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Revista TOMO
São Cristóvão, v. 42, e18591, 2023
Data de Publicação: Junho/2023
Dossiê
Masculinidades em cena: uma análise de
“Rainha Diaba” e “Madame Satã”
Jônatas Breno Silva Santos
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Renata Barreto Malta
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Resumo:
O cinema é um importante objeto de análise das Ciência Sociais, refletindo a cultura, as identidades e os pa
-
péis sociais. Descortinando as relações de gênero e as representações masculinas, diversos filmes atribuem
papéis sexuais aos homens e agenciam as relações de poder em torno desses. Partindo dessa percepção,
surge o interesse de investigar as masculinidades em personagens gays nos filmes brasileiros, mais preci
-
samente em “Rainha Diaba” (1974) e “Madame Satã” (2002), nos quais os protagonistas estão inseridos em
um contexto de subalternidade, marginalidade, desvio e ruptura social. Assim, esta pesquisa visa descorti-
nar como os protagonistas de ambos os filmes são representados no que concerne aos territórios de gênero
e outros marcadores como raça, etnia e classe. Para tanto, será utilizado o protocolo de “análise de imagens
e movimentos” da pesquisadora Diana Rose. Ao final, espera-se contribuir para os estudos relacionados ao
campo da representação no cinema.
Palavras-chave
: Gênero. Masculinidades. Representação. Personagens gays. Cinema brasileiro.
Introdução
O homem desde a tenra infância sofre influência de diversas instituições de poder regulatório.
Welzer-Lang (2001) relata que, ainda na educação infantil, o patriarcado confere uma série de
lugares que são de uso exclusivamente masculino. Nesse sentido, a masculinidade hegemonica-
mente presumida, ou os significados culturais do que é “ser homem”, designa para esse sujeito o
papel de pai provedor, além de reservar para ele a arena pública, as esferas de poder, o mundo dos
negócios. Já para a mulher, cabe-lhe a maternidade, a capacidade reprodutiva, os afazeres domés
-
ticos, a arena privada, a subserviência, o lar e a família. (Welzer-Lang, 2001).
Connell
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(1995) procura romper com todos esses papéis rígidos e simbólicos atribuídos ao ho
-
mem ao preocupar-se em ressaltar que a masculinidade não é objeto sobre o qual se possa fazer
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Universidade Federal de Sergipe. Centro de Educação e Ciências Humanas. Departamento de Comunicação Social. São Cris-
tóvão, Sergipe, Brasil. E-mail: jonatasbreno@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-1862-7587
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Universidade Federal de Sergipe. Centro de Educação e Ciências Humanas. Departamento de Comunicação Social. São Cris-
tóvão, Sergipe, Brasil. E-mail: renatamaltarm@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0002-7414-9081
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Na publicação original do livro “Masculinities: knowledge, power and social change” assinava como Robert William Con-
nell. Porém, após reconhecer-se como mulher trans, passou a assinar como Raewyn Connell. Em respeito à sua identidade
de gênero iremos tratá-la no feminino.
Dossiê
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
uma única ciência generalizadora. A autora aponta para uma multiplicidade de masculinidades,
diferentes modelos que serão caracterizados como masculinidades hegemônicas, de subordina-
ção, de marginalização e de cumplicidade. Tais modelos irão desestabilizar a ordem até então
estabelecida, ao mostrar que existem várias formas possíveis de “ser” e se “perceber” homem.
Partimos da premissa de que a percepção ideal do que é ser “homem” em sociedade está orientada
por um modelo hegemônico de masculinidade, de maneira que preponderantemente essas ca-
racterísticas são lidas como naturais. Considerando também a noção de que não há somente uma
única construção e representação possível da masculinidade, senão de várias “masculinidades”, é
que surge o interesse particular de investigar como aparecem representadas as masculinidades
em personagens gays nos filmes brasileiros, as quais imediatamente rompem com a inteligibilida
-
de presumida entre sexualidade e papéis sociais pautados nos gêneros.
Voltando nosso olhar para o cinema brasileiro, buscamos compreender como se dá a represen-
tação das masculinidades em um
corpus
específico. Como principal critério para a sua seleção,
definimos a presença de personagens protagonistas que pudessem, para além da temática da ho
-
mossexualidade, ser facilmente associados a outros marcadores sociais, tais como: classe, raça e
etnia. Tal movimento tem por objetivo perceber como os diferentes tipos de masculinidade co-
abitam com aspectos pré-concebidos como de subalternidade, marginalidade, desvio e ruptura
social. Desse modo, a leitura não é centrada apenas na ordem de gênero e da sexualidade, mas a
partir de uma perspectiva interseccional.
Para a trajetória empírica, será utilizada a “análise de imagens em movimento” da Diana Rose
(2002), originalmente proposta para analisar conteúdos televisivos, mais especificamente a re
-
presentação da loucura na tv britânica. Trata-se de uma consistente ferramenta metodológica
para investigar materiais midiáticos, pois abrange conceitos e técnicas que servem de percurso
analítico para múltiplas representações sociais no campo audiovisual.
Assim, chegamos aos filmes aqui investigados: “Rainha Diaba” (1974) e “Madame Satã” (2002).
O primeiro filme, com argumento de Plínio Marcos, além de ser um grande expoente do drama
policial nacional, traz uma das mais importantes representações de personagem homossexual no
cinema brasileiro, justificando por si só a escolha para este
corpus
. Já o segundo filme é um retrato
da subalternidade, da masculinidade que intercambia entre os limites de gênero, da travestilidade
subversiva e dos marcadores sociais de classe e raça. Todos esses aspectos tornam valiosa a in-
vestigação de ambos no presente trabalho, pois tratam-se de imprescindíveis objetos para melhor
entender o debate acerca das masculinidades. Para fins de análise, escolhemos um conjunto de
cenas para cada filme, as quais oferecem material relevante para a compreensão do problema de
pesquisa.
1. Os estudos de gênero, as masculinidades e o cinema
Da Silva (2006) aponta que no final dos anos 1960 há uma crise na masculinidade. Com influência
dos movimentos feministas, a masculinidade passa a ser alvo de investigação. Pesquisadores par-
tem em busca de um modelo que melhor conseguisse representar suas identidades, resultando
desse movimento as primeiras investidas dos estudos masculinos ou
men’s studies
. Surgindo de
maneira tímida em países como Estados Unidos, França e Inglaterra, a “literatura masculinista”
propõe soluções para esse incômodo do homem contemporâneo (Da Silva, 2006).
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Masculinidades em cena
Mesmo com uma ressalva ou rechaço do movimento feminista em considerar a masculinidade
tema relevante em uma sociedade patriarcal, Connell (1995) afirmam que, embora os homens se
beneficiem daquilo que chama de “dividendo patriarcal”, apenas grupos específicos de homens
são totalmente privilegiados. De acordo com a autora, outros grupos de homens pagam, juntamen-
te com as mulheres, parte do preço por essa manutenção desigual de ordem de gênero. Nessa es-
teira, os homens gays, negros e afeminados se tornam também alvos sistemáticos de preconceito
e violência, ainda que em diferentes escalas. Assim,
a autora entende que, frente ao movimento de
liberação sexual da década de 1970, o consenso era de que o feminismo era benéfico para os ho
-
mens porque também sofriam com a imposição de papéis sexuais rígidos. O rompimento trazido
pelo feminismo permitia que os homens também se libertassem. Contudo, era necessário indicar a
responsabilidade dos homens na existência e na manutenção da ordem de gênero, na contribuição
de um sistema que oprime as mulheres à medida que os beneficia.
