marlene Dixon (demitida da Universidade de Chicago), Bruce Franklin (demitido da
Universidade de Stanford) e de constantes casos de cortes de financiamentos como os ocorridos
com Wright Mills após a publicação de seu livro as Elites do Poder.
Como forma de melhor direcionar o recorte nessa discussão, o artigo se concentrará na atuação de
David Horowitz e em sua tentativa de aprovar o Academic Bill of Rights, no início dos anos 2000,
nos EUA. Para compreender a importância da seleção desse autor e projeto, é necessário con-
textualizar um pouco do debate produzido por alguns dos autores conservadores/reacionários
durante o período anterior à proposta. Para isso, o artigo parte de dois textos e tem a intenção de
ilustrar a produção do período sobre o tema: o primeiro é o artigo de Gertrude Himmelfarb (1995)
na revista Commentary Magazine, no qual a historiadora neoconservadora argumenta contra as
transformações da universidade, a partir de seu entendimento da pós-modernidade. Já o segundo,
se concentra no livro de Alan Bloom (1989), referência conservadora/reacionária das transforma-
ções das universidades e da sociedade estadunidense após os anos 1960.
O texto de Himmelfarb (1995) parte do caso envolvendo o professor Leonard Jeffries da College
City of New York, que passou por uma tentativa de remoção de seu cargo em 1992, após, segundo
a autora, ter defendido uma supremacia negra e ter responsabilizado judeus pelo tráfico de es-
cravizados em sua aula. Usando o exemplo, Himmelfarb (1995) discute a liberdade de expressão
de professores e os motivos das entidades que se engajaram na defesa do professor. A autora
questiona o limite da liberdade de expressão na sala de aula, e argumenta que, na maioria das
universidades do país, professores se acostumaram a expressar suas opiniões livremente, mesmo
quando essas opiniões vão além de sua competência profissional. Para ela, mais do que expressar
18 Como argumenta Levin (2021).
19 O comentador trumpista define teoria do movimento social como uma mistura entre a influência de movimentos de viés
marxistas e anarquistas e suas características coletivistas, associada aos movimentos raciais e de gênero que implicariam
na valorização por parte do pensamento universitário do processo revolucionário e do “ódio à América”.
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“Marxistas, maníacos e lunáticos”
suas opiniões, “eles se sentem livres para promover causas, interesses e organizar atividades de
todo tipo” (Himmelfarb, 1995, p. 2).
O argumento defendido pela autora é que as transformações ocorridas nas universidades levaram
a um desvio do que é discutido em sala de aula. Como exemplo, Himmelfarb (1995) argumenta
que em uma aula sobre Shakespeare pode-se apresentar um Hamlet, o qual, o professor, a partir de
sua própria visão sobre homossexualidade e “direitos gays”, distorcerá o texto para que ele pareça
um debate sobre o tema. Isso ocorre pois o espírito da pós-modernidade “é um radical ceticismo
e relativismo que rejeita a ideia de verdade, o conhecimento, a razão, ou a objetividade” (Him-
melfarb, 1995, p. 3). Essa rejeição viria da problematização presente nas humanidades que teria
passado a entender todas as discussões a partir de desejo e poder, o que faria com que mesmo a
ideia de verdade fosse politizada.
O texto de Himmelfarb (1995) traz um ponto central para a compreensão das retóricas destaca-
das neste artigo, especialmente no que se refere à questão da negação da diversidade e do outro.
O entendimento de “verdade” defendido pela autora constantemente se direciona a uma ciência
e cultura produzida por grupos específicos da sociedade estadunidense ou vinculados à Tradição
Ocidental. Ao realizar essa defesa, a autora estabelece que essa tradição é apolítica, interpretando-
-a como um legado de toda a humanidade, o que faz com que a inserção de outras leituras sobre a
história ou outros temas advindos de grupos não brancos nas universidades sejam imediatamente
categorizados como atos políticos ou doutrinários. Himmelfarb adota uma estratégia comumente
utilizada por autores conservadores/reacionários, destacando um caso controverso para, a partir
dele, estabelecer uma generalização que representa todo um movimento, conjunto de professores
ou conteúdos presentes em todas as universidades. Essa generalização tem como papel principal
estimular as redes de militância e estabelecer uma vigilância sobre o que os demais professores
poderiam estar defendendo.
