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A guerra dos “imbroxáveis” contra a boneca de plástico: a
vertente mais reacionária do bolsonarismo?
Ariel Finguerut1
Fernando de Oliveira Vieira2
Resumo
A proposta do artigo é apresentar um estudo de caso feito com youtubers e outros influencers virtuais do campo da “machosfera”, transitando entre alguns pastores que defendem a volta à concepção de homem provedor, chefe de família, dos conquistadores – predadores e dos que desprezam as mulheres –, tendo como recorte o período de 2018 a 2023. Além disso, discute-se também a relação dos grupos masculinistas com as vertentes contemporâneas da “nova direita” e suas implicações com a conjuntura atual no Brasil a partir da ascensão de agrupamentos de extrema direita e sua relação com a violência política e ataques a grupos específicos no Brasil, tais como mulheres, pessoas LGBTI+. Por fim, aponta-se para a hipótese dos grupos masculinistas brasileiros serem componentes dessa vertente política. Palavras-chave: Machosfera; reacionarismo; violência; ressentimento
IntroduçãoA proposta deste artigo é apresentar um estudo de caso feito com youtubers e outros influencers virtuais do campo da “machosfera”, transitando entre alguns pastores que defendem a volta do ho-mem provedor, chefe de família, pai de vários filhos e marido de uma esposa a quem, por sua vez, cabe o papel de cuidar dos filhos, do próprio marido e da casa. As outras duas tipologias são nati-vas, a dos conquistadores, que objetificam o sexo feminino, e a dos que desprezam as mulheres3.
1 Doutor em Ciência Política (UNICAMP); Mestre em Sociologia (Unesp – Ararquara). Pesquisador do Labô/IBI – Diálogos da diáspora. Antissemitismo e Racismo da PUC-SP, Brasil. Email: arielfing@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0003-4243-2613 CredIt: Conceitualização, Metodologia e Escrita do Rascunho Original2 Mestre em Ciências Sociais - Universidade Federal de São Paulo .Sociólogo- Prefeitura de Guarulhos/ Secretaria de Direitos Humanos; Observatório de Direitos Humanos. E-Mail: csfernandovieira@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-3743-1413 CredIt: Conceitualização, Metodologia e Escrita do Rascunho Original3 Incels, M.G.T.O.Ws (Men Going Own Way - Homens seguindo o seu próprio caminho) e os grupos de ativistas pelos direitos do homem. Esses agrupamentos masculinistas são abordados neste artigo na seção “Da crise existencial à guerra: das origens dos grupos masculinistas à guerra contra as mulheres através do filme Barbie.”
Revista TOMO
São Cristóvão, v. 43, e19870, 2024
Data de Publicação: Maio/2024
Dossiê
Dossiê
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Ariel Finguerut; Fernando de Oliveira Vieira
Discutiremos os argumentos e posturas defendidas por alguns youtubers e influencers digitais que se propõem a supostamente ensinar aos homens desiludidos, cansados de se sentirem derrota-dos, a serem “modernos” e supostamente lidar com as mulheres, voltando a ter as vantagens e a confiança que um dia já tiveram. Para isso, recorrem aos apelos de um destes três grupos aqui em foco: 1) os que ensinam a conquistar as mulheres que avaliam como dignas de valor e de serem conquistadas, moldando-se como um homem viril com energia masculina e não afeminado, ou do homem temente a Deus, provedor, protetor da esposa e filhos4; 2) os que pregam a militância mas-culina, pelos direitos dos homens, ensinando-os a lutar por seus direitos5; 3) aceitando e se con-formando com aqueles que pregam pelo rompimento e total afastamento das mulheres6, já que quase todas estariam intoxicadas pelo feminismo e não abririam mão de leis que supostamente as privilegiam, além de alegarem que as mulheres acusam falsamente os homens.Para chegar nesta discussão, propomos uma introdução mais ampla sobre a crise contemporânea no debate identitário enfatizando como este tema é apropriado pela Nova Direita e ganha uma dimensão de crise da masculinidade, o que por sua vez serve como instrumento de mobilização de homens descontentes, irritados, frustrados com sua perda de status, com a falta de mobilidade num mundo no qual enxergam mulheres ocupando cargos de chefia e propondo leis “anti” homens, além da eterna ameaça inconsciente do universo LGBTQI+. E para fins de tratamento e análise de dados empíricos, usaremos o filme Barbie (2023) para apresentar de forma didática a visão, as ideias e as perspectivas teóricas dos grupos masculinistas que se organizam online e se mostram uma das vertentes do bolsonarismo, um movimento político de mobilização e organização iden-titária que vai além da disputa eleitoral/presidencial no Brasil da segunda década do século XXI.A crise contemporânea que afeta os homens e os leva à órbita da “manosfera7”, ou da “machosfera” ocorre num contexto marcado por forte teor reacionário. Estes homens feridos passam a enxer-gar que suas feridas são as marcas de um inimigo maior que as mulheres ou que as desilusões no mundo do trabalho contemporâneo, são frutos da modernidade e, portanto, está ali a raiz dos problemas. O pensamento reacionário surge como uma espécie de tentativa de resgate de algo perdido pela modernidade ou, no limite, como uma posição que marca a tentativa de defender algo que a mo-
4 Entrevista do pastor Lipão ao pastor Douglas Gonçalves no canal jesusCopy, onde define o que entende por verdadeira masculinidade (Lipão, 2019). JESUSCOPY. A Verdadeira Masculinidade - Pastor Lipão & Douglas Gonçalves. 15 ago. 2019. Publicado pelo canal JesusCopy. 1 vídeo (9min28seg). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zkn5kj2S6-M. Acesso em: 24 set. 2023.
5 Aldir Gracindo apresenta-se como defensor dos direitos dos homens e meninos. Diz que as mulheres são privilegiadas por leis como a que tipifica o feminicídio (Lei nº 13.104/2015) ou por não terem de servir às Forças Armadas. Acusa-as de fazerem falsas acusações contra os homens, afirma que os meninos não recebem atenção como as meninas quando sofrem violência e desqualifica estatísticas sobre violência contra a mulher. SPOTNIKS. “Mulheres são privilegiadas. Mude a minha opinião.” 19 fev. 2020. 1 vídeo (28min32seg). Publicado pelo canal Sputnik. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=IUiNYjXsq0s. Acesso em: 24 set. 2023. 6 O ex-influenciador digital Don Sandro defende que as mulheres foram intoxicadas pelo feminismo e não reconhecem seus privilégios. Para ele, o sistema judicial com juízes feministas beneficiaria as mulheres no divórcio. Os homens mais novos
perdem as referências masculinas, criados por mães solteiras, e os mais velhos não sabem que podem ser vítimas de golpe e perder tudo para mulheres oportunistas (Don Sandro Backup, 2023). DON SANDRO BACKUP. A Imagem Distorcida dos Estabilizados: 25 maio de 2023. 1 vídeo (19 min 43 segs.). Publicado pelo Don Sandro Backup. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AQl98ObC6E8. Acesso em: 24 set. 2023. SANDRO, Dom. Nós lutamos e conseguimos tudo sozinhas? será mesmo???? 18, jan. 2022, Facebook. Dom Sandro. Disponível em: https://fb.watch/kXibXfHVSN/. Acesso em: 24 set. 2023. Don Sandro não faz mais publicações na rede, mas elas continuam devido ao esforço de seus seguidores, que têm feito reportagens.7 O conceito manosfera é um termo nativo da militância digital destes homens aqui em discussão.
