1

Revista TOMO, São Cristóvão, v. 42, e17612, 2023
DOI: 10.21669/tomo.v42i

Data de Publicação: 10/01/2023
Dossiê: Teorias Críticas Decoloniais

Bruxas e seus saberes ancestrais: um olhar a partir das
perspectivas feministas decoloniais

Rafaela Werneck Arenari Martins1

Mauro Macedo Campos2

Resumo:
Neste artigo objetiva-se compreender,mediante um esforço teórico, como os saberes de mulheres bruxas
são adquiridos e como esses ensinamentos se perpetuam no tempo. Em diálogo com noções feministas,
principalmente decoloniais, evidenciamos pistas sobre a relação entre grupos de mulheres consideradas
bruxas e a natureza. Destacamos ainda como os marcadores de gênero, raça e classe se conectam à rotina de violência que se pereniza contra as bruxas, fomentando práticas contra a existência de corpos específicos
e colocando em evidência a prevalência de uma “caça às bruxas”, ainda no cenário atual. Chama atenção,
ainda, os processos de resistência desse grupo de mulheres às tentativas de extermínio por meio da perpe-
tuação de seus saberes.
Palavras-chave: Bruxaria. Feminismo decolonial. Gênero. Conhecimento.

Introdução

A palavra “bruxa” possui sentido plural, muitas vezes remete a um universo mítico de mulheres
consideradas perversas, de magias sobrenaturais, demônios e deusas. Essas noções foram cons-
truídas por aqueles que as perseguiram – membros do clero e de uma parte da população de al-guns países europeus, desde o final da Idade Média – e as condenaram à morte, por meio da força política que as religiões cristãs exerciam à época. Essas imagéticas, no entanto, ainda são reforça-das atualmente por meio de contos, livros, desenhos e filmes (Cabot, 1992).Ao se lançar a um simples exercício de fechar os olhos e imaginar uma bruxa, é bem provável que o leitor imagine mulheres mais velhas e de aparência assustadora: com verrugas no nariz, chapéus
compridos, montadas em vassouras, que criam gatos pretos3. Aliás, alguns grupos sociais ainda
compreendem as bruxas como mulheres que têm práticas “como manter intercurso sexual com cadáveres; ou que cultivam o hábito do canibalismo e roubam crianças” (Russell; Alexander, 2019,
1 Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Centro de Ciências do Homem. Laboratório de Ges-tão e Políticas Pública. Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: rafaelaarenari@gmail.com. https://orcid.org/0000-0003-1164-7021 2 Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Centro de Ciências do Homem. Laboratório de Gestão e Políticas Pública. Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: mauromcampos@uenf.br. https://orcid.org/0000-0001-9472-5165. 3 Russell e Alexander (2019) destacam que as imagens como as bruxas más, de contos como a “Branca de Neve” ou do “Má-gico de Oz”, são algumas das responsáveis por fixarem essa imagética no imaginário de muitas gerações.

2

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

2

p. 22). Todavia, outros modos de produzir saberes e narrativas a respeito dessa figura também existem em contraponto às fábulas e crenças citadas. Perspectivas esotéricas, históricas, antropo-
lógicas e das ciências da religião se destacam hegemonicamente em relação à produção de regi-
mes de verdade4 sobre a bruxaria.Segundo Russell e Alexander (2019) e Silva (2012), a história, a antropologia e as ciências da reli-
gião são os campos do saber que hegemonicamente se lançam a pesquisar a temática da bruxaria.
Os estudos históricos, em sua maioria, se interessam pela investigação da relação entre a bruxaria e a figura do demônio, construída no solo europeu (Russel; Alexander, 2019), ou em examinar
processos inquisitoriais, que em grande número partem da perspectiva daqueles que perseguiam e condenavam as bruxas (Silva, 2012; Rocha, 2017). Em alguns estudos antropológicos, princi-
palmente no campo da antropologia social, percebe-se o esforço de separar e categorizar esse fenômeno nas culturas humanas (Russel; Alexander, 2019). As ciências da religião destacam as-
pectos da cultuação de deuses e deusas e prática de atos que consideram magia. Existem, ainda, concepções esotéricas, facilmente encontradas em livros de ocultismo (tarô, astrologia, quiroman-cia, dentre outros), que relacionam esses saberes e práticas à bruxaria (Russel; Alexander, 2019; Cabot, 1992).
São abordagens que nos permitem presumir que a bruxaria ultrapassa aspectos religiosos, míti-cos, como também antropológicos e históricos (Russel; Alexander, 2019; Cabot, 1992; Silva, 2012; Rocha, 2017). A fim de tecer análises e tomar caminhos diferentes das perspectivas que compre-
endem esse fenômeno por uma ótica pejorativa, apostamos, aqui neste artigo, em diálogos com
epistemologias feministas, principalmente decoloniais, que ressaltam concepções críticas da no-ção de mulher, de natureza e de conhecimentos tradicionais, que se perpetuam no tempo. Além
disso, as epistemologias feministas decoloniais contribuem para a compreensão sobre a relação
das bruxas com a natureza, bem como a atualização dessa relação. Tal perspectiva é pensada principalmente por intelectuais latino-americanas, afrodescendentes,
mestiças, não brancas, que denunciam a origem da geopolítica desigual do conhecimento na ex-periência colonial europeia nas Américas e na África. Nesse contexto, Zaragocin (2017) considera
que o colonialismo5 representa um marco na constituição de uma matriz capitalista-patriarcal
de dominação econômica e intelectual, sustentando as desigualdades socioeconômicas e entre
nações6.Na esteira dessas discussões, Françoise Vergès (2019) aponta para a importância em se dar visibi-
lidade para as pesquisas e produções vinculada à estrutura social marcada pelo gênero, racializa-da e estratificada, na qual mulheres negras e latino-americanas “limpam os espaços que o patriar-cado e o capitalismo neoliberal precisam para funcionar” (p. 15). São elas que desempenham um trabalho perigoso, mal remunerado e considerado não qualificado, e muitas vezes criminalizado. Têm ainda seus conhecimentos desqualificados e transformados em saberes de menor importân-
cia no corpo social.

4 Para Foucault (2010, p. 67), regimes de verdade implicam naquilo “que constrange os indivíduos a um certo número de atos de verdade”, estabelecendo, para tais atos determinados, condições e efeitos específicos.5 A colonialidade se trata de um padrão de poder colonial que se estabelece durante o colonialismo e se perpetua mesmo com o fim das colônias. Ela estabelece hierarquias e classificações sociais que estruturam o sistema-mundo capitalista/moderno/colonial (Escobar, 2015; Quijano, 2005). 6 O feminismo decolonial latino-americano se junta ao movimento das mulheres negras e não brancas e evidencia que o racismo é parte central no eixo da opressão patriarcal-capitalista. Não podemos pensar em feminismo brasileiro ou latino--americano sem considerar nossa herança colonial escravista (Hollanda, 2020).