A crítica feminista foi importante para denunciar a abordagem essencialista da sexualidade, ins-
taurando a noção de que o sexo não definia os comportamentos ou papéis sociais, mas, sim, os
gêneros, percebidos como socialmente construídos e influenciados pela cultura. Tal perspectiva
trouxe uma abertura para que se pudesse pensar a construção social dos gêneros, questionando
os papéis sexuais antes vistos como “naturais” (Botton, 2007).
Desse modo, não entrou em crise
apenas a masculinidade, mas também as formas como se estruturava a vida entre homens e mu-
lheres. Portanto, afirma-se que não é somente uma crise da masculinidade, mas, sim, uma crise
das relações de gênero.
A partir desse movimento de crítica e reflexão, a ordem vigente começa a colapsar quando se aba
-
lam e passam a ser questionadas as bases principais nos quais sustentava-se a hegemonia, como
a conciliação entre vida familiar e mercado de trabalho, a perda significativa de emprego estáveis,
em sua maioria ocupados por homens, a incorporação massiva de mulheres a trabalhos antes ti-
dos como masculinos (Olavarría, 2003), entre outras questões.
Nesse ínterim, a principal crítica de Connell (1995) recai sobre a estrutura binária da socieda-
de, especificamente na disposição de dois modelos, o feminino e o masculino, os quais têm seus
gêneros reduzidos a categorias homogêneas, bem definidas e internalizadas dos papéis sexuais
masculinos e femininos tidos como padrão social. Connell percebe as diferentes formas de gênero
não como caracteres fixos, mas, sim, como múltiplas formas de vida, práticas e sistemas simbóli
-
cos para se relacionar. A autora discorda da ideia de que a masculinidade é um constructo natural,
rejeitando uma diferenciação essencialista e arbitrária e não relacional.
De acordo com Korin (2001), Connell percebe a masculinidade como uma qualidade fundamental-
mente social, afastando-se das distinções baseadas puramente no sexo biológico e repugnando o
determinismo biológico. Com uma discussão que é nutrida em Foucault, a autora percebe tanto o
gênero quanto a sexualidade como construções sociais e discursivas. Assim, a masculinidade é uma
complexa construção social, entremeada por sujeitos, práticas socioculturais e corpos sexuados.
Não obstante, o corpo se revela como um espectro que não escapa da masculinidade, embora esse
também não seja fixo. Dessa maneira, não existe corpo, e sim “corpos”, do mesmo modo que não
existe “masculinidade”, e sim “masculinidades”. Tais configurações abrem um leque de possibilida
-
des que ultrapassa o modelo clássico hegemônico e heterossexuado (Connell, 1995).
No que se refere aos estudos masculinos no Brasil, Berenice Bento foi um dos primeiros nomes a
escrever sobre o tema. A autora afirma que no país não se costumava discutir sobre masculinida
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
des, nem no âmbito acadêmico, tampouco na estrutura binária e patriarcal da sociedade. A pes-
quisadora aponta que estudar gênero era sinônimo de estudar a mulher, sendo sua dissertação a
pioneira na investigação da masculinidade na Sociologia brasileira.
De acordo com Bento (2015), a construção das identidades de gênero é relacional e não deve ser
um fator limitante ao associar exclusivamente homens e mulheres, deixando de problematizar
como cada um dos gêneros constrói suas identidades nas relações que estabelecem com os mem
-
bros do próprio grupo. Assim, Bento (2015) corrobora com o pensamento de Connell ao conce
-
ber que não existe uma masculinidade unívoca e que ela não constitui uma prática homogênea.
Logo, é preciso falar em “masculinidades”, reconhecendo os significados distintos para diferentes
grupos de homens, pois esses variam de cultura para cultura, variam em qualquer cultura dentro
de um certo período, e, por fim, variam no decorrer da vida de cada homem individual (Kimmel,
1998). Sob esse olhar, adota-se multiplicidades existentes das diversas masculinidades, tornando
o campo dos estudos masculinos um espaço fortuito para abordagens históricas e sociais. Connell
propõe quatro padrões principais de masculinidades: a hegemônica, a subordinada, a cúmplice e
a marginalizada.
A masculinidade hegemônica é uma configuração de gênero que garante a posição dominante dos
homens e, consequentemente, a subordinação das mulheres. É uma estrutura que adere à legiti
-
midade do patriarcado, e, uma vez construída em relação a outras masculinidades subordinadas,
encobre-as, exercendo domínio e violência coercitiva. Tais práticas de dominação e subordinação
envolvem discriminação, violência e abuso (Connell, 1995).
No que diz respeito à masculinidade hegemônica, Bento (2015) avalia que é um tipo que
permanece como definição de referencial para que outras formas de masculinidades possam –
ou não – ser legitimadas. Logo, dentro de uma cultura hegemonicamente presumida, o homem
branco, heterossexual, de classe média, é o padrão que se estabelece para que outros homens
sejam julgados e avaliados. Uma vez que esse padrão é imposto, muitos homens sentem-se incom-
pletos, pois a masculinidade hegemônica reivindica uma imagem de homens que detêm o poder,
são símbolos de força, sucesso, capacidade, domínio e controle, de modo que aqueles que não se
encaixam, não são vistos nem se percebem como “homens de verdade”. Não obstante, a ideologia
hegemônica aponta para direções de comportamento que devem ser adotadas pelos homens e que
se estruturam em relações assimétricas de gênero.
Dessa maneira, as definições da masculinidade na sociedade brasileira desembocam na manuten
-
ção de um poder que alguns homens têm sobre outros homens e sobre as mulheres. A esse respei-
to, tanto Bento (2015) quanto Connell (1995) apontam que mesmo a masculinidade hegemônica
convive e tende a se agrupar com outras formas de masculinidades que a cercam.
No que tange a masculinidade subordinada, Connell (1995) destaca que há relações de subordi-
nação que se estabelecem dentro do mesmo gênero, ao levar em consideração, por exemplo, que
os indivíduos heterossexuais se adequam ao modelo dominante enquanto os homossexuais fazem
parte do modelo subordinado. Assim, a masculinidade subordinada irá refletir o regime de domi
-
nação e subordinação que existe entre o próprio grupo masculino. De modo a exemplificar, entre
homens heterossexuais, homossexuais e transexuais, as dinâmicas sociais irão sempre privilegiar
a heterossexualidade reprodutiva, a qual é considerada como modelo mais “positivo” em detri-
mento dos outros. Por conseguinte, Connell (1995) aponta também que o simbólico, na masculini
-
dade subordinada, está mais próximo do simbólico da feminilidade. Já Bento (2015) aponta que os
homens heterossexuais estabelecem uma relação de subordinação e opressão com homens gays.
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Masculinidades em cena
Mais além, Novaes e Grossi (2021) refletem que esse conceito sugere uma pluralidade de vivên
-
cias da masculinidade por meio do seu cruzamento com outros marcadores sociais e de diferen-
ça. Logo, os aspectos étnico-raciais, a transexualidade e a homossexualidade são considerados e
compõem um terreno multiterritorial no qual se articulam estratégias para a sobrevivência desses
sujeitos. Desse modo, a masculinidade subordinada, por sua interseccionalidade, abre um campo
interdisciplinar para pensar formas de eliminar os limites das barreiras de gênero.