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dernidade ameaça. Se partirmos da metáfora de uma Nação, é como se projetassem uma pátria homogênea e culturalmente bem enraizada, e os reacionários querem – como reação – manter esta nação supostamente pura, livre das “invasões bárbaras” que, por sua vez, poderão destruir totalmente sua identidade, seja ela de homem heterossexual, de homem branco, de ocidental ou de cristão. Há, sem dúvida, uma sobreposição entre a preocupação afirmativa de um gênero mas-culino, masculinista – em oposição às feministas –, com uma questão racial –, o medo do desapare-cimento ou declínio da raça branca. E, para além da identidade individual, busca-se também situar as famílias no centro das ameaças vindas dos discursos pós-modernos ou das religiões suposta-mente antiocidentais como o Islã. Diante deste quadro, os reacionários crescem no ambiente virtual com teorias conspiratórias, complôs e forte senso de paranoia. Bombardeados por conspirações, as pessoas no interior des-sas bolhas masculinistas se sentem cada vez mais numa angústia identitária. O inimigo cada vez mais difuso torna-se todo e qualquer um que coloque em perigo a coesão nacional e sua própria posição/status social. Nesta conjuntura, não é incomum ouvir os apelos daqueles que falam de um “passado idealizado”, que enxergam ameaças à ordem social em tudo e por isso passam a entender que vivem numa sociedade corrupta, imoral, controlada por gays ou feministas, chegando a ponto de acreditar que estão enfrentando forças satânicas sustentadas pelas teses de alguns pastores que falam em termos de uma Guerra Santa. Por isso, termos correlatos como “soberanistas”, “iden-titários”, anti-globalistas, “Lobo Consciente” ou RedPill8 são comuns neste universo da machosfera.O perfil mais reacionário destes atores nos ajuda a entender o fenômeno que Pablo Stefanoni (2022) caracteriza como a rebeldia de direita. Esta rebeldia, como mostra o autor, é dos homens brancos “enojados”, dos incels9, dos “machos betas10” e daqueles que não estão satisfeitos com os rumos progressistas da sociedade moderna. Eles falam “contra as elites”, contra o establishment e contra o sistema. Nos termos do autor: “O próprio futuro está em crise, exceto quando é pensado
como uma distopia11” (Stefanoni, 2022 p. 15). O capitalismo por definição é instável, mas a situação contemporânea na qual há um crescente sentimento de perda para além da falta de mobilidade social somada à constatação de que a rique-za nunca esteve tão concentrada produzem a sensação entre os jovens de terem uma boa forma-ção e, apesar do empenho profissional, insatisfação, irrealização, não se sentem empoderados – no sentido de deter o poder. Há uma crítica feita por autores marxistas destacando que o capitalismo faz belas promessas, como de liberdade, igualdade, fraternidade ou mesmo democracia. Mas não entrega! Contudo, ao contrário da expectativa de alguns progressistas ou marxistas e apesar de ondas de protestos e mobilizações importantes, a rebeldia se manifesta de forma mais significati-va na direita. A ausência de mudanças significativas e a dificuldade de triunfo no capitalismo contemporâneo criam nos períodos eleitorais uma base para quem se aventura a se apresentar como antissistema, atacando os partidos como elitistas e os políticos como corruptos. É um eleitorado desiludido
8 Termo é nativo do universo online da manosfera. Refere-se à escolha por rompimento com uma realidade que consideram ilusória e o mergulho num outro universo que consideram a realidade. 9 Termo nativo para “celibatários involuntários”. São homens que não conseguem começar ou manter um relacionamento romântico com o sexo oposto. 10 Termo nativo para homens que se veem ou se sentem como “fracos”, que precisam da liderança e de outros homens, os “machos alfa”. 11 No original em espanhol: “El próprio futuro está en crisis, excepto cuando se lo piensa como distopía.”
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quando não com raiva da classe política. Não enxerga perspectiva de melhora, seja pela reforma ou pela revolução, o apelo a qualquer forma de ismo não desperta mais grande interesse. E o movimento progressista, pensando nas democracias liberais, diante deste quadro se vê num papel
de defesa do status quo, aqui entendido como a defesa da própria democracia, do multiculturalis-mo ou do Estado democrático de direito. E diante da ascensão da extrema-direita, os progressistas acusam a demagogia, a irresponsabilidade, mas não conseguem responder à revolta de uma par-cela considerável do eleitorado.Ser, portanto, um Red Pill12, como aparece entre muitos na machosfera, traduz o anseio de sobre-viver num universo político permeado por ideias, atores políticos e, sobretudo, uma ideologia,
um establishment progressista. Esta ideologia os afeta diretamente com as ideias de Politicamente
Correto e de Ideologia de Gênero. Em síntese, é apresentado como uma forma de sobrevivência num mundo progressista e no qual eles se veem como vítimas. Cria-se, como argumenta Stefanoni (2022), uma nova agenda ou base política para um movimento antiprogressista. No cerne desta agenda está uma retórica violenta cujo objeto de ataque estes sujeitos chamam de ideologia de gênero; há um resgate do argumento anticomunista e uma exaltação às armas, apresentadas como um chamado à defesa pessoal. Esta plataforma antiprogressista une figuras e atores políticos dis-persos, como alguns saudosistas do tempo quando os militares estavam no poder; saudosistas monarquistas, neorreacionários13 em geral, adeptos de neologismos como anarcocapitalista ou ecofascistas ou homonacionalistas14.Esta nova forma de se apresentar como antiprogressista e com forte teor reacionário tem outro elemento de novidade: ao contrário do comportamento histórico das últimas décadas, quando a oposição à esquerda era a direita, um grupo mais ou menos compacto formado por alguns que prefeririam ser chamados de conservadores, ou os que tendiam a ser mais envergonhados e vota-vam mais por medo do que por convicção, a ideia agora denota um sentimento de orgulho, seja de ser homem, ou de ser branco, ou nacionalista/patriota. Da mesma forma que são afirmativos no que acreditam, são laudatórios com o que se opõem, são ou anti-igualitários, islamofóbicos, antissemitas, antifeministas, anticomunistas ou anti-LGBTQI+ e falam abertamente disso ou querem convencer e recrutar. É parte da estratégia falar de termos e de conceitos que foram ou mesmo que são do campo da esquerda. Falam de relações de gênero, de homossexualidade, de ecologia, da situação das mulheres no Islã, da opressão colonial de Israel, quando não usam um ou outro conceito da Semiótica, de Marx, de Foucault ou de Judith Butler. A própria ideia de ser libertário, como argumenta Stefanoni (2022), é uma boa síntese de uma teoria que já foi usada e muito discutida na esquerda, mas agora foi sequestrada e é abertamente utiliza-da por atores reacionários. Isso ocorre em boa medida pelo fato de eles se apresentarem como an-tipoliticamente correto (PC), entendendo o seu antagônico como a gramática política da esquerda. O PC “é quando facções ideológicas radicalizadas se apoderam do espírito público” (Bock-Côté, 2020, p. 132). Em tese, eles acreditam que uma minoria, cosmopolita, multiculturalista, secular,
12 Associam tomar a pílula vermelha a se libertar da “opressão contra os homens” causada pelos feminismos e assim restabe-lecer as hierarquias de gênero e restaurar a masculinidade considerada por eles ”tradicional”.13 Termo nativo empregado por aqueles que se interessam pela teoria e por autores reacionários e buscam usá-los para en-tender e pensar o contemporâneo. 14 Os termos, segundo Stefanoni (2022), referem-se, no caso de anarcocapitalismo, ao debate de Murray N. Rothbard (1926-1995) e propõem um capitalismo sem freios ou sem estado. Já os termos ecofascistas ou homonacionalistas fazem referên-cia a estratégias da extrema-direita de recrutar entre militantes ou simpatizantes das causas ambientais ou entre pessoas homossexuais, mas não simpáticas às bandeiras LGBTQI+.