O segundo texto, publicado por Bloom (1989), parte de uma chave semelhante. Ao observar as
transformações da universidade e da sociedade estadunidense, o autor entende que os estudantes
universitários passaram a perder a relação com as características que fizeram o país excepcional.
Os estudantes não conseguem mais se conectar com o passado, não conseguem projetar o futuro,
e isso ocorre porque eles não possuem nada que os prenda. Afinal, não precisam se preocupar em
cuidar dos pais idosos, projetar constituir uma família ou estar casados (já que sabem que os ca-
samentos estão estatisticamente fadados ao fracasso). Para ele, mesmo quando esses jovens cons-
troem suas relações, elas são instantâneas e não produzem um estreitamento de laços, visto que, a
facilidade trazida pela liberação sexual, construiu relações que são momentâneas e sem vínculos.
Esses jovens teriam dificuldades para lidar com os seus próprios preconceitos, uma vez que se tor-
naram inseguros pelo medo de serem acusados de racistas e, passaram a guardar para si os descon-
fortos que sentem quando se defrontam com a diferença. Bloom (1989, p. 115) questiona que em
muitos momentos, jovens brancos na universidade tem dificuldades para se relacionar com os estu-
dantes não brancos, pois, embora não possuam preconceitos relacionados à raça, são constantemen-
te forçados a conviver com o tema do racismo, ou seja, “não se esqueceu a ideia de raça na univer-
sidade, conforme se predizia e confiantemente se esperava, quando as barreiras foram demolidas”.
Ao refletir sobre o que ele identifica como crise da universidade, Bloom (1987) traça uma pintura
embasada nas três retóricas apontadas nesse artigo, seja pela negação do outro nas universidades,
entendendo a existência de uma politização da diversidade como responsável pela queda na qua-
lidade da educação, seja pela defesa dos cânones e de conteúdos ditos não politizados, seja pela
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Marco Aurélio Dias de Souza; Camila de Jesus Oliveira
justificativa de um desconforto dos estudantes brancos com a pressão para não serem preconcei-
tuosos. Esse tipo de leitura passa a ser reproduzida de maneira bastante consistente por outros
autores das novas direitas, estimulando movimentos e proposições sempre pautadas em ideais
como liberdade, qualidade, neutralidade e, principalmente, a ideia das transformações enxerga-
das como estratégias políticas de doutrinação.
Embora o artigo tenha destacado duas produções específicas, os outros textos citados no decorrer
do artigo seguem caminhos e estratégias semelhantes, destacando a ideia de crise da educação
pela inserção de conteúdos vistos por eles como doutrinários e se utilizando de exemplos de fácil
reconhecimento para apontar determinados professores como antipatrióticos e doutrinadores.
Nesse sentido, a intenção até aqui foi mais pontuar um quadro geral, mostrando como essas ideias
vêm sendo reforçadas ao longo das últimas décadas para que se possa entender na sequência
como esse movimento se consolida em estratégias de controle da atividade docente.
Tentativas de controle da educação superior estadunidense: O Academic Bill of Rights
Para ilustrar as propostas de controle da educação por conservadores/reacionários nos EUA, o
artigo utiliza como referência o Academic Bill of Rights, proposto por David Horowitz (2002) e a
estrutura de mobilização política criada pelo comentarista conservador em prol da aprovação do
projeto, principalmente com a criação do Students for Academic Freedom. A organização, liderada
por Horowitz, atualmente tem 32 sedes em diversas universidades dos EUA20 e teve um papel cen-
tral na primeira década do século XXI em cerca de 20 tentativas de aprovar legislações estaduais
que se pautavam em restrições à liberdade de cátedra e demandavam que os conteúdos debatidos
nas universidades fossem divididos de maneira semelhante entre conservadores e liberais (Gross
e Simmons, 2006). Segundo o site da organização (Students for Academic Freedom, 2003, tradução
nossa), sua missão seria:
1-Promover a diversidade intelectual nos campi, 2- defender o direito de estudantes de
ser tratados com respeito pela faculdade e administradores resguardando suas crenças
políticas e religiosas, 3- promover justiça, civilidade e inclusão nos assuntos estudantis, 4
Assegurar a aprovação do “Academic Bill of Rights como política oficial das universidades.