3

Bruxas e seus saberes ancestrais

3

No conjunto dessas mulheres que resistem nas periferias do capitalismo destacamos, na esteira
dessas teorias, as bruxas – não apenas as europeias, mas, principalmente, aquelas que habitam as terras colonizadas –, que historicamente se consolidam como figuras paradoxais: necessárias e
execradas por sociedades que as procuram e as rejeitam, que pagam por seus serviços, mas que as
entregam para purgarem seus pecados na fogueira.Opondo-nos às concepções que negam a existência da bruxaria, entendemos que o descrédito à
vida das bruxas promove a negação de um passado sangrento que resultou no maior genocídio de mulheres da história, ocorrido ao longo dos séculos XVI e XVII, período notabilizado pela “caça às bruxas”, cujos reflexos se estenderam até os dias atuais com a perseguição e o assassinato de mulheres (Federici, 2018). O fato é que as bruxas existem e as imagens sobre elas são construídas e perpetuam-se ao longo
das eras históricas. A Antiguidade nos apresenta elementos de um imaginário que se prolonga no tempo adaptando-se aos novos contextos, ganhando novos contornos e se solidificando na confor-mação de uma figura que permanece, que resiste. Elas sobrevivem, mesmo quando a tecnologia se sobrepõe à magia, o saber médico se coloca como o detentor da verdade sobre os corpos e os
fármacos tentam folclorizar o poder de cura das plantas. As bruxas permanecem vivas nos contos,
na mídia, nas mulheres que se vinculam a grupos neopagãos, nas rezadeiras, nas parteiras, nas
curandeiras, ou seja, naquelas que estabelecem com a natureza uma relação singular e, por meio
dela, cuidam e curam.

Estas são as bruxas que nos interessam neste artigo: mulheres que possuem um envolvimento não
predatório com a natureza e que por isso criam, articulam e disseminam conhecimentos forjados
a partir dessa relação. A proposta, então, reside em falar de grupos de mulheres tanto europeias
como, e principalmente, moradoras de Abya Yala7, que manejam saberes junto à natureza, e refle-
tir sobre a capacidade que possuem de transmitir conhecimentos que podem resultar em outros
regimes de relação com a terra8.

1. O fio condutor: natureza, capitalismo e caça às bruxas

A sustentação de uma sociedade capitalista se baseia, em grande medida, na predação da natureza,
transformando-a em um recurso a ser dominado, explorado e comercializado. Esse pano de fundo
se recrudesce por meio do descaso com o planeta e a violência histórica contra grupos minoritá-rios, como as populações negra, indígena e as mulheres (Ndlovu, 2017; Krenak, 2019; Federici, 2019; Escobar, 2015). É nesse horizonte que Marx (1988) aponta o fato de que o desenvolvimento
econômico do capitalismo acarreta desequilíbrios entre a produção capitalista e o mundo, posto
que esse modo de produção tende a dirimir a força histórica de mudança social prejudicando o intercâmbio material entre as pessoas e a terra.
7 Baseamos este artigo, principalmente, em epistemologias decoloniais e, por isso, lançamos mão da denominação Abya

Yala para falar do continente americano, entendendo a força política dessa autodesignação forjada pelos povos originários desse continente (Gonçalves, 2011).8 O termo terra aqui é utilizado como sinônimo de natureza (Aymoré, 2020).

4

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

4

Para Krenak (2019, p. 9), a ideia de desenvolvimento e progresso enquanto produção incessante
de bens materiais induz a uma concepção de humanidade “plasmada, homogênea”, na qual sujei-
tos críticos e conscientes são substituídos por consumidores de mercadorias. Em nome disso, ex-
pande-se a lógica de exploração da natureza, enquanto fonte inesgotável de recursos, que ameaça
a existência de todos os seres, humanos e não humanos.

Com efeito, tem-se como notório o fato de que na contemporaneidade os saberes tradicionais em-basados no conhecimento dos elementos da terra perderam espaço, ficando sufocados e esque-
cidos. Aliás, assim como nas lógicas capitalistas, racistas e coloniais, a lógica patriarcal9 contribui
para a invisibilização, desvalorização, exploração e apropriação de saberes, trabalhos e atividades
realizadas pelas mulheres. E, nesse caso, como elas operam e divulgam os seus saberes e manu-seios com os elementos da natureza (Beltrán, 2016).
Nesse contexto, deve-se ainda considerar que a lógica da evolução econômica do capitalismo
acarretou uma degradação social e ecológica, dualizando essas dimensões ao separar e hierar-quizar natureza e cultura (Marx, 1988). Oliveira (2002) destaca que as raízes históricas des-se dualismo conceitual, que envolve a natureza no capitalismo, remetem ao filósofo Immanuel Kant, para quem a natureza interior dos seres humanos compreendia suas paixões cruas, en-quanto a natureza exterior era o ambiente social e físico no qual os seres humanos viviam. Essa separação estabelece uma relação em que o ser humano define a natureza enquanto uma força
externa a si mesmo, sobre a qual ele teria direito inato de exercer seu domínio. Na contramão da premissa kantiana, a leitura de Marx convoca a pensar na necessidade de questionar essa
separação, que se apresenta muitas vezes como uma categoria cristalizada, entre a natureza e a sociedade, entendendo, por sua vez, essa relação como um produto histórico (Marx, 1998) e culturalmente assentado (Krenak, 2020). As contribuições de Marx (1998) fazem notar que o ciclo de trocas metabólicas entre os usos
humanos e a natureza ao ser dominado pela acumulação do capital passa a funcionar como um
saque, uma violência que resulta em uma deformação na relação sociedade e natureza. Com a
emergência desse sistema há a produção de uma rede de desigualdades e a separação da huma-nidade da natureza (Federici, 2018; Beltrán, 2016). Essa “aliança” entre Estados modernos, Igreja
Católica, sociedade e a lógica da acumulação primitiva criminalizou as práticas de adoração, re-
verência e celebração da natureza e elegeu as mulheres como alvos de uma perseguição que se
desencadeou na caça às bruxas.Em seu livro “O Calibã e a Bruxa”, Silvia Federici (2018) afirma, com base em uma análise docu-
mental histórica, que a caça às bruxas contribuiu diretamente para a expansão do sistema capita-
lista, ao passo que, ao condenar à fogueira centenas de milhares de mulheres, prejudicou as rela-ções sociais e o poder popular. Além de tentar anular a vinculação das mulheres com a natureza e submetê-las à esfera privada e doméstica, consolidando a família nuclear burguesa, na qual as estruturas estatais e patriarcais se fortaleceram (Maestro, 2013; Federici, 2018).
9 A noção de patriarcado vem sofrendo críticas pelo pensamento feminista, por ter se tornado uma ideia esvaziada de sen-tido (Morgante; Nader, 2014). Piscitelli (2001, p. 7) afirma que esse conceito acaba colocando sérios problemas metodo-lógicos, ao referir-se muitas vezes a um sistema político invisível, se tornando um termo genérico e “universalizando uma forma de dominação masculina situada no tempo e no espaço (...) tornando-se um conceito trans-histórico e trans-geográ-fico e, ainda, porque esse conceito é essencializante, na medida em que ancora a análise da dominação na diferença física entre homens e mulheres, considerada como aspecto universal e invariável”. Essa definição é utilizada aqui como um meio de demonstrar que a subordinação das mulheres não é natural e por isso é possível combatê-la.