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mas ao mesmo tempo pró-islâmica, quando não judaica ou pró-sionista, quer ditar, controlar o que as pessoas vão ler, ouvir no debate público ou irão vigiar e censurar o que as pessoas fazem na internet. Diante de tamanho Big Brother15, por mais contraditório que seja, se apresentam como libertários, defensores absolutos da liberdade de expressão, incluindo a defesa de uma internet livre e sem qualquer censura, seja dos governos ou das Big Techs. Se ignorarmos o porquê querem liberdade de expressão absoluta ou defendem uma internet livre sem qualquer forma de censura, realmente parece um discurso libertário, um movimento internacionalista, mas na prática querem uma liberdade que, nos termos clássicos do Paradoxo da tolerância de Karl Popper (2020), só ser-virá para acabar com a liberdade. Querem uma internet livre, sem censura, para poder confundir, difamar, mentir e propagar e organizar manifestações e ações de ódio.A luta do antipoliticamente correto se espalha por vários temas como islamofobia, antissemitis-mo, homofobia, transfobia, sinofobia, tudo o que pode ser motivo de piada ou não, capacitismo,
etarismo etc., mas um em particular se destaca no contexto latino-americano e brasileiro: o debate de gênero. No caso brasileiro, o bolsonarismo, no qual se insere a machosfera, pode ser definido como um movimento para além da figura de Jair M. Bolsonaro, mas como uma resposta reacionária à agenda de gênero. É um contra-ataque que se insere num contexto global no qual as mulheres ganham mais espaço tanto na arena econômica como política. É um contexto em que se passou a falar mais de relações de gênero e temas sociais em conferências internacionais como Organizações Políticas Internacionais. Como aponta Flávia Biroli (2022), a era das confe-rências sociais promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) levou muitas feministas a usarem o termo gênero como forma de questionar as hierarquias sociais entre homens e mu-lheres. Antes do termo chegar e ser parte do jargão dos reacionários, foram os conservadores mais religiosos que primeiro reagiram, nomeando este movimento de “discutir gênero” como uma ideologia, um pensamento nem sempre evidente, mas claramente voltado para determi-nados interesses. Segundo Miskolci (2017), o termo nasce dentro da Igreja Católica em textos do então cardeal Joseph Aloisius Ratzinger, depois tornado Papa. Estes textos datam de 1997 e ganham mobilização entre católicos conservadores, principalmente na Europa Ibérica e na América Latina.A reação que começou no seio da Igreja Católica ganhou vida própria e cresceu entre autores con-servadores e militantes políticos de direita. A ideia passou a ser de falar em ideologia de gênero como uma espécie de conceito guarda-chuva que permitiria também se posicionar contra os direi-tos reprodutivos das mulheres – principalmente contra o aborto e o uso e distribuição de contra-ceptivos masculinos e femininos – pela existência de uma hierarquia entre os gêneros e também como uma forma de unir diferentes atores descontentes com o feminismo e sua suposta influência na vida contemporânea. Essa concepção passou a falar em ideologia de gênero como uma forma de distinguir povo e elite, associando ao povo as teses conservadoras e às elites as teses tidas pe-jorativamente como ideológicas.Alonso (2023) e Biroli (2022) mostram que a plataforma guarda-chuva “ideologia de gênero” ga-nhou novo impulso no biênio 2013/2014 com o lançamento no Brasil do Plano Nacional de Edu-cação. A partir desse momento histórico, a causa da luta contra a ideologia de gênero expande a questão da ideologia de esquerda para temas mais identitários, como a presença de professores
15 Categoria nativa que traduz a ideia das big techs (que são grandes empresas multinacionais do setor de tecnologia que dominam o mercado e usam as informações de seus usuários para gerar outros e novos produtos) cada vez mais intrusivas e o indivíduo sem privacidade e constantemente vigiado.
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trans, educação sexual no currículo ou mesmo abordagens críticas a temas como racismo, colonia-lismo ou história da África. Passa-se a contra-argumentar contra as leis que criminalizam a violência contra a mulher16, e a mobilização antigênero se mistura a um escopo maior de temas, o antipetismo. Neste contexto ganha destaque também o Escola Sem Partido, um movimento fundado em 2004 por um advogado chamado Miguel Nagib, inicialmente preocupado com uma suposta doutrinação de esquerda que ocorreria nas escolas. Estas reações que partem de uma preocupação com a Escola, principalmente a Pública, revelam uma estratégia de relacionar o debate sobre gênero ou mesmo do feminismo, ou dos temas que nos Estados Unidos da América (EUA) ficaram conhecidos como WOKE17, com a sexualização das crianças. É um tema que vai além do medo de uma educação sexual e foca principalmente no papel dos pais, entendendo aqui que seria papel deles e não da Escola ou do Estado falar sobre sexo, relações e papeis de gênero, sexualidade com as crianças. Os militantes religiosos/conservadores e reacionários temem, neste ponto, que os progressistas estejam utilizando uma estratégia de “Cavalos de Tróia”, ou seja, temem que ao apresentar um tema amplo e aparentemente inofensivo, queiram, na verdade, avançar numa agenda com impactos profundos na sociedade e com uma ideologia radical. Esta agenda não revelada pode ser desde o “fim da família tradicional” até o fim dos papéis de gênero tal como conhecemos18.