(Tradução Nossa)21
O neoconservador David Horowitz é mais uma dessas figuras controversas da história das no-
vas direitas estadunidenses, que após anos de militância em movimentos de esquerda se “trans-
formou” em um feroz opositor. Descendente de uma família de origem soviética, o comentarista
cresceu em uma casa defensora das ideias comunistas e durante os anos 1960 foi um participante
ativo dos movimentos ligados à nova esquerda, tendo bastante proximidade, no início dos anos
1970, com lideranças do Partido Panteras Negras. Segundo Horowitz, sua ruptura com a esquerda
ocorreu após uma contadora, indicada por ele para o partido, chamada Betty Van Patt, ter sido
espancada até a morte em um crime não solucionado. Após esse episódio, ele passou a acusar o
20 STUDENTS FOR ACADEMIC FREEDOM, 2003. Disponível em: https://web.archive.org/web/20030808194212/http://
www.studentsforacademicfreedom.org/. Acesso em: 20 nov. 2023.
21 “1. To promote intellectual diversity on campus; 2. To defend the right of students to be treated with respect by faculty and
administrators, regardless of their political or religious beliefs; 3. To promote fairness, civility and inclusion in student affairs;
4. To secure the adoption of the “Academic Bill of Rights” as official university policy.”
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“Marxistas, maníacos e lunáticos”
movimento de ser responsável pelo crime e a identificar os movimentos ligados ao espectro polí-
tico da esquerda como uma ameaça à democracia e ao modo de vida estadunidense.
Após essa ruptura, Horowitz galgou uma carreira como comentador e ativista e alcançou influên-
cia no Partido Republicano e nos círculos da nova direita estadunidense. Essa carreira foi conso-
lidada pelo destaque de seus textos durante os anos 1990 na revista National Review e por uma
produção bibliográfica bastante polêmica com enfoque na defesa da Tradição Ocidental que en-
globava apoio ao Estado de Israel, críticas a grupos minoritários e islâmicos, além de constantes
acusações contra uma suposta doutrinação nas escolas e universidades do país, uma vez que a
porcentagem de professores universitários que se identificavam como democratas seria superior
à de republicanos.
Atualmente, Horowitz é fundador do aparelho privado de hegemonia David Horowitz Freedom
Center (DHFC), um aglutinador de suas iniciativas como a Frontpage Magazine (jornal ligado a
nova direita estadunidense), o Jihad Watch (que tem a intenção de noticiar a perseguição de não
muçulmanos por Jihadistas em países como China, Índia e no Oriente Médio, a partir do argu-
mento de que não se tem cobertura sobre esses acontecimentos na imprensa desses países22), o
Discorver the Networks (que se propõe mapear e comentar a agenda da esquerda nos EUA) e o
Freedom Center on Campus (que possui a intenção de condensar a produção de Horowitz e de ou-
tros comentadores da nova direita estadunidense sobre educação, com enfoque no ensino básico
(K-12) e na defesa de Israel nas universidades). Nesse sentido, de acordo com a definição presente
em seu site (tradução nossa): “O DHFC é dedicado à defesa das sociedades livres, cuja fundação
moral, cultural e econômica está sob ataque de inimigos seculares e religiosos, internamente e
externamente”23.