5

Bruxas e seus saberes ancestrais

5

Federici (2018) ainda assevera que, para a produção de valor no capitalismo, é necessário a apro-
priação do comum. Por isso, ao serem cercadas as terras comunais, os corpos femininos consti-tuem enquanto comum e passam a ser usados a serviço da acumulação capitalista (por meio da apropriação do que a autora considera como trabalho reprodutivo). Desse modo, a acumulação
primitiva, responsável pela formação de um proletariado mundial, não foi somente “a expropria-ção dos meios de subsistência dos trabalhadores europeus”, mas também “a escravização dos po-vos originários da América e da África” (Federici, 2018, p. 119), que, como Marx (1988) ressalta,
foi decisiva para o desenvolvimento capitalista.

As práticas recorrentes de ataque às mulheres se exprimem como um instrumento que propicia
iniciativas vinculadas a apropriações de suas terras, dos seus saberes e do próprio corpo feminino (Federici, 2019; Beltrán, 2016; Lugones, 2008; Preciado, 2008). O somatório dessas práticas ten-
de a afetar a capacidade de disseminação do conhecimento adquirido por essas mulheres, que se diluem e se reconfiguram com o tempo.Historicamente, alguns grupos de mulheres utilizam saberes tradicionais de saúde autogestivos
de cura do corpo por meio da observação e manuseio de elementos da natureza. A manutenção
das tradições imputa em práticas de resistência em meio a um cenário quase sempre adverso.
Esses conhecimentos representam uma ameaça para os saberes hegemônicos, principalmente,
considerando aquelas mulheres que possuíam conhecimentos curandeiros sobre ervas e ciclos da
terra, que lavravam, adubavam e acessavam a natureza, acompanhando seus ritmos, se conectan-do com ela (Tosi, 1998; Thomas, 1991; Federici, 2018, 2019; Preciado, 2008; Silva, 2012).
No entanto, o conhecimento sobre a terra e as plantas e suas formas de cura, em tempos e espaços distintos, atribuiu a tal grupo (de mulheres) a “condição” de “servas do diabo” pela “aliança” entre
igreja, Estado e sociedade patriarcal. Nesse cenário, elas passaram a ser conhecidas e criminaliza-
das por suas práticas de bruxarias, e, por isso, foram condenadas à tortura e à morte nas fogueiras da inquisição (Federici, 2018, 2019).Nesse contexto, o Ocidente, a partir do final do século XV, também vai tratar as chamadas bruxas,
tanto no território europeu como nas colônias, com sangue e fogo. O que culminou na morte de
milhares de mulheres, elas que majoritariamente foram condenadas à tortura e à morte pela acu-sação de bruxaria. Russel e Alexander (2019) afirmam que aproximadamente 110 mil pessoas foram torturadas sob essa acusação, sendo que pelo menos 60 mil delas foram executadas pela inquisição. “Milhares de mulheres, centenas de milhares de mulheres, torturadas, presas, queima-das em praça pública” (Federici, 2019, p. 28).Apesar de não haver uma consonância acerca do modo de organização e autonomia das mulheres nas sociedades que preexistiram às lógicas de opressão de gênero (Beauvoir, 2014), Bachofen (1861) e Gimbutas (1991) defendem a existência da Era das Deusas10, na Europa e na Ásia, quan-do predominava a centralidade política feminina, definida pela propriedade comum do solo e por
uma relação com a natureza não instrumentalizada, e que, de forma oposta, daria a elas estatuto de sujeito. Mesmo com a consolidação do patriarcado durante a Antiguidade, a relação feminina com a natureza era íntima, resultando em conhecimentos e práticas específicas sobre a terra, as plantas e o próprio corpo (Tosi, 1998; Thomas, 1991).
10 As civilizações consideradas matriarcais.

6

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

6

Durante a Idade Média essas práticas foram consideradas hereges e estavam diretamente rela-cionadas à observação, reverência e conexão de caráter vital com a natureza (Valle, 2020). Elas exerciam influência direta sobre o cotidiano das pessoas, principalmente no campo e na forma,
já que tudo na vida campesina girava em torno das “respostas” que a natureza manifestava em
seus ciclos de plantio e de colheita. As forças e os fenômenos da natureza foram adaptados às
percepções religiosas e transformados em espíritos e divindades, os quais deveriam ser adorados e servidos para que pudessem garantir um ano de fartura (Federici, 2018; Murray, 2003). Além
disso, as mulheres interpretavam os astros, realizavam curas, adivinhavam o paradeiro de objetos
perdidos, faziam feitiços de proteção e traziam pessoas desaparecidas. Essas crenças ancestrais11
“ofereciam a perspectiva de um meio sobrenatural de controle sobre a vida terrena do homem” (Thomas, 1991, p. 35).Nesses termos, tem-se que, até o surgimento do capitalismo, o acesso à terra ampliava-se às mu-
lheres que detinham os saberes da natureza. Eram lavradoras, pedreiras, parteiras e curandeiras
que possuíam conhecimentos sobre ervas, sobre terra e que, principalmente, possuíam autonomia sobre seus corpos (Thomas, 1991; Tosi, 1998; Federici, 2018). Tais conhecimentos eram adquiri-
dos por meio de experiências compartilhadas ou por meio de tradições ancestrais que garantiam às mulheres autonomia em relação às gravidezes indesejadas, à infertilidade, além da manutenção da saúde e tratamento de doenças (Tosi, 1998; Costa; Veloso; Leal, 2019).
O domínio sobre as propriedades e o manuseio das ervas, sua combinação, o cozimento e a dosa-
gem, diferenciavam essas mulheres imputando-as a esse estereótipo, com toda a carga negativa já atribuída pelas sociedades ao longo do tempo. Materializou-se em uma “guerra contra elas”,
contra os saberes empíricos de conexão com a natureza instaurando uma tecnologia que buscou
privá-las de suas práticas de autogestão de saúde, forçando-as a se submeterem ao controle da família nuclear. É nesse núcleo de proximidades que se encontra o terreno mais fértil (e seguro)
para disseminar esses saberes.