Um Johnny Bravo19 para calar a boca das feministasBolsonaro chega ao poder como parte de um movimento mais amplo que agrega majoritariamente as várias e distintas formas do antipetismo, produz uma retórica reacionária, faz promessas aos li-bertários de direita, se diz evangélico e representante de um povo devoto e conservador. Contudo, não deixa de, em tempos em tempos, sinalizar aos seus apoiadores mais radicais às vezes usando código20, mas sempre se apresentando com uma roupa antissistema e antiestablishment.
16 A Lei Maria da Penha (nº 11.340, de 7 agosto de 2006) passa a ser questionada. Movimentos como os que virão em seguida, como o movimento #MeToo (2017), vão ser lidos como uma forma de vitimismo. 17 O termo é próprio do debate identitário. Ganhou força a partir de movimentos como o Black Lives Matter, entendido como uma reação à violência letal da polícia contra a população negra nos EUA. Woke é um verbo no passado de Awakening, do termo em inglês que significa “Despertar”. A ideia de ser woke é de estar desperto e assim lutar contra vários tipos de violência e de opressão a que diferentes grupos minorizados estão sujeitos. Para uma discussão crítica, cf. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2024/03/livro-que-critica-identitarismo-cai-como-luva-no-brasil.shtml. Acesso em: 29 mar. 2024. 18 Neste ponto, vale lembrar a importância que elementos simbólicos tiveram quando Damares Alves tomou posse como Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do Brasil em 2019, enaltecendo que meninos vestem azul e meni-nas rosa. E temendo desvios “lésbicos” em personagens de desenhos da Disney e seus efeitos em crianças de 3 anos, que poderão passar a sonhar não mais com “príncipes” que chegam a cavalo, mas com “princesas”. Cf. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-wzXSK9F4GM&ab_channel=%23ProgramaDiferente. Acesso em: 31 ago. 2023. 19 Bolsonaro se autodenomina Johnny Bravo. Disponível em: https://web.facebook.com/opopular/pos-ts/2407991459280016/. Acesso em: 1 set. 2023. 20 Um dos casos mais famosos envolveu o “desafio do leite”, no qual Bolsonaro imita supremacistas brancos que usam o lei-te como símbolo do orgulho racial. Cf. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=T_3HTFUpHhc&ab_channel=-CompreRuralTV. Outros momentos em que o governo Bolsonaro usou de simbologia supremacista podem ser conferidos no Jornal Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/03/25/cinco-vezes-que-bolsonaro-ou--pessoas-ligadas-a-ele-recorreram-a-simbolos-nazistas. Acesso em: 31 ago. 2023.
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Bolsonaro explorou tanto a ideia de que caberia às famílias a educação dos filhos em geral21 (a da sexualidade em particular) como também explorou a ideia de que caberia aos homens a primazia tanto social como nas relações de poder. Trata-se de explorar uma percepção social que outros nomes do populismo de direita também exploraram22. Os homens se veem ameaçados pelo Po-liticamente Correto e descontentes em terem que realizar trabalhos domésticos – quando antes não tinham trabalho nenhum –, enfrentam um desemprego de longa duração, os que trabalham muitas vezes têm mulheres como chefe, e em termos de status, se sentem distantes do tempo em que eram provedores e poderiam ter uma mulher ou mesmo uma família como seu dependente. Nos termos de Susan Faludi (1995), é um homem cuja masculinidade se tornou ornamental. Este homem ornamental não quer, e muitas vezes sente que não pode, se casar, e, por muitos mo-tivos, se sente acuado em sua masculinidade ou no que significa ser homem no mundo contem-porâneo. Seu “diagnóstico” da realidade é o de estar numa competição na qual as mulheres estão estudando mais, ocupam um espaço cada vez maior no mercado de trabalho, assim, se depara com mulheres que são chefes de família, e com uma transição econômica que parece favorecer às mu-lheres – pensando aqui na valorização do capital humano, social, na capacidade de comunicação, concentração e foco.Ao mesmo tempo que o homem ornamental está em crise, ele tem uma extrema dificuldade de falar dela, de demonstrar suas emoções e mais especificamente em lidar com sua insegurança. Sua raiva aumenta, podendo gerar violência e assim tornar a mulher um alvo relativamente fácil de homens reacionários que, na machosfera, ensinam e pregam o ódio às mulheres ou a volta do machismo/sexismo, entendidos como um retorno à “ordem natural das coisas”. A tendência de muitos homens em crise é de alguma forma sustentar uma imagem, ou nos termos do autor e candidato à presidência da França em 2022, Eric Zemmour: “A prevalência dos valores femininos contra uma masculinidade que aos poucos é relegada ao politicamente incorreto – ‘macho, ma-chão’ – é usado como zombaria ou em tom pejorativo”23 (Zemmour, 2006, p. 63, tradução nossa).Em linhas gerais, Zemmour literalmente diz escrever um manifesto machopatriarcal em reposta à visão supremacista feminista, e enfatizamos um ponto que é central para entendermos o apelo da machosfera e do bolsonarismo: os homens – querendo ou não – têm um status socialmente construído que lhe concedeu privilégios que agora, diante de uma crise de múltiplas dimensões, não está mais acessível. Desta forma, os homens acabam tendo que pensar e eventualmente se
posicionar sobre esta crise e sobre esta perda de status.Bolsonaro, por exemplo, ao se afirmar como “macho”, o faz com uma conotação sexual, se definin-do como “imbrochável”. Como destaca a antropóloga Mirian Goldenberg (2021), num contexto brasileiro, marcado pela pandemia, se afirmar como imbrochável:
21 Vale destacar a prioridade do projeto que permite a educação dos filhos em casa (homeschooling) desde o começo do gover-no. O projeto foi aprovado como lei (3179/12) em maio de 2022. Um dos poucos se não o único projeto de lei genuinamente proposto pelo governo Bolsonaro.22 Como exemplo Donald Trump nos EUA, Viktor Orbán na Hungria e os diferentes movimentos identitários de direita da Europa Ocidental. 23 No original: “la prevalencia de los valores femeninos frente a una masculinidad que poco a poco queda relegada a lo política-
mente incorrecto. – “macho, macho man”– se utiliza como burla o en tono peyorativo”.
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Dá impressão de que só existem dois tipos de homens. De um lado, o imbrochável: tão bruto e insensível que, apesar dessa catástrofe assustadora, estaria transando como nunca. De outro, o brocha: tão sensível e humano, tão deprimido e desesperado com a situação do país, que não consegue mais transar24 (Goldenberg, 2021).