A intenção ao destacar o Academic Bill of Rights se atrela à preocupação em relacionar as retóricas
debatidas na passagem anterior deste artigo com mobilizações e tentativas de promulgar legisla-
ções e alterar o funcionamento das universidades a partir de uma lógica de liberdade de cátedra
ligada aos interesses de movimentos conservadores/reacionários. Segundo Horowitz (2009), o
documento foi elaborado no ano de 2002 e encaminhado primeiramente para a direção da Uni-
versidade do Estado de Nova York, com o intuito de promover a diversidade intelectual nos campi
universitários, e se constituiria a partir de dois direitos básicos, um voltado para os professores e
outro para os estudantes. Para o autor, a proposta seria uma tentativa de esclarecer e proteger a
atuação dos professores, uma vez que não existiam definições claras sobre essa atuação, ao mes-
mo tempo em que, “enumeraria os direitos dos estudantes de não ser doutrinados ou atacados
por propagandas políticas na sala de aulas ou em qualquer outro espaço educacional” (Horowitz,
2004, tradução nossa).
Cabe também debruçar-se um pouco sobre o conteúdo presente na proposta. Horowitz (2002, p.
1, tradução nossa) inicia seu documento definindo o papel das universidades nos EUA, argumen-
tando algumas características como:
22 “Why Jihad Watch? Because non-Muslims in the West, as well as in India, China, Russia, and the world over, are facing a con-
certed effort by Islamic jihadists, the motives and goals of whom are largely ignored by the Western media, to destroy their
societies and impose Islamic law upon them — and to commit violence to that end even while their overall goal remains out of
reach. That effort goes under the general rubric of jihad.” JIHAD WATCH, 2024. Why Jihad Watch? Disponível em: https://
www.jihadwatch.org/why-jihad-watch. Acesso em: 20 nov. 2023.
23 “The DHFC is dedicated to the defense of free societies whose moral, cultural and economic foundations are under attack by
enemies both secular and religious, at home and abroad.” DAVID HOROWITZ FREEDOM CENTER, 2024. About David Ho-
rowitz Freedom Center. Disponível em: https://www.horowitzfreedomcenter.org/about/. Acesso em: 20 nov. 2023.
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Marco Aurélio Dias de Souza; Camila de Jesus Oliveira
A busca pela verdade; a descoberta de conhecimentos através da pesquisa; o estudo fun-
damentado no criticismo intelectual e nas tradições culturais; o desenvolvimento dos estu-
dantes para que eles se tornem cidadãos criativos e produtivos de uma democracia plura-
lista e a transmissão de conhecimento e aprendizado para uma sociedade em geral.
Para amarrar esse papel e relacioná-lo à sua proposta, o intelectual conservador argumenta a
partir da liberdade de cátedra e da liberdade de aprender na história dos EUA. Para isso, ele par-
te de alguns documentos advindos da General Report of the Committee on Academic Freedom e
da Tenure of the American Association of University Professors, publicados a partir de 1915 e que
tentavam estabelecer deveres e direitos educacionais nos EUA. É determinante apontar que os
documentos utilizados pelo autor criam parâmetros para a atuação docente nos EUA e estão vin-
culados a contextos históricos bastante complexos, como o debate em torno da liberdade religiosa,
a preocupação com a forma de educar no decorrer das duas grandes Guerras Mundiais e da Guerra
Fria. Então, retomá-los sem a devida contextualização para delimitar o debate sobre liberdade de
cátedra no século XXI constrói alguns anacronismos, que no texto de Horowitz são dispostos para
estabelecer o conteúdo dessas decisões sem levar em conta o debate público presente neles.
A preocupação sobre o posicionamento político de professores universitários sequer figurava
como uma das preocupações centrais para os estudantes. Como destacou Gross (2006), a preo-
cupação com o posicionamento político de professores no interior da sala de aula aparecia nas
respostas de cerca de 8,2% dos entrevistados, enquanto, outros temas como os altos preços da
educação apareciam como problema mais marcante com 42,8%. Dentro dessa mesma pesquisa,
cerca de 12,5% descreviam alguns professores como radicais e 8,9% utilizavam o termo perigoso.