1. Bruxarias: da tradição à criminalização

Esses saberes femininos, bem como os saberes considerados mágicos, eram frutos da observação
empírica da terra e do próprio corpo da mulher, e têm em si uma lógica própria de causa e efeito que é conflitante ao pensamento racionalista. A relação das mulheres com a natureza se perpe-
tuava por meio da transmissão desses conhecimentos por meio de histórias e ensinamentos de práticas, passados de geração a geração (Maestro, 2013; Federici, 2019). Tylor (2013) afirma que quando uma geração passa a outra a ciência de seus gestos e de seus
atos manuais, seja pelas narrativas, seja pelas histórias, há verdadeiramente um processo de tra-dição social. Mesmo que muitas dessas transmissões não estejam inseridas nos modos oficiais da produção de saberes (aqueles que têm na escrita sua forma fundamental de registro), elas são
imprescindíveis para a compreensão das experiências em algumas comunidades, haja vista que
“a expressão incorporada continua e, provavelmente, continuará a participar da transmissão de conhecimento social, da memória e da identidade pré e pós-escrita” (p. 45).
11 De acordo com Federici (2019) trata-se de um universo que na atualidade poderia ser considerado como supersticioso,

mas que, ao mesmo tempo, invoca a existência de outras possibilidades de relação com a natureza.

7

Bruxas e seus saberes ancestrais

7

O conhecimento relacionado às plantas, às suas propriedades terapêuticas de cura e manutenção de saúde e às suas formas de utilização é um recurso autêntico do saber popular, principalmente mediado por mulheres (Ceolin et al., 2011). Badke et al. (2012) afirmam que em muitas comuni-
dades tradicionais as transmissões desses saberes geralmente acontecem de geração a geração, sendo que os primeiros ensinamentos começam a ser instruídos ainda na infância. Tais questões
compõem um passo essencial, tendo em vista que as formas de salvaguarda desses saberes pelas
mulheres bruxas e a sua forma de disseminação entre as mais jovens podem se manifestar de ma-
neiras distintas nos territórios a serem observados. Reconhecer a importância dessas transmissões é sustentar que existem conhecimentos que são fundamentais para a sobrevivência de coletivos e populações (Ceolin et al., 2011; Durães; Ramos, 2021). Ao pensar na bruxaria, Starhawk (2010, 2015) afirma que são as práticas de difusão dos
saberes da natureza que garantem a resistência e a continuidade desse conhecimento, mesmo
diante das perseguições e tentativas de fazê-los sucumbir.Tais intolerâncias se tornaram uma prática emergente no complexo contexto sócio-histórico dos séculos XV, XVI e XVII na Europa, marcado por guerras civis e religiosas, a fome, a peste negra, o abalo na Igreja Católica, provocado pela Reforma Protestante, contexto em que a emergência do
capitalismo gerou um ambiente de medos e incertezas, levando os seres humanos modernos a procurar culpados para os seus problemas (Rocha, 2016, 2017). De acordo com Delumeau (1989), a figura cristã do demônio foi eleita como a grande responsável por essas e outras mazelas sociais,
e as bruxas, consideradas os agentes humanos de sua atuação no mundo, deveriam ser caçadas,
julgadas e punidas. Tratados de demonologia foram redigidos com finalidade de explicar os poderes dos demônios e bruxas, dando respostas para os impasses enfrentados pela sociedade da época. Um desses trata-dos, o “Malleus Maleficarum”12, insistiu na propensão das mulheres ao pacto demoníaco e contri-buiu para tornar a bruxaria um delito predominantemente feminino (Silva, 2012; Federici, 2018, 2019). Nesses tratados era defendido que a figura feminina seria ontologicamente dotada de fra-queza física e moral, de inteligência limitada e sexualidade incontrolável e, por isso, elas seriam as vítimas privilegiadas das astúcias do demônio (Tosi, 1998; Dias; Cabreira, 2019). Por essa razão, toda mulher deveria ser vista como suspeita de bruxaria (Federici, 2018). Para forjar justificativas aos atos de perseguição às mulheres, atribuíram-se às bruxas poderes
sobrenaturais relacionando-as diretamente à ideia de demônio, noção criada pelo próprio cris-tianismo (Silva, 2012). Mesmo com a hegemonia da Igreja Católica, num contexto de transição
do feudalismo, as crenças religiosas das populações rurais europeias ainda eram heterogêneas e
difusas, repletas de magia, feitiços, encantamentos, deusas e deuses. Contudo, essas concepções não cristãs acabaram sendo criminalizadas e consideradas obras do diabo, ainda que essa figura não existisse nos preceitos antigos do continente (Giordano, 1983).Os processos de acusação de bruxaria não careciam, em geral, de nada além de uma denúncia, que poderia ser feita por um vizinho, pelas figuras religiosas e pela própria família. Em um contexto no qual todas as mulheres eram suspeitas, as evidências mais frágeis já eram suficientes para con-
dená-las a torturas:

12 Publicado pelos dominicanos, que atuaram como inquisidores na Alemanha, Heinrich Kramer e James Sprenger (2007), “Malleus Maleficarum” foi uma das primeiras e mais influentes demonologias da história.

8

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

8

Milhares foram detidas, desnudadas, tiveram o corpo totalmente depilado e então, per-
furado com longas agulhas por toda parte em busca da “marca do diabo”, em geral na presença de homens - do carrasco aos notáveis e aos sacerdotes da localidade (...) As crueldades mais sádicas já inventadas foram infligidas ao corpo da mulher acusada, que
serviu de laboratório ideal para o desenvolvimento de uma ciência da dor e da tortura (Federici, 2019, p. 66).As mulheres foram aterrorizadas por acusações de ordens sobrenaturais, além das torturas e exe-cuções públicas, porque seu poder social precisava ser destruído (Preciado, 2008; Tosi, 1998; Gui-marães, 2018). Junto às bruxas foi queimada parte dos conhecimentos que havia sido transmitida de mãe para filha, ao longo de gerações, e também foram eliminadas “crenças e uma série de prá-ticas sociais/culturais típicas da Europa rural pré-capitalista que passaram a serem vistas como improdutivas e potencialmente perigosas para a nova ordem econômica” (Federici, 2019, p. 55).Preciado (2008) e Tossi (1998) afirmam ainda que a perseguição aos saberes das bruxas emergiu como o precedente necessário à institucionalização do que conhecemos hoje como ciências mé-dicas e farmacológicas, e também ao desenvolvimento das universidades ligadas à igreja, em que

se esboçava o nascimento desses conhecimentos, locais que a entrada de mulheres era proibida (Costa; Veloso; Guimarães, 2018; Leal, 2019; Preciado, 2008; Tosi, 1998).
A própria medicina de modo a se consolidar como uma ciência hegemônica precisou negar e de-
tratar os saberes empíricos das bruxas, principalmente das parteiras e curandeiras. Nesse sentido, tanto Federici (2018, 2019) quanto Preciado (2008) concordam que a caça às bruxas se configu-
rou como uma tentativa histórica e política de retirar das mulheres a autonomia que possuíam
sobre si mesmas e sobre a natureza.