A ideia de ser imbrochável desperta no universo masculino, especialmente no homem ornamen-tal, a imaginação ou mesmo a projeção de que precisam ser bem-sucedidos não só profissional-mente, mas também sexualmente. A ideia não é só de performance, mas sobretudo de postura, de confiança, de ser ativo/dominador na relação com as mulheres. De certa forma, ser imbrochável é uma nova versão do imaginário explorado pela famosa propaganda de cigarros Marlboro25. Se antes o imaginário era de um homem livre, sem chefe (ou sendo ele próprio o chefe), conquistador, mas não romântico, e que transita entre o campo e a cidade sem perder sua autenticidade, agora ele tem perfil mais libertário no sentido de ser alguém que desconfia do Estado, que reclama dos impostos, da criminalidade, com espírito empreendedor, sonhando ser empresário e recuperar a confiança tal como na propaganda histórica dos cigarros Marlboro. Se antes o escape era um cigar-
ro, agora a red pill é um candidato autoproclamado imbrochável.
A Crise existencial dos Homens e a Crise existencial da Barbie Curiosamente, a Barbie do filme de 202326 tem em comum com Jair Bolsonaro o fato de ambos poderem dizer que já foram chamados de fascistas. Além disso, o ponto de inflexão de Bolsonaro, de passagem de uma microrrealidade de deputado federal sem relevância para uma dimensão po-lítica mais ampla, compartilha com a Barbie algo em comum. Para ambos, a caminhada num “novo mundo” começa tendo um episódio de assédio como baliza. No caso da Barbie, assim que ela deixa a Barbielândia e entra no mundo real, e no caso de Bolsonaro, assim que ele se coloca como anti-petista e inicia sua trajetória política em Brasília em 2003, que o levaria a vencer as eleições em 2018. Bolsonaro, então deputado, alega diante das câmaras que a deputada gaúcha petista Maria do Rosário estava chamando-o de estuprador. Em resposta, Bolsonaro retrucou: “Jamais iria es-tuprar você, porque você não merece27”. O caso se estendeu até 2014 com Bolsonaro reafirmando sua posição. O processo acabou arquivado28 em 2023 por prescrição. O ponto central é que Bolsonaro desde o princípio alega ser a própria vítima, e Maria do Rosário, a agressora. Como argumenta Mariana Valente (2023), o assédio sexual opera a partir de uma
24 Artigo na íntegra em matéria da Folha de SP. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/miriangoldenber-g/2021/05/o-sexo-dos-homens-imbrochaveis.shtml. Acesso em: 31 ago. 2023.25 Disponível em: https://youtu.be/0_4b7DTorXk?si=uJ0naUtGV2ec_LM5. Acesso em: 31 ago. 2023. Ver também a versão de 1970. Disponível em: https://youtu.be/sTfyGRU4K0k?si=x5Y1-jrOPckViFeFg. Acesso em: 31 ago. 2023. Bolsonaro fazendo campanha em uma festa de peão no interior de São Paulo em 2022. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=9s-SkN0OZFXg&ab_channel=UOL. Acesso em: 31 ago. 2023. 26 Filme lançado em 2023, distribuído pelos estúdios Warner e dirigido por Greta Gerwig. O filme se tornou um dos maiores sucessos de bilheteria, situando-se entre os de maior público da história. Ainda em 2023, o filme já ultrapassava 1 bilhão de dólares com faturamento com bilheteria. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/erikkain/2023/08/10/the-bar-bie-movie-is-a-massive-pr-victory-for-mattel-and-baby-names-prove-it/?sh=1ad0b41b52d3. Acesso em: 31 ago. 2023. 27 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=LD8-b4wvIjc&embeds_referring_euri=ht-tps%3A%2F%2Fwww.poder360.com.br%2F&source_ve_path=MzY4NDIsMjg2NjY&feature=emb_logo&ab_channel=re-vistaISTOE. Acesso em: 31 ago. 2023. 28 Processo penal por insulto. Disponível em: https://www.poder360.com.br/justica/justica-arquiva-acao-de-maria-do-ro-sario-contra-bolsonaro/#:~:text=A%20Justi%C3%A7a%20do%20Distrito%20Federal,Ros%C3%A1rio%20(PT%2DRS). Acesso em: 29 mar. 2024.
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desigualdade de poder baseada nas relações e percepções de gênero. São insinuações, comentá-rios, condutas de natureza sexual que chegam às mulheres de forma indesejada. Como mostra a pesquisa de Erika Oliveira de Alexandre (2021), tanto na América Latina como no Brasil, mulheres na política estão amplamente expostas à violência verbal, moral e de cunho sexual realizada prin-cipalmente via virtual29. No caso da Barbie, seu assédio ocorre no mundo real, mas ela rapidamente ironiza a situação: “não tenho vagina30”. No caso de Bolsonaro, ele nega ser o assediador, mas repete muitas vezes a frase: “Ela não merece porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia. Não faz meu gênero. Jamais a estupraria”. Usando o assédio também como retaliação na política externa, chamando de
feia a primeira dama da França31, em resposta a uma declaração do presidente da França sobre a Amazônia32, que o desagradou. É possível afirmar que há pontos de convergência a partir das figuras de Barbie e Bolsonaro com o universo masculinista. Barbie e os expoentes da machosfera fazem referência à cena da pílula vermelha de Matrix. Em Barbie, a “pílula” tira a protagonista Barbie do mundo encantado das mulheres-bonecas e a coloca no mundo real dominado pelos homens.Já a encarnação mais recente dos grupos masculinistas pode ser considerada próxima a grupos de extrema direita, como aponta Vilaça (2023), na medida em que, a partir de uma leitura distorcida da “pílula vermelha”, tais grupos, incomodados pelo empoderamento feminino, teriam despertado para um mundo dominado pelas feministas e tentariam restaurar a masculinidade tradicional. Tal tentativa seria uma forma de enfrentar as consequências da superação do homem ornamental, através de uma masculinidade altiva. Vilaça e Andrea (2021) apontam como a leitura dos grupos masculinistas em relação à pílula ver-melha os relaciona com a extrema direita, na medida em que ela os despertaria de uma ordem misândrica (ódio aos homens) pelo “racismo reverso”, a lavagem cerebral feminista e a dominação da extrema esquerda (Vilaça; Andrea, 2021, p. 426). Seria possível, assim, associá-los não so-mente a vertentes de extrema direita, mas também ao bolsonarismo. A referência à pílula verme-lha está presente também em parte do staff de Bolsonaro, tais como seus ex-ministros, Abraham Weintraub e Ernesto Araújo33, que afirmam terem tomado a pílula. Porém, ao contrário de Barbie, que vai para o mundo real, os representantes dos grupos masculinistas e da extrema direita é que vão para um mundo irreal onde seriam oprimidos e propagam o credo redpill no mundo real para
29 A autora cita a pesquisa de 2016: “Sexism, harassment and violence against women parliamentarians” da União Interparla-mentar (IPU). Segundo esta pesquisa, 81,8% das parlamentares ouvidas afirmam já terem sofrido violência psicológica du-rante seu mandato. Destas, 65,5% sofreram humilhação sexual ou foram alvos de comentários sexistas; 44,4% receberam ameaças de morte, estupro, espaçamento ou sequestro. Além disso, 38,7% das entrevistadas que já sofreram algum tipo de violência afirmaram que estes atos agressivos minaram a implementação de seus mandatos e sua liberdade de expressão. Para um debate mais amplo, cf. Alexandre (2021).30 A piada serve para lembrarmos também que o filme é hostilizado por reacionários e bolsonaristas pela presença de uma atriz trans. Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/sonar-a-escuta-das-redes/post/2023/07/deputada-bolsona-rista-cita-presenca-de-atriz-trans-e-faz-campanha-contra-filme-da-barbie-nao-levem-seus-filhos.ghtml. Acesso em: 31 ago. 2023. 31 Disponível em: ttps://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2019/09/05/mulher-de-macron-e-feia-mesmo-diz-paulo-guedes.ghtml. Acesso em: 29 mar. 2024. 32 Em risco de grilagem e de destruição pela ação de madeireiros, garimpeiros e outras atividades predatórias.33 Disponível em: https://oglobo.globo.com/blogs/blog-do-acervo/post/2023/03/red-pill-como-diretora-de-matrix-reba-teu-weintraub-e-elon-musk-por-uso-do-termo.ghtml/ https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2021/11/23/redpilla-do-como-matrix-inspira-grupos-machistas-e-a-extrema-direita.htm. Acesso em: 28 set. 2023.