No caso da masculinidade cúmplice, Connell (1995) aponta que trata-se daquela pela qual os ho-
mens se envolvem com determinadas estruturas hegemônicas, mas não cumprem todas as práticas
com rigor. A masculinidade cúmplice usufrui das vantagens do que é “ser homem” numa sociedade
patriarcal, mas pode abarcar homens que não se encaixam no ideal da masculinidade hegemônica.
Na masculinidade cúmplice são poucos os homens que, em termos práticos, cumprem totalmen-
te o modelo normativo da masculinidade hegemônica. Ainda que alguns tenham alguma relação
com esse modelo, não chegam a incorporá-lo totalmente por dois motivos distintos: tanto porque
não podem usufruir dos benefícios da construção social da hegemonia masculina – leia-se poder,
prestígio, honra e outras vantagens – quanto pelo desejo de se distanciar dos conflitos que podem
surgir para os que estão inseridos nessas práticas hegemônicas. Do mesmo modo, um homem gay
não afeminado, que busca a virilidade como modelo para adequar-se, ser mais “aceito” socialmen-
te e utilizar-se do privilégio masculino, enquadra-se numa masculinidade cúmplice, pois embora
flerte com o hegemônico, dificilmente conseguirá usufruir de todos os privilégios que o homem
heterossexual possui.
Bento (2015) corrobora com o pensamento da autora, pois aponta que embora alguns homens
não façam parte do projeto hegemônico, aproveitam-se dos dividendos do patriarcalismo, pro-
blematizando que esse tipo de masculinidade perpassa questões sociais, econômicas e psíquicas,
mas aceitam a estrutura hierárquica das relações de gênero. De acordo com Grünnagel e Wieser
(2015), a hegemonia e a cumplicidade diferenciam-se das masculinidades subordinadas porque
a subordinação implica não participar do projeto hegemônico e das vantagens estruturais supra-
citadas. Mais precisamente, os aspectos imprescindíveis para poder aderir à masculinidade hege
-
mônica: não ser mulher, não ser gay.
Assim, como reflexo do patriarcado, se estabelece uma hierarquia em que a masculinidade hege
-
mônica está fincada no topo, a cúmplice está ladeada, muito próxima, mas sem poder ocupar o seu
espaço privilegiado; e, por outro lado, a feminilidade e a masculinidade subordinada se encontram
na base (Grünnagel; Wieser, 2015).
Por fim, Connell (1955) aponta que a masculinidade marginalizada é a relação entre grupos ét
-
nicos e classes subordinadas. A marginalização se relaciona com o poder que a masculinidade
hegemônica exerce sobre outros grupos. A autora ressalta que a masculinidade marginalizada se
caracteriza pela relação entre as masculinidades nas classes subordinadas e grupos étnico-raciais
e sociais, mas pondera que o caráter marginalizador é sempre relativo. Logo, a marginalidade
contrapõe-se à masculinidade hegemônica e potencializa-se ao entrecruzar-se com outros mar
-
cadores sociais.
A direção para qual Connell (1995) aponta é que a relação entre marginalização e autorização
pode estar presente também nas masculinidades subordinadas. De maneira a exemplificar, Con
-
nell aponta que embora o modelo mais preponderante de masculinidade subordinada ocorra por
meio da subordinação de homens gays por homens heterossexuais, esse não é o único exemplo
possível, pois homens heterossexuais podem ser excluídos a depender da posição econômica e
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
social que ocupam na sociedade. Assim, a subordinação está lado a lado da marginalização e vice-
-versa, ainda que a marginalidade possua um caráter mais evidente e distintivo, ocupando a outra
ponta do espectro, podendo inclusive abarcar o papel contra-hegemônico.
Além do mais, faz-se necessário compreender dois aspectos extremamente importantes para
pensar as masculinidades em suas diferentes configurações. Primeiro há que se considerar que
masculinidades diferentes são produzidas dentro de um mesmo contexto social, envolvendo
relações entre homens: de dominação, de subordinação, de marginalização e de cumplicidade.
Por vezes, esses processos ocorrem concomitantemente, como é o caso da masculinidade ho-
mossexual, que pode ser cúmplice e subordinada ao mesmo tempo. Em um segundo momento,
é necessário perceber que qualquer forma de masculinidade é complexa e contraditória, isso
porque é preciso trazer uma definição de masculinidade que não rotule gênero apenas como
uma categoria de pessoas.
Embora a ideologia hegemônica tenha convencionado o gênero como algo fixo e a masculinidade
tenha sido largamente construída por meio de mecanismos de controle social, os alicerces da he-
gemonia são constantemente tensionados. Assim, um tipo de masculinidade hegemônica pode ser
contestado ou transformado ao longo do tempo (Connell, 1995). A esse respeito, Badinter (1993)
afirma que a masculinidade se aprende e se constrói, não havendo dúvidas de que pode mudar ou
se transformar. Logo, o que foi construído, pode sim ser demolido para ser novamente construído,
ainda que a demolição completa não tenda a ocorrer e deslocamentos sejam mais prováveis.
O cinema, por sua vez, é um frutífero campo de investigação e problematização, situado em um
terreno que dialoga com diversos campos e teorias. Logo, se as identidades sexuais, raciais e de
gênero são socialmente construídas, o cinema enquanto artefato cultural também representa um
importante campo de análise, levando-nos a refletir de formas variadas sobre nossa cultura e co
-
tidiano (Kimmel, 1998).
Vitelli (2011) aponta que os filmes, embora possam conter informações globais sobre gênero e
sexualidade, não são agentes que desafiam os padrões básicos, e, em decorrência disso, terminam
por muitas vezes legitimando o comportamento dos homens e suas masculinidades. Em seu turno,
Fabris (2008) afirma que, na sétima arte, as imagens nos interpelam para que possamos assumir
nossos lugares na tela, para que haja identificação com algumas posições e ocorra a dispensa de
outras. Em vista disso, os filmes são produções midiáticas valorosas que devem ser investigadas.
Por fim, ao recorrermos aos Estudos de Gênero para uma interpretação dos significados por trás
do discurso fílmico e da representação das masculinidades, será possível perceber que diferentes
marcações de gênero aparecem frequentemente como legítimas, hegemônicas, desviantes, subal-
ternas, etc. (Fabris, 2008). Nesse sentido, por meio de uma abordagem culturalista, será possível
olhar as masculinidades como o entrelugar, espaço de indagação sobre “porque fazemos desta e
não daquela forma”, “de que forma aceitamos isso e não aquilo” e “de que maneira temos recusado
ser isto ou aquilo” (Fischer, 2007).
2. Pesquisa empírica: a representação das masculinidades no corpus
Para a trajetória empírica, elencamos como método a “análise de imagens em movimento”, da
pesquisadora Diana Rose (2002). Seu protocolo de análise é dividido em quatro partes: seleção,
transcrição, codificação e tabulação. A autora afirma que cada passo na análise de materiais au
-
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Masculinidades em cena
diovisuais envolve decisões e escolhas, sendo aquilo que é deixado de fora tão importante quanto
o recorte que está presente.
Na seleção, partimos de um movimento intencional e deliberado para a definição do material “bru
-
to” da pesquisa, na fase da escolha de programas ou “unidades de análise”. É necessário usar esse
recorte sempre a favor da pesquisa, tendo em vista que as escolhas teóricas e empíricas implicam
na seleção das unidades de análise e vice-versa.