O fato é que, ao construir seu texto a partir desses debates, o autor entrelaça a ideia de liberdade de
cátedra a um entendimento da liberdade de aprender inserida no documento de 1915, que se pauta
na imaturidade dos estudantes, indicando que o professor poderia se aproveitar desses alunos ao
impor suas próprias ideologias ou ao negar que esse aluno tenha acesso a uma pluralidade de pontos
de vista. Aqui se insere uma armadilha presente na narrativa conservadora/reacionária sobre a neu-
tralidade educacional, visto que, ao negar ao estudante seu caráter político, entendendo-o como uma
“esponja acrítica” ignora-se que esse estudante, nos tempos atuais, é constantemente bombardeado
por uma série de conteúdos, muitos deles construídos à margem do saber científico e que, fora do
ambiente acadêmico, não passam por contraposições e necessidades de comprovações.
Nesse sentido, ao elaborar sua proposta, Horowitz (2004) delimita a atuação do docente apenas
aos temas específicos de sua formação, restringindo com isso suas atuações. Essa argumentação
com roupagem de uma defesa da qualidade acadêmica e da formação do professor negaria a pos-
sibilidade de discussões transdisciplinares, ao mesmo tempo em que impediria o professor uni-
versitário de se posicionar como um intelectual público. Dentro dessa lógica, como exemplo, um
professor de literatura inglesa do século XIX somente poderia apresentar, em sua sala de aula, te-
mas específicos de sua contratação, não podendo construir relações com a história do século XIX,
ou debater temas como o papel das mulheres no período. A estratégia dessa proposta se concentra
em restringir o debate acadêmico ao currículo formal, uma vez que, só poderia ser debatido no in-
terior das universidades temas já presente nas estruturas curriculares dos cursos, o que impediria
a inserção de novas temáticas e abordagens.
Curiosamente, ao mesmo tempo em que estabelece essa proposta de congelamento dos conteúdos
ao que já estaria presente nas universidades, Horowitz também questiona os currículos formais
dessas instituições, argumentando agora a partir de uma defesa da pluralidade de conteúdo. Aqui
11
“Marxistas, maníacos e lunáticos”
novamente percebe-se um retorno à retórica produzida por movimentos de viés conservadores/
reacionários, aos quais se reforça que as universidades retiraram os argumentos voltados à tra-
dição e à religiosidade de suas estruturas curriculares, negando com isso um debate pautado na
pluralidade. Assim, cria-se uma retórica pendular que em alguns momentos tenta restringir a in-
serção de temáticas e em outro busca inseri-las.
Dentro dessa lógica, o ativista neoconservador diz que a proposta em momento algum defenderia
a demissão de professores, apenas pretendia garantir que os calouros das universidades rece-
bessem bibliografias de autores conservadores, inclusive, textos que apontariam a existência de
um domínio liberal nas universidades. Retomando as retóricas tratadas na primeira parte deste
artigo, Horowitz (2004; 2006) indica que essa proposição seria uma forma de evitar também que
em estados com preponderância de professores republicanos existisse um domínio das ideias do
partido. Dessa forma, Horowitz (2009) defende que o documento possuía um caráter apartidário
e que, em um primeiro momento, ele havia sido bem aceito pela comunidade acadêmica e por
ambos os principais partidos do país. Contudo, a proposta teria passado por uma campanha de
difamação fomentada por setores radicalizados da esquerda que mobilizaram professores e estu-
dantes liberais em prol da rejeição do projeto.
A questão é que organizações com enfoque na liberdade de cátedra como a American Association
of University Professors (2003, tradução nossa) se colocaram contrárias ao projeto, entendendo
que ele partia de “um método impróprio e perigoso de implementação”24. De acordo com a mesma
associação, a proposta consistia em “proteger um princípio que já funcionava bem”25, amarrando
em seu texto uma série de indefinições que abriam brechas para a perseguição de professores
ou interferiam nas escolhas feitas pelos professores para suas aulas. Embora Horowitz falasse
em pluralidade, o projeto pretendia forçar a inclusão de textos de viés conservador/reacionário,
ao mesmo tempo que inseria no corpo do texto uma compulsoriedade dos professores adotarem
esses temas.