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manterem seus privilégios. Se no filme Ken cria um paraíso redpill onde homens burgueses bran-cos mandam, se inspiram num mundo real que pode ser considerado um paraíso para os homens, na medida em que ocupam os principais postos de poder, essa já não é a percepção nas vertentes masculinistas, pois percebem que o mundo real já é um paraíso redpill.
Da crise existencial à guerra: das origens dos grupos masculinistas à guerra contra as
mulheres através do filme Barbie Os grupos masculinistas brasileiros reagem a um mundo supostamente dominado por feministas e pelo PC. Trata-se de grupos de homens que atuam em plataformas de vídeos comoYouTube e Tik
Tok e em redes sociais como Instagram, Facebook, Telegram, entre outras. Pode-se falar de uma reação desses grupos contra a ascensão dos direitos das mulheres em sintonia com os agrupa-mentos de direita que questionam leis que protegem as mulheres, ou os que afirmam uma suposta ideologia de gênero. Os grupos masculinistas remontam à década de 1960, porém, como aponta Francis Dupuis-Déri (2022), os homens se organizam contra as mulheres há muitos séculos. Usam o discurso da “crise da masculinidade” nos mais diversos períodos históricos da Europa, perpassando o período roma-no, Idade Média, Renascimento (Dupuis-Déri, 2022, p. 49). Tal fala é sempre retomada quando há algo que ameaça minimamente o privilégio dos homens.O irônico é que os movimentos masculinistas contemporâneos têm suas origens nas décadas de 1960 e 1970 como aliados dos movimentos feministas a partir do surgimento do Movimento de Li-
bertação dos Homens nos Estados Unidos e outros similares na França, Alemanha Oriental, Quebec e outras localidades, criticando o papel atribuído ao homem (Aronowitz, 2019; Connell, 2017, p. 186; Connell, 2021, p. 197; Dupuis-Déri, 2022, p. 124). Tais movimentos reuniam homens que criticavam o machismo, organizando creches na qual cuida-vam dos filhos para as feministas, criaram grupos reflexivos, além da presença de homens gays nos movimentos (Dupuis-Déri, 2022, p. 124). Já nos anos 1980, há um giro à direita. Faludi discorre so-bre (2001, p. 238) um ambiente neoliberal de ataque às mulheres34 com o governo Reagan35. Naque-la época, surgia um movimento populista nos Estados Unidos, evocando valores da família, reunindo fundamentalistas cristãos brancos, liderados por pastores de origem rural contra o aborto e critican-do as feministas. Os grupos masculinistas que sobraram também se voltaram para a direita nos anos 1980. Warren Farrell, aliado das feministas nos anos 1970, se torna um dos principais porta-vozes dos movimentos masculinistas, passa a atacá-las dizendo que as mulheres são privilegiadas, e que as bem-sucedidas abandonam os homens (Faludi, 2001, p. 238; Dupuis-Déri, 2022, p. 129).Os pioneiros deste agrupamento foram os Men ‘s Rights Activists (MRAs)/Ativistas pelos direitos dos homens. Surgidos nos anos 1960 e 1970, afirmam que os homens são discriminados. Trata-se de um dos grupos mais antigos da internet. Estimulou outros grupos masculinistas similares (De-clercq, 2020; Ribeiro, 2021, p. 196), tais como: a. Communities like Pick Up Artists (PUAs)/ Artistas da Sedução36: usam um roteiro prepara-
34 Neste contexto, há um “backlash”, um ressentimento e reação às conquistas das mulheres desde os anos 1970. 35 Ronald Reagan foi o 40º presidente dos Estados Unidos entre 20 de janeiro de 1981 e 20 de janeiro de 1989.36 No Brasil, um dos líderes dessa vertente é Fernando Fenix, psicólogo e coach. Um de seus perfis é esse: Disponível em:
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do para conquistar mulheres com técnicas misóginas, tendo como base o livro O Jogo de Neil Strauss. Aparecem em meados de 2000 (Declercq, 2020);b. Men Going Their Own Way (M.G.T.O.W37)/ Homens que seguem seu próprio caminho: De-fensores do separatismo masculino, ou seja, que os homens não se relacionem com as mulheres, pois seriam interesseiras ou disseminadoras de misandria (ódio contra o homem) (Declercq, 2020; Ribeiro, 2021, p. 196).c. Involuntary Celibates (Incels): Não se relacionam com as mulheres e culpam-nas por isso. Atuam em fóruns obscuros na internet, a chamada dark web (Aronowitz, 2019; Declercq, 2020; Ribeiro, 2021, p. 196).