Na etapa de transcrição, o objetivo é gerar um conjunto de dados que sirvam a uma profícua análi
-
se e uma posterior codificação. Ela resume e simplifica a imagem complexa em tela. Nesse sentido,
trabalhamos com tabelas com codificação do conteúdo verbal e não verbal de forma descritiva e
organizada de cada cena. Evidenciamos que o protocolo parte da premissa de que a transcrição é
sempre feita em dois momentos, em que o primeiro é responsável por descrever o aspecto visual
da história, como ambientação, figurinos e posições da câmera, e o segundo é uma transcrição
literal do material verbal, considerando aspectos como diálogos, sotaques e expressões linguísti-
cas. A fase de transcrição é essencial, pois é a partir do conteúdo transladado que são realizadas
as interpretações na fase de análise. Assim, os dois movimentos de transcrição, os quais abrangem
tanto a dimensão sonora quanto a verbal, são responsáveis por fornecer dados suficientes para
extrair conteúdo semântico discursivo do material audiovisual a ser analisado.
Por fim, as fases de codificação e tabulação operam de forma mais incisiva e analítica sobre o con
-
teúdo, nesse momento é feito um esforço de extrair ou inferir significados e categorias dos dados
para, então, propor uma posterior discussão dos resultados.
Isso posto, escolhemos criteriosamente algumas cenas para serem analisadas, as quais considera-
mos que atendem aos objetivos da pesquisa e aos aspectos mais relevantes do
corpus
de análise.
Optamos por não manter todas as tabelas no presente artigo, uma vez que ultrapassaria o limite
de páginas para a publicação, mas apenas a discussão dos resultados. No entanto, em respeito ao
leitor e à leitora, ilustramos a aplicação do método na análise da primeira cena.
2.1 Rainha Diaba
“Rainha Diaba” (1974) é um drama policial que narra a história de Diaba (Milton Gonçalves), um
homossexual que comanda, de dentro de um quarto de bordel, o tráfico de drogas do Rio de Janei
-
ro. No início do filme, ele toma conhecimento que Robertinho, um dos seus capangas, está prestes
a ser preso e começa um plano para que outra pessoa assuma a culpa. Diaba encarrega Caititu
(Nelson Xavier) de executar a tarefa; o comparsa escolhe Bereco (Stepan Nercessian), um jovem
gigolô, para ser o alvo. O rapaz é amante de Isa (Odete Lara), cantora do bordel.
Caititu insere Bereco no mundo do crime, tornando-o aos poucos em um marginal que conquista
espaço e reconhecimento. Em decorrência disso, quando esse começa a comandar o tráfico de
drogas, Diaba passa a ter sua importância cada vez mais diminuída. Ao final, ambos se enfrentam
em um encontro que irá revelar uma trama de traições, ganância e busca pelo poder.
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
2.1.1 Cena 01 (00:05:37 - 00:10:42)
CategoriaDimensão Visual
Cenário
Quarto da protagonista, aposentos no fundo do Bordel.
Figurino/
Caracterização
Diaba usa um short com estampa em branco e amarelo. Na parte de cima leva um robe de cetim salmão,
uma pulseira marrom e um colar de contas no pescoço.
Gestualidade/
Performance
Diaba muda de postura conforme apresenta-se a situação, de início tem uma postura relaxada, comporta-
mento meigo e voz calma. Depois, mostra um tom violento, ameaçador e cruel. Alterna entre a delicadeza e a
agressividade, também intercambia entre a efeminação e a emasculação, a partir de uma perspectiva binária.
EnquadramentoDesde um plano mais aberto, enquadrando todos que estão em cena, passando por um plano americano,
até um primeiro plano, no momento em que ela intimida os seus comparsas.
CategoriaDimensão Verbal/Sonora
Diálogo
Diaba:
Pega pra Diaba a tesourinha.
Lilico:
Nossa, que bagunça! Você é muito desmazelada, Diaba. Amanhã à tarde eu venho aqui e vou dar
uma arrumaçãozinha nas suas coisas.
Diaba:
Tá aí mesmo, não tem bagunça nenhuma, eu acho tudo que quero, é só você remexer aí que você
acha.
Lilico:
Ah, tá aqui! Debaixo de tudo.
Diaba:
Falei que tava! Me dá, quero fazer as unhas do pé.
Lilico:
Ah, deixa que eu faço, atende os homens, eles estão com pressa.
Diaba
(se dirigindo a um homem no quarto): Se abre, oh, coisa ruim.
Coisa Ruim:
Tá naquilo, mermo, diaba.
Diaba
: E tu veio aqui pra me dizer que é isso aí e pronto?
Coisa Ruim
: É como eu já falei pra tu, esse negócio de passar fumo em escola, pegou mal. Não é pra falar,
mas os cara largaram fumo na mão de filhinho de papai, caíram. E tá na cara que vão bater o serviço e os
homi vão acabar chegando em tu.
Diaba
(dirigindo-se aos outros homens no quarto); Que me dizem disso? Chamei vocês aqui para ouvirem
do Coisa Ruim o tamanho da encrenca. Agora, quero saber como é que fica.
Manco
: Não sei, nem quero saber. Eu só mando lá no caixa. Estudante?! Hum, essa raça pra mim não sig
-
nifica nada.
Diaba
(gritando para todos): QUEM É? QUEM É QUE LIDA COM ESSA RAÇA? (depois dirigindo-se a manco)
Fala manquitola da peste, tô mandando.
Manco
: Bem, esse negócio, é aí com os granfinos.
Gravata
: Eu não trato disso, Diaba. Eu sou mais eu com o pessoal dos cavalinhos. Estudante é com o com-
padre.
Diaba
: Coisa tua, Robertinho? Teve coragem de aprontar uma dessa pra Diaba? Papelão da sua parte, quis
te agradar e vê o que tu me aprontou? E se tu entrar em cana, vai gostar é? Bonito como é, é capaz de se dar
mal. E eu que fique aqui, sofrendo de preocupada. (dirigindo-se a Coisa Ruim) Então é ele é?
Coisa Ruim
: Matou Icema!
Diaba
: E tu? Como entra nessa história?
Coisa Ruim
: Olha, Diaba, não tem mais jeito.
Diaba
(partindo pra cima de Coisa Ruim com uma navalha): SACANA, NOJENTO, É PRA VIR COM ESSE
PAPO QUE EU TE DEI DIVISA? Se o Robertinho entrar em cana, tu vai aparecer boiando num rio, comido de
peixe, de navalha, escutou? Então abre bem o teu olho.
Coisa Ruim:
Mas o que se pode fazer, Diaba?
Diaba
: Não quero Robertinho preso. Vou arrumar outro cara pra dançar no lugar dele. Catitu tá na rua
cuidando disso, se eles arrastam o Robertinho, tá todo mundo ferrado.
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Masculinidades em cena
Na cena em que Diaba é apresentada, ela está isolada em seus aposentos com Lilico, rapaz gay e
pessoa de sua confiança. Os dois estão na cama, em um momento de beleza, depilando as pernas
e fazendo as unhas. Do lado de fora, vários homens “mal-encarados”, portando arma de fogo, são
recebidos por Isa. Eles estão à procura da protagonista, que, da maneira como referem-se, é uma
pessoa de quem deve-se ter medo, a qual não deve, sobretudo, ter sua vontade contrariada.