As práticas inquisitoriais de perseguição, violência e morte instituída às mulheres não se limita-ram ao continente europeu. A invasão dos territórios nomeados americanos também implicou em um continuum dessas práticas, ganhando também novos contornos e tecnologias na caçada às
bruxas em Abya Yala.

2. As bruxas em Abya Yala: entre o perigo e a desumanizaçãoNa língua do povo Kuna13 a expressão Abya Yala significa “terra madura, viva ou em florescimen-to”. Essa expressão tem sido utilizada para designar o território das Américas por autoras que
apostam em uma perspectiva decolonial. Em termos políticos, ela anuncia a unidade dos povos indígenas e busca por autodesignação em contraponto às definições eurocêntricas que nomearam esse continente “americano”, como também à luta dos povos latinos em reafirmar uma perspectiva decolonial da história desse território (Lugones, 2008, 2012).
Na esteira dos estudos decoloniais afirma-se que a criação do modelo ocidental se dá no con-texto da invasão do chamado “Novo Mundo”, que se forma e se constitui por meio da “domi-
nação e subordinação política, econômica, social e epistêmica das sociedades não-ocidentais por dominadores europeus ocidentais” (Ndluvu, 2017, p. 130). Portanto, o colonialismo não
foi apenas um processo de invasão territorial, mas comportou uma lógica colonizadora que

13 O povo Kuna é originário da Serra Nevada, no norte da Colômbia, tendo habitado a região do Golfo de Urabá e das monta-nhas de Darien e vive atualmente na costa caribenha do Panamá na Comarca de Kuna Yala (San Blas) (Gonçalves, 2011).

9

Bruxas e seus saberes ancestrais

9

produz nossos pensamentos e epistemologias e são atualizadas e palpáveis por meio de prá-ticas cosmofóbicas, que impedem e/ou violentam a produção de conhecimentos pautados na
pluralidade de modos de existências, na percepção dos agenciamentos dos elementos da na-
tureza, na complexidade e dinamicidade das práticas territorializadas e situadas, nos modos
singulares de organização que permitem uma maneira contínua de renovação e inventividade (Lugones, 2012; Vergès, 2019).
Desde os primeiros contatos entre os invasores e aqueles que residiam no território americano,
ocorreu a desumanização dos que aqui viviam. Essa subjugação se deu por meio da dúvida da
condição de humanidade dos povos tradicionais, se esses possuíam alma ou não. O encontro com
a diferença em vez de produzir possibilidades de repensar seus “atributos humanos ou de huma-nidade” (Ndluvu, 2017, p. 130), abrindo para novas modulações, culminou no ódio à diferença que é subjugada de modo violento, exterminador e perverso ainda atualmente.Nessa perspectiva de desumanização gera-se a construção do selvagem. Santos, Meneses e Nunes (2005) trazem a noção de “produção da alteridade colonial” enquanto uma faceta colonialista fru-
to da produção de conhecimento hegemônica do Ocidente, que, nesse encontro com a diferença,
cria o “outro” enquanto ser inferiorizado, disponível para ser explorado, desprovido de capaci-dades cognitivas, forjando, assim, os indígenas, os negros e, podemos afirmar que assim também foram consideradas, as bruxas que habitavam o continente como selvagens, seres desqualificados,
separados e distantes da civilidade.

Essa perspectiva que instituiu uma separação do humano e não humano atravessou o continente,
pois, para a lógica dos invasores, as populações habitantes das terras colonizadas são considera-das mais bestas que humanas. Lugones (2014) lê a categoria de gênero como algo que, tendo sido produzida para o mundo do humano (Europa e suas populações), não seria aplicada ao mundo
natural ou do não humano. De acordo com essa tese, tal ordem produtora de diferenças hierár-
quicas não atribuiu gênero aos povos bestializados, já que as ideias de maior capacidade de ra-
zão masculina e da fragilidade das mulheres constitutivas das relações de gênero não podiam ser
aplicadas aos povos não europeus enquanto todos fossem igualmente desprovidos de raciocínio, beleza sublime e fragilidade. Para Lugones, portanto, o tipo de diferenciação que se aplica aos povos que foram colonizados e escravizados é o do dimorfismo sexual macho e fêmea. Como as demais bestas, não há uma leitura de gênero aplicada a esse dimorfismo, que somente dá conta da
capacidade reprodutiva e da sexualidade animal.Essa divisão entre humanos e não humanos, Lugones (2014) chamou de dicotomia hierárquica,
que segundo a autora constitui um importante componente dos processos de imposições culturais,
históricas e ideológicas responsáveis por formatar um novo universo, intersubjetivo, de domina-ção dos europeus sobre outros povos do mundo, como as indígenas das américas e as africanas,
categorizando-as como animais, seres sem razão, selvagens, estúpidas, promíscuas. Operada pela
máquina colonial, a dicotomia hierárquica surge nesse cenário como uma ferramenta normativa
de controle, corroborando para a construção de um cenário de violência contra mulheres negras escravizadas e indígenas (Lugones, 2014).
Essa dicotomia hierárquica foi talvez um dos atravessamentos que fez com que o processo de
perseguição aos povos de Abya Yala – e evidenciamos aqui as bruxas como parte desse processo
– tenha se estabelecido em terras colonizadas com as mesmas práticas de tortura e assassinato
que ocorriam nas colônias, ganhando, contudo, novos contornos no “novo mundo”. Nas colônias
acrescem o caráter exploratório e desumanizador dessas práticas.