Há ainda, os sigmas, os machos alfas38, betas, os red pills entre diversas outras vertentes. No Brasil, a vertente da machosfera é influenciada pelos grupos internacionais citados acima, mas pode se dizer que eles têm uma agenda própria a nível local. Legislações de defesa das mulheres, como a Lei Maria da Penha, atiçaram o ressentimento de homens machistas, que se ampliou quan-do mudanças na sociedade colocaram em xeque a visão do homem como provedor da família, tais como os programas sociais, a disseminação de ideologias neoliberais e a crescente visibilidade de grupos minorizados (Vilaça, 2023). Vertentes masculinistas no Brasil foram detectadas em 2014, de acordo com notícias da época (Germano; Korte, 2014) e cresceram no decorrer dos anos, presentes tanto no período do governo Bolsonaro quanto no 3º mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. E ganharam visibilidade na mídia a partir de situações de violência e assédio39 que levaram a reportagens sobre os grupos masculinistas no Brasil40.De acordo com as ideias que defendem, é possível relacioná-los aos grupos da “nova direita”, que, conforme uma das interpretações, combinam um amálgama inédito no Brasil, o ultraliberalismo conservador41 (Rocha 2021, p. 175). Unem-se em nome do combate ao “pacto democrático de 1988” e à Constituição de 1988. Afirmam-se como direita sem se envergonhar ao contrário da antiga “direita envergonhada” do pós-ditadura, que reunia a “direita tradicional”. As possíveis si-milaridades, no que tange a esses grupos, com a nova direita seriam esse orgulho e uma certa vinculação entre liberalismo na economia e conservadorismo nos costumes.Outra vertente da “nova direita” nesse período seria o bolsonarismo, fenômeno que transcende o
https://www.youtube.com/@FernandoFenix. Acesso em: 28 set. 2023 37 Por exemplo, no Brasil, Don Sandro, seria um exemplo dessa vertente, anteriormente tinha um canal atacando leis que,
supostamente, privilegiam as mulheres (Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCZUJd2um9DFYVxJJXdX-8t3w) e Tiozão, adepto de teorias conspiratórias de extrema direita: Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCDOf3gsu4wVeFxqafqa7AKg. Acesso em: 28 set. 2023. 38 Homem viril e que se sobrepõe aos homens betas (maioria) ou normies que se submeteriam às mulheres, expostos a soli-dão ou traição feminina.39 Por exemplo, ameaça a uma atriz perpetradas pelo coach Thiago Schutz Cf. por exemplo reportagem do Jornal Nexo. Dis-ponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2023/03/04/Coach-de-ass%C3%A9dio-A-rede-masculinista-que--abra%C3%A7a-Thiago-Schutz > Acesso em: 28 set. 2023. 40 Cf. reportagem do Jornal Nexo. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2023/03/04/Coach-de-ass%-C3%A9dio-A-rede-masculinista-que-abra%C3%A7a-Thiago-Schutz. Acesso em: 28 set. 2023. 41 Referência à “nova direita” brasileira que, para sinalizar um rompimento da direita com o pacto de 1988 com a Constituição vigente, passou a apostar na substituição do substrato progressista pelo ultraliberalismo conservador que pressupõe a de-fesa radical do livre mercado e ao mesmo tempo eram conservadores em relação aos costumes e à defesa da ordem (Rocha, 2021, 20; 162).
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próprio Jair Bolsonaro, caracterizando-se por uma visão de mundo ultraconservadora, pregando o retorno a valores tradicionais a partir de uma retórica nacionalista e patriótica, atacando tudo o que estiver vinculado a progressismo e esquerda (Freixo; Pinheiro-Machado, 2019, p. 21-22). Os aspectos mais comuns nos grupos masculinistas em relação a essa definição do bolsonarismo estão no apego a valores tradicionais e no ataque a valores do progressismo e à esquerda, princi-palmente relacionados ao feminismo. Os grupos masculinistas foram contemporâneos ao governo Bolsonaro e nota-se que os valores pregados, tais como o apego à virilidade, as críticas às feministas e a feminilização dos homens, estão presentes em Bolsonaro. Nota-se também que as críticas dos grupos masculinistas a Bolso-naro são poucas e quando ocorrem é para denunciar uma certa moderação. Mesmo com a derrota de Bolsonaro, continuam com certa proeminência. E tanto o público bolsonarista mais amplo quanto as vertentes evangélicas conservadoras viram o filme da Barbie (2023) como uma ameaça, uma propaganda feminista ou esquerdista em linhas ge-rais. Por exemplo, nos grupos familistas masculinistas evangélicos e católicos,42 a preocupação é se o filme desafia os pressupostos cristãos de um homem provedor e de uma esposa submissa, respon-sável pela casa e por cuidar dos filhos. Para exemplificar, um canal de orientação católica, quando o filme ainda estava sendo produzido, denominou-o como anticristão, por apresentar uma versão da Barbie ativista pela causa LGBTI+, uma boneca trans, ou lacradora, cujos pais não são consultados43. Alguns na machosfera, que se apresentam como empreendedores da masculinidade,44 desqualifi-cam as mulheres ao usar Barbie como um modelo de “mulher de valor” defendido por eles, ou des-qualificando-as como velhas. Apesar de serem homens supostamente sedutores, representam o grupo ressentido que procura ensinar aos homens a se comportarem de acordo com seus padrões. Estão ressentidos com as mudanças no mundo e expressam isso em seus vídeos e postagens, prin-cipalmente com mulheres que não lhes dão atenção.Assim, as preocupações deste agrupamento de homens em relação ao filme de Barbie são com a forma com a qual Ken é retratado. Deste modo, coachees de relacionamentos condenam o filme por mostrar Ken como um idiota, construção na qual todos os homens são paspalhos, imprestá-veis, disfarçado de comédia para família, e Barbie vive num mundo feminista45. Outros coaches sustentam que se deve deixar de sair com uma mulher que está assistindo o filme da Barbie de forma empolgada46. Para outros47, vinculados a podcasts redpill, a protagonista do filme, Margot Robbie, está velha demais para fazer o filme, mas ela poderia interpretar a protagonista por ser “lacradora”. É como se a forma com a qual Barbie e Ken são retratados atingisse os ideais de virili-dade desse grupo de homens e suas visões machistas, homofóbicas e etaristas.
42 Usamos esse termo porque o referencial dos grupos religiosos cristãos é a família. 43 CATÓLICOS de verdade. por incrível que pareça uma boneca ativista!!! Católicos de Verdade. 28 maio 2022. 1 vídeo (8min-56seg). Publicado pelo canal Católicos de verdade. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=D7IY3Lm1B4Y. Acesso em: 24 set. 2023.
44 Coachees e representantes de podcasts masculinistas que se comportam como coachees de relacionamento.
45 Além de criticar o filme, o influenciador digital tenta vender um livro ensinando os homens a serem de alto valor. SOCIAL ARTS. O Filme Da Barbie e a Grande Mentira. 26 jul. 2023. 1 vídeo (9min44seg). Publicado pelo canal Social Arts. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OgebuCvvwyA. Acesso em: 24 set. 2023. 46 THIAGO SCHUTZ. Thiago Schutz assistiu ao filme da Barbie? 1 vídeo (29seg). Publicado pelo canal Thiago Schutz. Disponí-vel em: https://www.youtube.com/watch?v=Xf5LJ_ixDUY. Acesso em: 24 set. 2023. 47 SUBMUNDO INTELECTUAL. O Filme Da Barbie e a Grande Mentira. 26 jul. 2023. 1 vídeo (8min33seg). Publicado pelo canal Submundo Intelectual. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ruzduhr1n9Y. Acesso em: 24 set. 2023.