Dentro dos aposentos, a forma como Diaba interage com Lilico, com voz meiga e afetuosa, além do
gestual delicado, contribui para uma sensação de que estamos frente a alguém inofensivo, visto a
mansidão do seu timbre e a leveza com que se comporta. Porém, quando deixa o que está fazendo
para atender os capangas, basta uma fala: “Se abre, oh, coisa ruim”, o timbre engrossa, o olhar e a
postura corporal mudam.
Figura 01
- Diaba recebe os homens de confiança em seus aposentos
Fonte: YouTube (2019). Disponível em:
http://bit.ly/43AqWeh
A personagem assume um autoritarismo, torna-se despótica e parte para cima de todos, sem he
-
sitar. No caminho, grita com os homens, intimida-os e dispara ofensas, como quando se refere a
um comparsa como “manquitola”. Mais tarde, tomamos ciência de que ela tem relação direta com
a deficiência do homem.
Em outro momento, ameaça Coisa Ruim com a navalha, instrumento que vai acompanhá-la duran-
te todo o filme. Embora seja o grande chefe do tráfico, Diaba quase nunca aparece utilizando uma
arma de fogo, apenas arma branca. Simbolicamente, a navalha esteve associada à figura de tra
-
vestis e transexuais, pois era uma forma de defesa dos ataques que sofriam diariamente nas ruas.
De acordo com Mott e Assunção (1987), a expressão “navalha debaixo da língua”
4
é utilizada desde
a década de 1970, quando travestis e transexuais eram detidas por causa da prostituição e, como
forma de protesto, chegavam a se automutilar. Entretanto, os autores apontam que o maior objeti-
vo para portarem a arma era a autodefesa.
4
Tornou-se uma prática tão convencional esconder a lâmina como último recurso para sobrevivência, que em 2019 a canto-
ra trans Urias lançou a faixa “Diaba”, que conta com o trecho: “com a faca debaixo da língua, trá, trá, tô pronta pra briga”.
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
Voltando à Diaba, quando aborda Robertinho, adota um tratamento diferente, um pouco mais
ameno, nota-se uma relação de carinho, visto que tenta agradá-lo, preocupa-se com ele e busca
meios de salvá-lo; além disso, Diaba acha Robertinho bonito. Não por acaso, considerar a aparên-
cia de outros homens é algo recorrente no comportamento da personagem, de modo que também
influencia nas suas decisões e julgamentos.
De antemão, estamos frente a uma personagem de muitas camadas, que não somente adapta sua
performance ao que a situação pede, mas que também dita as próprias regras. Assim, Diaba fala
e comporta-se de maneira afeminada, apresenta trejeitos delicados, uma performance desviante,
porém, quando necessário, engrossa a voz, recorre à agressividade, oprime e subjuga. Desse modo,
pode-se dizer que desloca-se entre a efeminação e a emasculação.
2.1.2 Cena 02 (00:56:39 - 00:59:42)
Quando o bando adentra a sala, Diaba vai em direção ao homem com alcunha de “Gravata”, grita
com ele e o encurrala, depois parte para a agressão física. Dessa vez não há o uso da navalha, o
confronto é físico-corporal, dá socos no estômago, cotoveladas nas costas, além de levar o joelho
até a genitália do homem. Gravata não reage nem revida, ninguém na sala se move, apenas Diaba
com sua fúria, autoridade e poder.
Na vez de Robertinho, Diaba repreende o pupilo, faz mais uma vez menção à aparência do rapaz,
diz que ele se garante pelo fato de ser bonito, promete “endireitá-lo”, cita Manco e diz que foi res-
ponsável por lesionar sua perna, quando esse fez algo que não a agradou; então, pega a navalha e
retalha sua cara para dar-lhe uma “lição”.
Figura 02
- Diaba pune Robertinho com a navalha
Fonte: YouTube (2019). Disponível em:
http://bit.ly/43AqWeh
É importante observar que o castigo de Gravata advém dos próprios punhos da personagem, ela
resolve tratar com ele na força do braço, já com Robertinho recorre a já conhecida navalha. Em
ambas as abordagens há uma brutalidade no comportamento de Diaba, um timbre alto, grosso,
uma impostação da voz, o uso da força física e da violência, tais ferramentas têm o intuito de impor
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Masculinidades em cena
respeito e mostrar legitimidade. Quando sai de cena, Caititu revela a trama para derrubá-la, refere-
-se pejorativamente à personagem como “bichona”, o que demonstra o quanto ela é desrespeitada
nos bastidores.
Entendemos que quando Diaba enfrenta os traficantes, ela não pode deixar-se associar a um mo
-
delo subalternizado de masculinidade, com o prejuízo de ser oprimida, não ser respeitada entre
o grupo. Desse modo, reproduz os mesmos comportamentos masculinistas dos outros, buscando
um modelo de performance masculina mais próxima da masculinidade hegemônica, embora não
consiga fazer parte desse padrão.
A esse respeito, Bourdieu (1999) aponta que existe uma imposição da masculinidade hegemônica,
uma virilidade caricatural protagonizada nas performances gays que parece refletir na incorpora
-
ção dos critérios dominantes pelos indivíduos dominados. Logo, a figura do “gay masculinizado”
promove a esperada coerência heteronormativa entre as diversas instâncias de gênero. Entretan-
to, mesmo diante desse esforço de higienizar a identidade homossexual masculina, a orientação
sexual a qual pertencem não concebe que esse indivíduo usufrua dos mesmos privilégios que o
heterossexual (Fernandes, 2013).
A Diaba que vemos partindo para cima de outros “machos” é alguém que sente a necessidade de
evocar uma violência que atua sobre os demais, mas também contra si própria, porque conflita
com a sua identidade, ou ao menos uma parte dela. A Diaba que vemos falando com Lilico, por
exemplo, é tudo aquilo que a masculinidade hegemônica não é, pois sua performance não está
inserida em uma lógica de dominação masculina. Isso porque ela apresenta um gestual afetado,
trejeitos afeminados, comportamento meigo e sensível. De modo contrário, a masculinidade he-
gemônica reivindica ser másculo, viril, desprovido de sentimentos o tempo todo. Badinter (1993)
aponta que a dominação masculina sugere um “horror” às qualidades femininas nos homens, uma
vez que todos esses ideais de delicadeza, fraqueza e passividade são associados à mulher.
2.1.3 Cena 03 (01:16:03 - 01:22:45)
Quando se reúne com a sua irmandade para ir atrás de Isa, Diaba é sádica e cruel, sente prazer,
junto às outras, em torturar a mulher. Não se comporta da mesma maneira quando pune Gravata
e Robertinho, não há uma performance bruta, masculinizada, embora a violência ainda esteja pre-
sente. Seja por estar junto a seus braços direitos, seja pelo fato de Isa ser mulher. Voluntariamente
ou não, por ter sua importância diminuída por Diaba, a protagonista age de maneira dissimulada,
debochada, caricata, efeminada e dirige-se a Isa com desprezo.
Na cena da tortura de Isa, Diaba adota uma postura menos próxima de uma masculinidade hege
-
mônica e mais próxima de uma cúmplice, sua performance em tela é subversiva, desviante, mas,
ao mesmo tempo, a protagonista possui traços típicos da dominação masculina, ao reproduzir
comportamentos heterossexistas e misóginos em relação à mulher. Percebemos o reforço da ideia
de que todas as masculinidades coabitam entre si em um momento ou outro, ainda que o indiví-
duo não possa usufruir dos privilégios do significado do que é ser homem de acordo com uma
ideologia hegemônica.