10

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

10

Nesse território, do gélido norte ao extremo sul, as mulheres exerciam o curandeirismo, eram parteiras e ocupavam posições importantes dentro das singularidades de suas culturas (Federi-ci, 2018), uma vez que, antes da invasão, já existia no continente uma tradição milenar ligada às próprias cosmovisões locais de espiritualidades e práticas de cura, que também contaram poste-
riormente com as tradições africanas. O uso de magia era constante, seja para curar adoecimentos físicos, resolver problemas práticos do dia a dia, seja para conquistar bens materiais ou, ainda, como forma de resistência ao sistema escravista e à dominação portuguesa e espanhola (Rocha, 2017). Os saberes sobre a natureza, as magias das ervas, os rituais de cura constituíam parte das aptidões dos povos que habitavam nessas terras (Santos; Coimbra, 1994). Como já evidenciado,
esses conhecimentos eram construídos empiricamente e transmitidos para os membros mais jo-vens da própria comunidade (Costa; Veloso; Leal, 2019).
Os povos indígenas, os povos escravizados e os mestiços foram os grandes curandeiros de Abya
Yala
. O conhecimento que tinham das ervas e de procedimentos rituais específicos a seu universo cultural atrelou-se ao acervo europeu da medicina popular. “Isso não significa que curandeiros
europeus não estavam nas colônias, mas em número muito inferior, onde a maioria das práticas mágicas, era exercida por mulheres” (Souza, 1986, p. 166-167).
Essas bruxas de Abya Yala sofreram de formas diversas os efeitos da colonialidade e da inquisição,
já que o continente foi invadido e explorado por várias nações europeias. A caçada a essas mulhe-
res nas terras do norte14 se revestiu em parte das mesmas justificativas e demandas da caça aos nativos indígenas, que também foram massacrados como sendo servos do diabo. Os julgamentos de Salem, que é amplamente retratado pela literatura e pelo cinema, são exemplos da caçada às mulheres no norte do continente. Segundo registros, foram justificados pelas autoridades locais
com o argumento de que aqueles que viviam naquela terra se estabeleceram na verdadeira “terra do Diabo” (Lusvarghi, 2021).Para Boyer e Nissenbaum (1974, p. 12), ao se lançarem minuciosamente sob o estudo históri-co das mulheres bruxas condenadas em Salem, EUA, em 1962, “os historiadores [...] começam
a perceber mais amplamente o quanto informações obtidas pelo estudo de pessoas comuns,
vivendo em comunidades comuns, podem contribuir para esclarecer questões históricas fun-damentais”. A caça às bruxas de Salem levou mais de 150 pessoas para a cadeia, das quais 25
morreram queimadas.Nesse contexto não é trivial considerar que os famosos julgamentos de Salem tenham se iniciado
a partir da perseguição de uma mulher indígena escravizada, uma das primeiras a serem presas na região. Importante demarcar também que a “última execução de uma bruxa em território de língua inglesa tenha sido a de uma mulher negra, morta nas Bermudas em 1730” (Federici, 2018, p. 414). Além de serem submetidas às acusações de bruxaria por suas tradições próprias, Angela Davis (2016) afirma que as mulheres negras foram hiperssexualizadas, vistas como tentadoras, natu-
ralmente pecadoras e, por isso, demonizadas e principalmente desumanizadas. A associação de
mulheres negras às práticas de bruxaria foi tão intensa nas colônias, especialmente no contexto brasileiro (Rocha, 2017), que até hoje podemos perceber essa relação sendo feita àquelas perten-
centes a religiões de matriz africana.

14 Território que hoje é chamado de Estados Unidos da América.

11

Bruxas e seus saberes ancestrais

11

Pensando na parte de Abya Yala invadida pelos espanhóis, deve-se destacar que na década de 1550 a Coroa espanhola dependia da exploração dos metais preciosos da terra que invadiram
para sobreviver. Esse contexto vai contribuir para um endurecimento do sistema de exploração
das colônias americanas dentro de uma campanha anti-indigenista e anti-idolatria que acompa-nhou esse processo. Por conta dessa questão, países como México e Peru, por exemplo, declararam guerra contra as culturas indígenas, o que na prática intensificou a caça aos cultos considerados
demoníacos ou pagãos. A caça às curandeiras era uma das faces dessa perseguição. A prática da
tortura, aliada a esses processos, garantiu o êxito aos espanhóis, com a debilitação dessas crenças e práticas. Na década de 1650, entretanto, essa perseguição se converteu em um processo mais intenso de caça às bruxas na América espanhola, que tinha como enfoque a eliminação de práticas de “bruxaria aldeã” (Federici, 2018).Em terras tropicais, a bruxa também vai se tornando indígena e negra. E as práticas de persegui-ção e tortura vão também sendo direcionadas a essas mulheres, para que seus corpos se transfor-
massem em lócus a serviço do controle dos conquistadores, bem como para que fosse perpetrada
uma destruição das práticas, elos e saberes: “as mulheres se converteram nas principais inimigas do domínio colonial” (Federici, 2018, p. 402).A respeito do meio escravista a que estavam submetidas as bruxas, convém lembrar que estão
incluídas nos julgamentos inquisitoriais mulheres negras, indígenas e europeias que estavam re-sidindo no território. A ocorrência de casos envolvendo esses grupos é consideravelmente ampla em todo continente, inclusive no Brasil colonial (Lahon, 2004, p. 9).Contudo, alguns trabalhos históricos, como os de Silva (2012) e Rocha (2016), versam sobre a
vinda das bruxas degredadas europeias que com seus encantos, fórmulas mágicas e demônios
familiares vieram habitar as terras longínquas da colônia, deixando marcas na religiosidade po-pular que se desenvolverá na Terra de Santa Cruz. Por aqui, foram “presas entre o tênue âmbito da
religião e magia: os curandeiros, rezadeiras e benzedeiras, que tiveram amplo papel na conforma-ção da identidade cultural do povo brasileiro” (Silva, 2012, p. 98).Para autores como Silva (2012), Lahon (2004) e Rocha (2016), as mulheres europeias que vinham
habitar a colônia e as bruxas que tinham como condenação o exílio nessas terras eram observadas
com suspeitas pelos membros da igreja e pelos tribunais da inquisição. No início do processo de inquisição, durante o final do século XVI e início do século XVII, era a elas direcionada a maioria
dos processos inquisitoriais e a morte pela fogueira. Para os autoes, esse fenômeno estaria relacio-
nado ao modo como os inquisidores europeus, responsáveis pela caçada às bruxas, enxergavam as
mulheres indígenas e negras, como não humanas, como bestas, que teriam capacidade de realizar
pactos com o demônio.Contudo, como afirmam Federici (2018, 2019), Davis (2016) e Lugones (2014), apesar de serem consideradas não humanas, isso não impediu que essas mulheres fossem objetificadas, demoni-
zadas e consideradas bruxas na colônia, e que muitas fossem estupradas, torturadas e mortas por
essa razão pelas instituições inquisitoriais.Mulheres negras, mulheres indígenas e mulheres exiladas europeias que habitavam a colônia,
principalmente aquelas que possuíam alguma habilidade como parteira, curandeira ou que traba-lhavam com prostituição, foram olhadas por séculos com desconfiança e consideradas e muitas ve-zes julgadas bruxas pela inquisição. Isso gerou um verdadeiro genocídio e epistemicídio (Lugones, 2014). Ainda assim, as bruxas conseguiram que sua tradição sobrevivesse ao horror da inquisição