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Em relação ao filme da Barbie, entre os M.G.T.O.W brasileiros as críticas são: “por trás de tanto rosa, existem pautas do universo trans e comportamentos feministas por trás dele e sutilmente (ou não) sendo empurrados na cabeças da base de uma vida e sociedade saudável48”. Outro canal classifica o filme como anti-homem e misândrico que mostra os homens como inúteis e que ao final do filme, Barbie iria ao ginecologista pra trocar de sexo, simbolizando a vitória da cultura pós-moderna49. Os homens que defendem “seguir seu próprio caminho”, evitando relacionamento com mulheres, têm como grande preocupação suas finanças, o receio de serem enganados num relacionamento pela mulher50. Seus expoentes afirmam que as mulheres foram contaminadas pelo feminismo, ou que seriam “modernetes”. Acreditam que as feministas corromperam o sistema judiciário a tal ponto de sempre se beneficiarem. Criticam leis que protegem as mulheres, tais como a Lei Maria da Penha, a lei do feminicídio, ou as propostas de igualdade salarial. A frase abaixo expressa bem essa vertente:
[...] As mulheres estão transformadas, estou cansado de dizer isso. E é uma transformação mental empoderamento feminista, doutrinação nas escolas, universidades, mídia, aplica-tivos, ações estatais, privilégios, leis. Tudo isso deixaram ela simplesmente fora da reali-dade e com esses aplicativos aí elas têm muitas comparações e como elas não necessitam terrivelmente de um contato sexual igual aos homens elas ficarão com suas comparações virtuais em vez de partir para a realidade, mas vocês podem perguntar isso não seria bom (Dom Sandro, 2023)51. Acreditam que as mulheres superdimensionam os indicadores relacionados à violência contra elas e alguns de seus expoentes afirmam que os homens são vítimas de violência. Condenam rela-cionamentos com todos os tipos de mulheres, uma vez que todas poderiam se divorciar e ficar com seus bens. Então, além da raiva, tal grupo é caracterizado pelo medo. Acusam os legisladores e o Poder Executivo de promoverem ações que beneficiam as mulheres em detrimento dos homens.
Considerações FinaisA análise dos grupos masculinistas mostra convergências com os da nova direita e com o bol-sonarismo, principalmente em relação ao feminismo e às pautas feministas. Porém, não atacam somente o feminismo, mas os direitos civis, sociais e humanos das mulheres, reproduzindo uma série de preconceitos e uma agenda reacionária na internet que, no fundo, desqualifica leis de pro-teção às mulheres. Atingem também todos os que não se enquadram no ideal de homem branco, cristão, burguês, bem-sucedido, tais como as populações LGBTI+, os negros, os idosos, as pessoas com deficiência. Falam em nome dos homens, mas o padrão ideal defendido, ou da masculinidade hegemônica (Connell, 2017) exclui, inclusive, a maioria dos homens brasileiros. Cabe discutir não
48 CF. o perfil do Instagram do Esqueleto M.G.T.O.W. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cu8LqjlNNXs/. Acesso em: 28 set. 2023. 49 Disponível em: https://youtu.be/RS3QzPd3YLQ?si=MEXOdNivnO6Nicsr. Acesso em: 28 set. 2023. 50 A LEI DOS HOMENS A importância do contrato de namoro para não perder metade dos seus bens! A Lei dos Homens. Ins-
tagram, 11 abr. 2022. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CcoHT7Cugrc/. Acesso em: 25 set. 2023. 51 DON SANDRO BACKUP. O HOMEM DESPERTO É UM REPELENTE DE MODERNETES!! 28 mai. 2023. 1 vídeo (13 min 22 segs.). Publicado pelo canal Don Sandro Backup. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dxMGwLk9oqc. Acesso em: 25 set. 2023.
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se eles são uma vertente da extrema direita, mas se não seriam a vertente mais radical do bolso-narismo. Tendo sido contemporâneos ao bolsonarismo no Brasil, apresentam várias convergências. Apa-rentemente, não há registros de que tais grupos tenham estado presentes na tentativa de golpe de Estado no Brasil ocorrida em 8 de janeiro de 2023. Porém, podem ser encarados como um grupo fortemente reacionário, por terem uma postura de ataque às mulheres nas suas três vertentes, procurando controlá-las, moldá-las e, quando isso não é possível, afastar-se delas.
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A guerra dos “imbroxáveis” contra a boneca de plástico
HISTÓRICO Recebido: Outubro/23Parecer: Janeiro/24Parecer: Janeiro/24Aceito: Fevereiro/24Revisado Autor: Abril/24Revisão Gramatical/Ortográfica e ABNT: Maio/24Revisado Autor: Maio/24Publicado: Maio/24Equipe Editorial Revista TOMO envolvida no processo editorial deste artigoMarina de Souza Sartore (Editora-Chefe)
The war of the “imbroxables” against the
plastic doll. Is this the most reactionary
aspect of Bolsonarism?
AbstractThe purpose of the article is to present a case study carried out with youtubers and other virtual influ-encers from the “machosphere”. In the mentioned groups we can find, evangelical pastors who de-fend the return to the ‘only-male’ breadwinner, the role of men as the only possible head of the fami-ly; those who, concerning love and sex conquest, behave as a ‘predator’ towards women and also those who despise women’s rights and opinions, having roots of misogyny. Our study was from 2018 to 2023. We also discuss the relationship be-tween masculinist groups, contemporary political trends forward the ‘New Right’ in Brazil, as well as its implications for the current situation in the country, following the rise of extreme right-wing groups, their relationship with political violence and attacks on specific groups such as women, LGBTI+ people. Finally, it points to the hypothesis that Brazilian masculinist groups are components of this political aspect.
Keywords: Machosphere; reactionary thought; violence; resentment.
La guerra de los “imbroxables” contra el muñe-
co de plástico. ¿Es este el aspecto más reaccio-
nario del bolsonarismo?
ResumenEl propósito del artículo es presentar un estudio de caso realizado con youtubers y otros influen-cers virtuales de la “machosfera” transitando en-tre algunos pastores evangélicos que defienden el retorno al varón sustentador de la familia, cabe-za de familia; de conquistadores, depredadores y aquellos que desprecian a las mujeres, abarcando el período de 2018 a 2023. También se discute la relación entre los grupos masculinistas y las cor-rientes contemporáneas de la “nueva derecha” y sus implicaciones para la situación actual en Brasil tras el surgimiento de grupos de extrema derecha y su relación con la violencia política y ataques a grupos específicos en Brasil como mujeres, perso-nas LGBTI+. Finalmente, apuntamos a la hipótesis de que los grupos masculinistas brasileños son componentes de esta tendencia política..
Palabras Clave: Machosfera; pensamiento reac-cionario; violencia; resentimiento.