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
Figura 03
- Diaba tortura Isa junto das suas meninas
Fonte: YouTube (2019). Disponível em: http://bit.ly/43AqWeh
Assim, Diaba é uma figura opressora frente aos traficantes, porque no fundo sente-se oprimida
por eles, mas é também uma figura opressora em relação à Isa porque gostaria de oprimir sem
sentir-se oprimida de volta. Isso reforça o pensamento de que no sistema simbólico de represen
-
tação alguns indivíduos oprimidos irão operar de maneira a tornarem-se opressores.
A esse respeito, Lima Filho (2007) aponta que é necessário não tornar o indivíduo oprimido irre-
tocável nem se prender a um maniqueísmo que coloca os sujeitos como bons ou maus, civilizados
ou selvagens, o tempo todo, mas, sim, problematizar o caráter hegemônico propriamente dito.
Para o autor, o maior artifício da hegemonia é “hospedar” no oprimido o opressor, de maneira
que: a mulher reproduz o machismo, o negro reproduz o racismo, o gay reproduz a homofobia e o
proletário reproduz a lógica do capital.
2.1.4 Cena 04 (01:27:00 - 01:38:15)
Na ocasião do encontro com Bereco, Diaba está apreensiva, cautelosa, pede para que Veludo revis
-
te o homem para a sua segurança, mas não sem antes elogiar a sua aparência “ele é pintoso, lindo
de morrer, mas vai ter que entrar na minha”. Tal fala mostra não somente a fraqueza de Diaba, mas
também que tem ciência de que ele não é confiável e que algo precisa ser feito. Entretanto, quando
o rapaz adentra o seu quarto, o seu semblante muda, a personagem demonstra-se mais aberta,
confiante, parece ter esquecido a origem da sua preocupação, demonstrando estar interessada no
rapaz.
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Masculinidades em cena
Figura 04
- Diaba recebe Bereco em seus aposentos
Fonte: YouTube (2019). Disponível em:
http://bit.ly/43AqWeh
A forma como a cena é montada, com Veludo sendo abatido lá fora, enquanto Diaba não percebe
nada que está acontecendo e cede cada vez mais às palavras de Bereco, demonstra uma ingenuida
-
de da personagem, além de uma trivialização da sua figura por interesses sexuais ou românticos.
Bereco é traiçoeiro, fala exatamente o que Diaba quer ouvir: “Fácil, eu sempre quis te conhecer”.
Para Diaba não é somente uma questão de ego, mas também uma necessidade em ser querida,
amada, não se sentir preterida ou sozinha. Tal sentimento não apenas acompanha indivíduos gays,
como é ainda mais latente em homens negros.
Prado (2021) reflete sobre a solidão dos homens pretos, apontando que esses servem apenas
como objeto de satisfação sexual do outro, muitas vezes de mulheres e homens brancos. A autora
pondera que embora a masculinidade hegemônica seja pautada em categorias excludentes, ainda
assim vivemos em uma sociedade atravessada por marcadores sociais, leia-se, marcadores de gê-
nero, classe e raça. Logo, em alguma instância, essa masculinidade poderá servir aos homens pre-
tos, desde que se apeguem ao machismo, sendo essa uma brecha para que assumam uma posição
de poder (em detrimento das mulheres).
Todo esse sistema auxilia na manutenção de relações embrutecidas, baseadas em um comporta-
mento sexista e predatório, além de contribuir para o distanciamento afetivo. Desse modo, homens
pretos são afetados por uma masculinidade que não os contempla, sendo necessário a construção
de novas narrativas de si próprio (Prado, 2021).
Lembremos que Diaba também carrega essa solidão em si, de maneira que almeja o reconheci-
mento de Bereco, quer sentir-se desejada e querida por ele. Motivada por esses sentimentos, ela
relaxa na sua presença, descuida-se e vira as costas para o seu algoz, o qual apanha a famigerada
navalha ao lado da cama e corta-lhe o pescoço. Ironicamente, Bereco é também traído por Caititu,
sendo recebido a tiros do lado de fora.
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
Figura 05
- Diaba em seus momentos finais mata Violeta
Fonte: YouTube (2019). Disponível em:
http://bit.ly/43AqWeh
Diaba não morre de imediato, ainda aparece muito ferida e ensanguentada para dar cabo de Vio-
leta, última integrante viva do bando, a qual também tramou para matar todos os outros envene-
nados. Diaba atira na mulher, para, logo em seguida, morrer em cima de um mar de corpos. Tal
cena representa não somente o final da trama, como o extermínio da protagonista e de todo o seu
bando.
3. Madame Satã
A cinebiografia conta a história de João Francisco dos Santos, figura reconhecida da Lapa, no Rio
de Janeiro, dos anos 1930. O protagonista é marginal, homossexual, negro, pobre, artista e trans
-
formista; quando sobe ao palco, transforma-se em Madame Satã, personagem emblemática da
noite carioca.
O filme mostra como João Francisco é ressabiado pelas cicatrizes e pelos obstáculos colocados
por uma sociedade classista e segregacionista, que constantemente vira-lhe as costas e o perse-
gue todas as vezes que comete crimes. A narrativa traz o estigma que o personagem enfrenta por
ser negro, pobre e homossexual. Recorrentemente situado à margem, João Francisco tem sonhos,
aspirações, um desejo de poder ser e viver diferente, mas sempre está envolto em um ciclo de so-
frimento, infortúnios e delitos.
Não obstante, o desenvolvimento do filme caminha para um ponto de virada na vida do persona
-
gem, quando começa a fazer espetáculos, tendo reconhecimento nos palcos, em um local no qual,
pela primeira vez, não precisa recorrer à violência ou à brutalidade para encontrar respeito. Expe
-
rimentando um pouco daquilo que sempre quis para si, João Francisco irá enfrentar algo que irá
colocá-lo novamente atrás das grades.
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Masculinidades em cena
3.1 Cena 01 (00:44:10 - 00:47:53)
Após ser barrado em um estabelecimento, perder a paciência e causar confusão, João conversa
com Laurita sobre o ocorrido. Aqui a temática mais preponderante versa sobre o controle dos
corpos, o público, o privado e como a sociedade vigia e limita sujeitos à margem de transitarem e
ocuparem determinados espaços.
Nesse sentido, a construção de algo que os separa dos demais é simbólica, mas impacta no co
-
tidiano daqueles que têm seu direito de ir e vir tolhidos em detrimento da manutenção de uma
sociedade segregacionista, restringindo a liberdade de um conjunto específico de pessoas, leia-se,
indivíduos negros, pobres e marginalizados.
A exemplo, no diálogo em que João desabafa com Laurita sobre todos adentrarem a boate e ele
não, a amiga retruca: “Porque você não é todo mundo”, tal marcação não é por acaso, serve se-
não para evidenciar a posição de subalternidade percebida por eles nas dinâmicas sociais. João,
enquanto homem preto e gay, vai precisar provar-se duas vezes mais para poder ocupar determi-
nados espaços na sociedade. A esse respeito, Silva (2000) aponta que diferentes corpos, margina-
lizados e excluídos, são recorrentemente associados a espaços específicos, à medida que outros,
não marcados pela diferença, transitam pelo maior número de locais possíveis.