12

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

12

por meio de estratégias de resistências15, bem como por terem sido a representação do mundo ao contrário, a representação de um mundo onde as mulheres se arriscavam a ser livres. Além disso,
as bruxas ainda seguem resistindo a essa caçada que se atualiza na contemporaneidade.Escancarando a atualidade desse fenômeno, Müller e Sanderson (2020) denunciam casos recen-tes em que mulheres foram mortas por acusações de bruxaria. Reforçam, ainda, que a caça às bruxas é uma prática vigente que se atualiza de forma expressiva, na qual mulheres continuam sendo perseguidas e mortas, especialmente na África, no Sudeste Asiático e na América Latina.
Nessa caçada, as mulheres, especialmente mulheres negras e indígenas, são os principais alvos (Federici, 2019).
O patriarcado, o colonialismo e o racismo misturam-se em um caldeirão de violências no qual
engendra-se o capitalismo – plano de existência em que se constituíram as leis, as bulas papais, a ciência, os cárceres, as salas de tortura e as fogueiras. Federici (2019) afirma que o fato de a caça
às bruxas, a colonização e a escravidão pertencerem a um mesmo contexto histórico e político, o nascimento do capitalismo marca a necessidade de unidade nessas lutas. Todavia, sobressalta-se
a constatação de que mesmo diante de todas as tentativas de aniquilação aos saberes das bruxas, eles ainda resistem e ganham novos contornos na atualidade (Russell; Alexander, 2019; Cabot, 1992).O próprio termo bruxaria é ressignificado a partir da década de 1970, ganhando uma força política
como forma de reivindicação e rememoração histórica do status ancestral de poder e união entre
mulheres que foi violentamente suprimido pela estruturação patriarcal, capitalista, colonialista e dos saberes médicos e cristãos (Dias; Cabreira, 2019).Na atualidade, as imagens das bruxas ganham contornos diversos e até paradoxais, por um lado muitas mulheres ainda são perseguidas e mortas ao serem atreladas a práticas de bruxaria (Fe-derici, 2019), ao mesmo tempo que outras se declaram bruxas (Dias; Cabreira, 2019). Essa auto-afirmação acontece também16 entre mulheres que possuem saberes sobre ervas que envolvem processos singulares desde o preparo das plantas até o seu direcionamento na intenção de cura (Maizza; Vieira, 2018).
Conclusão

Em meio a um horizonte no qual coexistem mulheres mestiças, negras e indígenas, pobres e imer-
sas numa sociedade misógina, que se propõem a tecer outros regimes de relação com a terra que lhes garanta subsistência e condições de saúde, constituindo-se uma espécie de insurreição e sub-versão às lógicas privatistas, exploratórias e hegemônicas (Rocha, 2017; Amaral; Fleck, 2019;);
emergem concepções diversas sobre o sentido da palavra bruxaria, a relação das mulheres auto-
denominadas bruxas e a natureza.

15 Paola Zordan (2005) e Silvia Federici (2018) vão destacar que durante as perseguições, a transmissão oral mostrou-se um risco para a sobrevivência dos saberes das bruxas, porém, ressaltam que as bruxas se ocupavam de outros ofícios como lavadeira, perfumista, fabricantes de cosméticos, e afirmavam apenas para alguns seu lado “um pouco bruxa”. Ou seja, para sobreviverem muitas escondiam seu ofício: escondendo-o sob a égide de outros ofícios.16 Como os grupos que se autoafirmam bruxos, praticantes de magia, membros de seitas neopagãs e grupos religiosos, como a Wicca, e a bruxaria tradicional (Russel; Alexander, 2019).

13

Bruxas e seus saberes ancestrais

13

Retomar a história das bruxas e contribuir na inserção de seus conhecimentos nas disputas discur-sivas presentes também no universo acadêmico é uma forma de chamar atenção contra algumas
das consequências nefastas das separações impostas pela ciência e pelo capitalismo, dentre as quais: a separação natureza e cultura (Marx, 2008; Krenak, 2020; Federici, 2018; Preciado, 2008). A partir de uma pesquisa bibliográfica buscamos orientar a nossa compreensão sobre como se
debatem os saberes que emergem da relação das mulheres com a natureza, para assim destacar
a resistência das mulheres bruxas, e quais são os saberes que elas produzem por meio do contato
com a natureza e como esses sobreviveram às constantes tentativas de subjugação.

Como vimos, os saberes das bruxas coexistem, reexistem e escapam de algumas lógicas instituídas
e valoradas pela ciência e os laboratórios. Esses não são conhecimentos revelados em receitas de
bula, trata-se de saberes que dialogam com os elementos da terra e que adquirem legitimidade
nas experiências, nas práticas com amargos chás, banhos de ervas e nos alimentos que curam.
Conhecimentos ancestrais que por vezes são deslegitimados, ignorados, infravalorados ao serem considerados menos científicos e, portanto, menos eficazes e até perigosos.Ao apostar em pôr tais saberes na disputa discursiva presente no meio acadêmico científico ten-
cionamos ainda os modos mais autônomos de conhecimentos, produzidos junto à natureza, como meio alternativo aos saberes e poderes médicos e farmacêuticos. Esse primeiro passo teórico já é
um norte importante para que novos esforços se materializem em estudos empíricos e tragam à
tona essa temática.

ReferênciasAmaral, Lara Luiza Oliveira; Fleck, Gilmei Francisco. As Bruxas Da América Latina: Memórias Das Cicatrizes. REVELL:
Revista de Estudos Literários da UEMS
, v. 3, n. 20, 2019, p. 221-243. Disponível em: https://periodicosonline.uems.br/index.php/REV/article/view/3158. Acesso em: 7 mai. 2022.Aymoré, Débora. O Ecofeminismo e A Relação Entre Natureza e Mulher. Fênix-Revista De História E Estudos Cultu-
rais
, v. 17, n. 1, 2020, p. 175-192. Disponível em: https://doi.org/10.35355/0000049. Acesso em: 07 mai. 2022.Bachofen, Johann Jakob. O matriarcado: uma investigação sobre o caráter religioso e jurídico do matriarcado no
mundo antigo
, 1861. Badke, Marcio Rossato et al. Saberes e práticas populares de cuidado em saúde com o uso de plantas medicinais. Texto
& Contexto-Enfermagem,
Florianópolis, v. 21, n.2, 2012, p. 363-370. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-07072012000200014. Acesso em: 07 mai. 2022.
Beauvoir, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 2014.Beltrán, Elizabeth Peredo. Ecofeminismo. Solón, Pablo (Org.). Alternativas sistêmicas: Bem Viver, decrescimento,
comuns, ecofeminismo, direitos da Mãe Terra e desglobalização
. São Paulo: Editora Elefante, 2016.Boyer, Paul; Stephen Nissenbaum. Salem Possessed. Cambridge: Harvard University Press, 1974.Cabot, Laurie. O poder da bruxa: a terra, a lua e o caminho mágico feminino. Rio de Janeiro. Editora Campus, 1992.Ceolin, Teila et al. Plantas medicinais: transmissão do conhecimento nas famílias de agricultores de base ecológica no Sul do RS. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 45, n. 1, 2011, p. 47-54. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0080-62342011000100007. Acesso em: 07 mai. 2022.Costa, Clara Gianni Viana; Veloso, Victória Santos; Leal, Ana Christina Darwich Borges. Bruxaria e Normalização: a per-seguição às mulheres e ao conhecimento tradicional frente à hegemonia do discurso médico. Gênero na Amazônia, Be-lém, n. 15, jan./jun., 2019, p. 218-226,. Disponível em: http://www.generonaamazonia.com/edicoes/edicao-15/15-a--bruxaria-e-normalizacao-a-perseguicao-as-mulheres.pdf. Acesso em: 07 mai. 2022.
Davis, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo editorial, 2016.