Com a mobilização contrária ao projeto, as universidades recusaram a sua implementação após
deliberações de seus conselhos universitários. Entretanto, Horowitz procurou outros caminhos
para garantir que elas adotassem sua proposta. Isso fez com que, em 2004, ele buscasse apoio
político no Senado dos EUA, tendo seu projeto encampado por alguns senadores do partido repu-
blicano, como o então presidente do Senado John K. Andrews Jr. Diante da inviabilidade de uma
aprovação em nível federal, a estratégia adotada pelo ativista neoconservador foi buscar as assem-
bleias estaduais de maioria republicana, como exemplo o estado do Colorado. Com um legislativo
de maioria republicana, o texto foi rapidamente aprovado no comitê educacional da casa dos re-
presentantes do Colorado, em uma votação bastante apertada (6 votos a 5). De acordo com o autor,
após as eleições de meio termo, a composição da casa se alterou com os republicanos perdendo a
maioria, o que fez com que o projeto fosse rejeitado.
24 “Although Committee A endorses this principle, which we shall call the ‘principle of neutrality’, it believes that the Academ-
ic Bill of Rights is an improper and dangerous method for its implementation”. ASSOCIATION OF UNIVERSITY PROFESSORS,
2003. Academic Bill of Rights: The statement that follows was approved for publication by the Association’s Committee A
on Academic Freedom and Tenure in 2003. Disponível em: https://www.aaup.org/report/academic-bill-rights. Acesso em:
20 nov. 2023.
25 “There are already mechanisms in place that protect this principle, and they work well. Not only is the Academic Bill of
Rights redundant, but, ironically, it also infringes academic freedom in the very act of purporting to protect it”. ASSOCIA-
TION OF UNIVERSITY PROFESSORS, 2003. Academic Bill of Rights: The statement that follows was approved for publica-
tion by the Association’s Committee A on Academic Freedom and Tenure in 2003. Disponível em: https://www.aaup.org/
report/academic-bill-rights. Acesso em: 20 nov. 2023.
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Marco Aurélio Dias de Souza; Camila de Jesus Oliveira
A rejeição à aprovação apenas ampliou a notoriedade de Horowitz entre setores das novas direitas,
possibilitando que essa estratégia se replicasse em outros estados. Ao mesmo tempo, a Students
for Academic Freedom foi ampliando sua atuação em diversos campi universitários, produzindo
uma constante mobilização que procurava divulgar supostos casos de doutrinação ocorridos.
Considerações finais
Ao estabelecer a metodologia de Hirschman como norte para realizar a análise sobre o Academic
Bill of Rights, o artigo propôs trazer ferramentas teóricas e conceituais para compreender outras
retóricas conservadoras/reacionárias, inseridas no contexto da atuação da nova direita estadu-
nidense, em temáticas relacionadas à educação. Por esse motivo, embora siga a estratégia teó-
rico-metodológica estabelecida pelo autor, esse artigo abandonou as teses da perversidade, da
futilidade e da ameaça, para pensar outras que melhor disporiam as estratégias conservadoras/
reacionárias no debate sobre a atuação de professores e das universidades.
Ao centrar na negação do outro, na crítica à ausência de pluralidade das universidades por não
incluir as ideias conservadoras/reacionárias e na ideia de perseguição a conservadores/reacio-
nários no ambiente acadêmico, consegue-se entender uma estratégia política que seleciona con-
teúdos, em alguns momentos exigindo a inserção e em outros recusando e coibindo. Ao mesmo
tempo, ataca ao longo dos anos novas metodologias e teorias, seja a pós-modernidade, a teoria
racial crítica, a teoria queer, ou qualquer outra que compreenda os conflitos sociais para além de
uma ótica da responsabilização pessoal.