Figura 06
- Laurita conversa com João Francisco após confusão causada por ele
Fonte: YouTube (2022). Disponível em:
https://bit.ly/3MZN36N
Na cena aqui trazida, quando Laurita questiona o comportamento violento do protagonista, ao
compará-lo com um “bicho”, reproduz um estigma social que associa homens negros a uma figura
animalesca e bestial. Por sua vez, João revela o desejo de “endireitar-se”, a amiga discorda de João,
dizendo que não há nada para endireitar, uma vez que ele já nasceu “torto”. Tal fala é problemáti-
ca, pois sugere que não há outro destino para João, posicionando-o num lugar de padecimento, à
medida que também revela um retrato social cruel no trato de indivíduos negros, pessoas margi-
nalizadas e das masculinidades racializadas.
Mais além, a mulher questiona sobre onde está o homem que lhe deu casa, comida e cuidou da
sua filha, revelando que João já se comportou de maneira diferente, ao que ele responde: “Tá aqui
na tua frente”, revelando o seu desejo de ser percebido dessa maneira pelos outros. Laurita então
tira a roupa e começa a provocá-lo, passando o pé na genitália de João. É válido ressaltar que em
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
outras cenas o pênis do protagonista é colocado em ênfase, de modo a evocar uma virilidade e
emasculação da sua figura.
bell hooks (1992) problematiza a ênfase dada à virilidade como um traço central da conduta de
homens negros e na análise sobre as suas masculinidades, reiterando que acaba por negligenciar
uma série de outras complexidades psicológicas, assim como significados e significantes pertinen
-
tes às masculinidades negras. Nesse sentido, a autora debate aquilo que intitula de “reconstrução”,
ou melhor, uma abordagem que se preocupa com estudos característicos acerca das masculinida-
des negras e com os reflexos comuns de representações que propagam uma masculinidade negra
como fundamentalmente falocêntrica.
Voltando ao temperamento do protagonista, Laurita questiona: “E por que você não se acalma?”. Tal
questionamento diz respeito ao estigma aqui já mencionado, o caráter raivoso do personagem em si-
tuações de conflito. João admite sentir essa raiva, como um sentimento que está dentro dele, que lhe
é inerente e que não sabe explicar, ao passo que Laurita diz que a raiva passa e ele rebate dizendo que
a sua raiva só aumenta e parece nunca ter fim. A construção desse diálogo mostra uma naturalização
de uma personalidade raivosa, tempestuosa e irracional relacionada à identidade negra.
No que tange a essa problemática, Ribeiro (2015) aponta que esse panorama auxilia na percepção
de certos atributos, comportamentos e estigmas veiculados em imagens controladas, sugerindo
que se faz necessário discutir as masculinidades negras mediante narrativas que distancie o que
o sujeito pensa sobre si mesmo das construções arbitrárias feitas sobre ele, de maneira que os
homens negros possam compor relatos sobre si que estejam longe dessas representações norma-
tizadas sobre o “eu”.
Figura 07
- João Francisco resiste a polícia
Fonte: YouTube (2022). Disponível em:
https://bit.ly/3MZN36N
Ao propor um desmonte dessa postura, bell hooks (1992) refuta uma representação de masculi-
nidade negra que embora pretenda ser racialmente autêntica, falha ao retratar um estereótipo de
virilidade, truculência, anti-intelectualíssimo, hipermasculinização, hipersexualização e fetichi-
zação do homem negro, que indevidamente aparece representado como um modelo agressivo,
grosseiro e incapaz.
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Masculinidades em cena
3.2 Cena 02 (01:23:29 - 01:30:16)
Terminada mais uma apresentação como Madame Satã, João comemora o sucesso do espetáculo
ao lado de Amador, dono do local. Os dois cantam e dançam juntos. No fundo, encostado no balcão,
está um homem que observa a cena, mas logo é informado por Amador que o local está sendo fe-
chado. Visivelmente embriagado, o homem reage de maneira violenta, desaprovando a dança que
presenciou.
Ainda que a situação significasse apenas um momento descontraído e de amizade entre dois ho
-
mens, o bêbado começa a gritar: “Pode continuar com a maricagem, faz de conta que eu não tô
aqui”. João reitera que vão fechar o lugar e ouve mais provocações: “Vocês estão querendo que eu
vá embora para continuar com essa sujeira, não é?”, “Tá fantasiado de homem ou de mulher? Fala,
fala, fala. Viado! Beiçola de merda!”, após ter resistido às provocações, João perde a paciência e
grita: “Eu sou bicha porque eu quero, e não deixo de ser homem por causa disso não”. Aqui João
afirma sua sexualidade, ao passo que não desconsidera a sua masculinidade, em um esforço de
distanciar-se da associação do homossexual a uma figura feminina.
No entanto, há que se ponderar que Madame Satã é uma figura dúbia, a qual transita de maneira
flexível entre o masculino e o feminino, ambos aparecem coadunados em uma performance de
travestilidade representada no filme. Portanto, por que não falarmos sobre uma masculinidade
travesti? Ora, se o masculino ou feminino fosse apenas uma característica percebida no homem ou
mulher respectivamente, não seria possível notar a presença do feminino em homens e do mascu-
lino em mulheres, por exemplo.
Figura 08
- João Francisco apresenta-se como Madame Satã
Fonte: YouTube (2022). Disponível em:
https://bit.ly/3MZN36N
Mais além, Pelúcio (2004) aponta que situar-se no entremeio, no entrelugar, é uma dinâmica que
não é vivenciada sem conflitos, de modo que em seu artigo “Travestis, a (re)construção do femini
-
no: gênero, corpo e sexualidade em um espaço ambíguo”, ela provoca-nos a reflexão: “Onde acaba
o homem e começa a mulher?”. Logo, tomando a liberdade de parafraseá-la: “Onde termina João e
começa Madame Satã?”. Não é tão fácil encontrar tal resposta. Ainda que os dois aspectos estejam
presentes, habitando o mesmo corpo, numa constante reconfiguração das dinâmicas de gênero,
não há limites tão precisos ou fixo nesses corpos.
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
A autora ainda aponta que embora a feminilidade seja um aspecto estrutural na construção de
gênero para indivíduos travestis, muitas vezes não é uma opção desfazer-se de características que
são percebidas como pertencentes ao campo da masculinidade (Pelúcio, 2004).
Garcia (1998) observa que essas diversas formas e configurações da masculinidade, as quais
criam categorias sexuais, acompanhando as mudanças globais e os impactos na cultura, têm afeta-
do e ameaçado a concepção hegemônica de masculinidade. Por esse motivo, João, a Madame Satã,
incomoda tanto, causa tanta repulsa e ameaça a estabilidade do “macho” bêbado no bar. Ele não
somente é um indivíduo, mas senão a personificação da própria masculinidade hegemônica.
Voltando à cena propriamente dita, o homem irritado com a resposta de João, começa a golpeá-lo
no rosto. Amador tenta apaziguar a situação, aconselhando que João não revide, pedindo para
que vá para casa. Em um primeiro instante João acata o conselho, retira-se e vai embora. Em casa,
vemos o personagem lavando o seu rosto ensanguentado. Mais tarde, João cria uma emboscada e
persegue seu agressor, a quem mata pelas costas com disparos de revólver.
Figura 09
- João Francisco aparece preso após o crime cometido
Fonte: YouTube (2022). Disponível em:
https://bit.ly/3MZN36N
Tal desfecho para o personagem e a narração em voz off
que reproduz a condenação, sentença de João
Francisco pelo crime cometido, reflete o destino fatalista que algumas representações e a própria fic
-
ção reserva para determinadas identidades, a exemplo também do desfecho de “Rainha Diaba”. Logo, é
preciso insistir na desmistificação de uma identidade masculina negra violenta, que reforça o estigma e
a culpabilização do homem e das masculinidades negras, ofuscando questões mais básicas e urgentes.
Considerações finais
Ambos os filmes trazem uma representação marginalizada e subalternizada da masculinidade ra
-
cializada em personagens gays. Curiosamente, a personagem central de Rainha Diaba tem como
inspiração a figura de João Francisco do Santos, a Madame Satã, personagem real na qual inspira
-
-se a cinebiografia homônima aqui investigada.
No que se refere à ordem de gênero, João Francisco e Diaba, inseridos no submundo do crime,
precisam aderir à lei do mais “forte”, do macho “másculo”, imponente e viril, para lidarem com
os outros homens e poderem transitar por esse meio. Assim, em uma visível tentativa de emas-
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19
Masculinidades em cena
culação das suas figuras, são agressivos, engrossam a voz e partem para cima dos outros quando
precisam impor-se ou serem respeitados. Outro aspecto comum nessas representações é que os
personagens são movidos por interesses sexuais e amorosos, sendo esse o motivo da ruína deles,
como quando Diaba cede a Bereco e encontra seu trágico desfecho.
Tais achados mostram que os dois personagens aparecem de maneira excessivamente masculini-
zada, virilizada e violenta, recorrendo a uma agressividade e truculência. Além disso, evoca-se um
caráter sexualizado e falocêntrico, a exemplo de João Francisco e a ênfase que é dada ao seu pênis
em algumas cenas. Nesse ínterim, tanto a hipersexualização quanto essa busca amorosa versam
não somente sobre uma fetichização do corpo negro, como revelam um retrato cruel de solidão
que é conferida a essas identidades na sociedade segregacionista em que vivemos.
Vale ressaltar também que ambos apresentam uma performance desviante, usando vestimentas
femininas, portando-se de maneira afeminada, com gestos afetados, por vezes beirando o caricato.
Essa configuração mostra que há um deslocamento nas representações dos personagens, um en
-
tremeio, entrelugar, na qual intercambiam entre uma emasculação e uma efeminação, tal achado
refuta a hipótese essencialista de que a masculinidade e feminilidade são traços centrais em ho
-
mens e mulheres respectivamente.
Do mesmo modo, confirma a ideia de que se a masculinidade e o próprio gênero fossem formas
fixas e não um caráter fluído, não poderíamos notar a presença do feminino no masculino e vi
-
ce-versa. Ambos os personagens flertam com uma travestilidade e feminilidade, demonstrando
o quão tênue é a barreira dos limites impostos pela ordem de gênero e como elas existem para
impor uma masculinidade hegemônica que, embora preconizada e enraizada em sociedade, pode
ser desestabilizada.
A esse respeito, Miskolci (2012) aponta que o masculino e o feminino estão em homens e mulhe-
res, em ambos. Cada sujeito, seja homem, seja mulher, tem gestuais, formas de fazer e pensar que
socialmente se pode qualificar como masculino ou feminino independentemente do nosso sexo
biológico. Mais além, essas características lidas a partir da binaridade que estrutura a sociedade
não mais deveriam se aprisionar em dois gêneros.
Por fim, concluímos que a masculinidade hegemônica não somente é preponderante, habitando
vários corpos, muitas vezes em conjunto com outras instâncias performativas de gênero, cami-
nhando lado a lado com diferentes formas de masculinidade (cúmplices, subalternizadas e mar-
ginalizadas), porém, funcionando como uma força dominante e opressora. Consideramos que ela
não é benéfica para nenhum grupo social, uma vez que mesmo aqueles que se beneficiam do divi
-
dendo patriarcal, podem eventualmente sofrer com rígidos papéis sociais e pelo reforço da norma.
No que diz respeito às representações da masculinidade nos filmes analisados, reiteramos que
uma representação plural para as diferentes identidades é sempre tida como mais positiva, uma
vez que reconhecer as várias formas de viver e experienciar o significado de “ser homem”, sem
modelos fixos, é benéfica ao apresentar aos diferentes grupos – homossexuais, heterossexuais,
cisgêneros ou transgêneros – a possibilidade de legitimação de múltiplas masculinidades, espe
-
cialmente quando outros marcadores sociais, como o de raça e de classe, se fazem presentes e
complexificam sua representação.
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
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Jônatas Breno Silva Santos; Renata Barreto Malta
Masculinities on Scene:an analysis of
“Rainha Diaba” and “Madame Satã”
Abstract:
Cinema is an important object of analysis in Social
Sciences, reflecting culture, identities and social
roles. Uncovering gender relations and male repre-
sentations, his films attribute sexual roles to men
and manage the power relations around them. Ba
-
sed on this perception, it emerges an interest in in-
vestigating masculinities in gay characters in Brazi
-
lian films, more precisely in “Rainha Diaba” (1974)
and “Madame Satã” (2002), where the protagonists
are inserted in a context of subalternity, marginali-
ty, deviation and social rupture. Thus, this research
aims to understand how the protagonists of those
movies are represented regarding gender territo-
ries and other social issues, such as race, ethnicity
and class. For this purpose, the “analysis of moving
images” protocol by the researcher Diana Rose will
be applied. As a result, it is expected to contribute
to studies related to the field of representation and
cinema.
Keywords
: Gender. Masculinities. Representation.
Gay characters. Brazilian cinema.
Masculinidades en escena: un análisis de
“Rainha Diaba” y “Madame Satã”
Resumen:
El cine es un importante objeto de análisis en las
Ciencias Sociales, reflejando la cultura, las identida
-
des y los roles sociales. Al descubrir las relaciones
de género y las representaciones masculinas, diver-
sas películas asignan roles sexuales a los hombres y
manejan las relaciones de poder a su alrededor. En
base a esta percepción, existe un interés por inves
-
tigar las masculinidades en los personajes protago-
nistas homosexuales de las películas brasileñas, más
precisamente en “Rainha Diaba” (1974) y “Madame
Satã” (2002), en las que los protagonistas se inser-
tan en un contexto de subalternidad, marginalidad,
desviación y ruptura social. Por lo tanto, esta inves
-
tigación tiene como objetivo entender cómo los pro
-
tagonistas de ambas películas son representados en
términos de territorios de género y otros marcado-
res como raza, etnia y clase. Para ello, se utilizará el
protocolo “análisis de imágenes en movimientos” de
la investigadora Diana Rose. Al final, se espera con
-
tribuir para los estudios relacionados con el campo
de la representación en el cine.
Palabras clave
: Género. Masculinidades. Repre-
sentación. Personajes gays. Cine brasileño.
HISTÓRICO
Recebido: Janeiro/23
Parecer: Março/23
Parecer: Abril/23
Aceito: Abril/23
Revisado Autor: Maio/23
Revisão Gramatical/Ortográfica e ABNT: Junho/23
Revisado Autor: Junho/23
Diagramação: Junho/23
Publicado: Junho/23
Equipe Editorial Revista TOMO envolvida no processo editorial deste artigo
Marina de Souza Sartore (Editora-Chefe)
Gabriela Losekan (Editora assistente júnior)