Nesse sentido, entender como essas retóricas vão sendo reproduzidas ao longo do tempo torna
possível perceber que as recentes propostas de Trump não foram construídas vinculadas estri-
tamente ao presente. São reflexos de processos e disputas que criaram uma gramática própria
produzida por intelectuais, ativistas e lideranças políticas ao longo das últimas décadas. Com isso,
a atuação de Horowitz se tornou central, visto que o autor se destaca pela sua interseção entre a
produção intelectual conservadora/reacionária, a mobilização política (ao liderar organizações
como a Students for Academic Freedom) e a influência das novas direitas estadunidenses em seto-
res dominantes do Partido Republicano. Isso faz com que, embora a proposta de Horowitz tenha
sido apresentada no início dos anos 2000, sua relevância ainda hoje permaneça presente, pois
ela foi articulada a partir do debate teórico sobre doutrinação construído pela nova direita esta-
dunidense ao longo das últimas décadas. Com isso, condensa uma série de tentativas de controle
da educação e das universidades por movimentos, políticos e atores relacionados à nova direita
estadunidense.
Ao mesmo tempo, desvelar essas retóricas permite pensar as transposições/traduções da ideia de
professor doutrinador, realizadas pelas novas direitas brasileiras durante os últimos anos, mos-
trando a interligação desses movimentos ao redor do mundo. Assim, embora a atuação das novas
direitas brasileiras tenha se consolidado com as propostas neoliberais de educação (marcadas
pela reforma do ensino médio e a aprovação da Base Nacional Comum Curricular - BNCC), é im-
portante entender como no Brasil vem se articulando uma lógica que procura atacar a liberdade
de cátedra. Essa lógica é estruturada de maneira bastante similar as desenvolvidas nos EUA e se
estabelecem em projetos como o Escola Sem Partido e na recente Frente Parlamentar em Defesa
da Educação sem Doutrinação Ideológica, o que torna a discussão presente nesse artigo ainda
mais urgente.
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“Marxistas, maníacos e lunáticos”
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14
Marco Aurélio Dias de Souza; Camila de Jesus Oliveira
“Marxists, maniacs and lunatics”: the
rhetoric of the new right about the
domination of the left in the United States
universities
Abstract
The new American rights argue that contempo-
rary education is in crisis due to leftist domina-
tion. From the perspective of Albert Hirschman,
the article identifies three reactionary theses
mobilized against contemporary education: the
denial of other people’s existence, the lack of plu-
ralism, and persecution. Then, this article analyzes
the production of David Horowitz, one of the prin-
cipal intellectuals of the new American rights, to
illustrate these theses. Observations indicate that
reactionary theses about education are paramou-
nt to understanding the new right’s role in this
field. These theses mobilized intend to legitimize
the attack on public education and diversity and to
promote conservative education.
Keywords: new right; education; reactionary the-
ses; David Horowitz.
“Marxistas, maníacos y lunáticos”:
la retórica de la nueva derecha sobre
el dominio de la izquierda en las
universidades de los Estados Unidos de
América
Résumen
Las nuevas derechas estadounidenses sostienen
que la educación contemporánea está en crisis de-
bido a la dominación izquierdista. Desde la pers-
pectiva de Albert Hirschman, el artículo identifica
tres tesis reaccionarias que se movilizan contra
la educación contemporánea, a saber: la negaci-
ón del otro; la falta de pluralismo; y persecución.
Este artículo, entonces, analiza la producción de
David Horowitz, uno de los principales intelectu-
ales de las nuevas derechas estadounidenses, para
ilustrar estas tesis. Las observaciones indican que
las tesis reaccionarias sobre la educación son im-
portantes para comprender el papel de las nuevas
derechas en el campo educativo. Estas tesis se
movilizan para legitimar el ataque a la educación
pública y a la diversidad, y para promover la edu-
cación conservadora.
Palabras-Claves: nueva derecha; educación; tesis
reaccionarias; David Horowitz.
HISTÓRICO
Recebido: Dezembro/23
Parecer: Janeiro/24
Parecer: Janeiro/24
Aceito: Março/24
Revisado Autor: Março/24
Revisão Gramatical/Ortográfica e ABNT: Abril/24
Revisado Autor: Abril/24
Publicado: Maio/24
Equipe Editorial Revista TOMO envolvida no processo editorial deste artigo
Marina de Souza Sartore (Editora-Chefe)