14

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

14

Delumeau, Jean. História do Medo no Ocidente: 1300-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.Dias, Bruno Vinicius Kutelak; Cabreira, Regina Helena Urias. A Imagem da Bruxa: da Antiguidade Histórica às Represen-tações Fílmicas Contemporâneas. Ilha do Desterro, Florianópolis, v. 72, n. 1, 2019, p. 175-197. Disponível em: https://doi.org/10.5007/2175-8026.2019v72n1p175. Acesso em: 07 mai. 2022.Durães, Nelcira Aparecida; Ramos, Jarbas Siqueira. Saberes em Narrativas de uma comunidade tradicional: oralidade e
decolonialidade. Educação, Escola & Sociedade, v. 14, n. 16, 2021, p. 1-17.Escobar. Arturo. Sentipensar con la Tierra: Las luchas territoriales y la dimensión ontológica de las Epistemologías del
Sur. Revista de Antropologia Iberoamericana. Volume 11, nº1, abril/2015, p. 11-32.
Federici, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpos e acumulação primitiva. São Paulo: Editora Elefante, 2018.
Federici, Silvia. Mulheres e caça às bruxas: da Idade média aos dias atuais. 1ª Ed. São Paulo: Boitempo, 2019.Foucault, Michel Do governo dos vivos. Curso no Collège de France, 1979-1980 (excertos). Tradução de Nildo Avelino. Rio de Janeiro: Achiamé, 2010.Gimbutas, Marija. The Civilization of the Goddess. San Francisco: Harper, 1991.
Giordano, Oronzo. Religiosidad popular en la Alta Edad Media, Madrid: Credos, 1983. Disponível em: https://biblio-teca.uazuay.edu.ec/buscar/item/58694. Acesso em: 8 dez. 2021.
Gonçalves, Carlos Walter. Abya Yala, a descoberta da América. Bicentenários (outros), transições e resistências (39-46). Buenos Aires: Uma Janela, 2011.Guimarães, Cecília Severo. Mulher: corpo incivilizado–A crítica feminista marxista de Silvia Federici a Michel Foucault. In: Cibils, Samuel et al. (Orgs.). XVIII Semana Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da PUCRS. Vol. 1. Porto Alegre: Editora Fi, 2018, p. 131-144,.Hollanda, Heloísa Buarque de. (org.). Pensamento Feminista Hoje: Perspectivas Decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020. Kramer, Heinrich. Sprenger, James. Malleus Maleficarum/O martelo das bruxas. Tradução de Alexander Freak, 2007, p. 23. Disponível em: http://www.mkmouse.com.br/livros/malleusmaleficarum-portugues.pdfKrenak, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.Krenak, Ailton. A vida não é útil. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.Lahon, Didier. Inquisição, pacto com o demônio e ‘’magia’’ africana em Lisboa. Topoi (Rio de Janeiro), v. 5, 2004, p. 8-70.Lugones, María Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, Colômbia, n. 9, jul.-dez. 2008, p. 73-101. Disponível em: https://doi.org/10.25058/20112742.340. Acesso em: 07 mai. 2022.Lugones, María. Subjetividad esclava, colonialidad de género, marginalidad y opresiones múltiples. In: Montes, P. (Ed.).
Pensando los feminismos en Bolivia. Serie Foros 2. La Paz: Fondo Emancipaciones, 2012.Lugones, María. Rumo ao feminismo decolonial. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, set/dez 2014, p. 935-952. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36755/28577. Acesso em: 07 mai. 2022.Lusvarghi, Luiza. Sabrina e Carmen, as bruxas rebeldes: feminismo, hibridação cultural e questões de gênero nas séries originais teen da Netflix. Zanzalá-Revista Brasileira de Estudos sobre Gêneros Cinematográficos e Audiovisuais, v. 7, n. 1, 2021, p. 68-81.Maestro, Ángeles. Feminismo marxista: notas acerca de um processo em construção. Santiago de Compostela: XVII Jor-
nadas Independentistas Galegas
, 2013. Disponível em: https://kolectivoporoto.cl/wp-content/uploads/2015/11/Maestro-Angeles-Feminismo-Marxista.pdf. Acesso em: 07 mai. 2022.Maizza, Fabiana; Vieira, Suzane De Alencar. Introdução ao dossiê Ecologia e Feminismo: criações políticas de mulheres
indígenas, quilombolas e camponesas. Campos - Revista de Antropologia, v. 19, n. 1, 2018, p. 9-15. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/cra.v19i1.64071. Acesso em: 07 mai. 2022.Marx, Karl. O Capital. Vol. 2. 3ª Ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988.Morgante, Mirela Marin; Nader, Maria Beatriz. O patriarcado nos estudos feministas: um debate teórico. In: XVI En-
contro Regional de História da ANPUH-Rio
: saberes e práticas científicas., 2014. Anais [...]. Rio de Janeiro, 2014, p. 1-10. Disponível em: <http://encontro2014.rj.anpuh.org/resources/anais/28/1399953465_ARQUIVO_textoANPUH.pdf. Acesso em: 07 maio 2022.

15

Bruxas e seus saberes ancestrais

15

Müller, Charlotte; Sanderson Sertan, Caça às bruxas: um problema que persiste no século 21. Made for Minds. 2020. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/ca%C3%A7a-%C3%A0s-bruxas-um-problema-que-persiste-no-s%-C3%A9culo-21/a-54520254Murray, Margareth. O culto das bruxas na Europa Ocidental. São Paulo: ed. Madras, 2003.Ndlovu, Morgan. Por que saberes indígenas no século XXI? Uma guinada decolonial. Epistemologias do Sul, Foz do Iguaçu/PR, nº1, 2017, p. 127-144.Oliveira, Ana Maria Soares. Relação homem/natureza no modo de produção capitalista, 2002Piscitelli, Adriana. Re-Criando a (categoria) mulher? - Cultura e Gênero [online]. 2001. Disponível em: https://www.culturaegenero.com.br/download/praticafeminina.pdf. Acesso em: 07 mai. 2021.
Preciado, Paul B. Texto Yonqui. Madrid, España: Editora Espasa Calpe, 2008.Quijano, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: Lander, Esteban. (Org.). A Colonialidade do
saber: eurocentrismo e ciências sociais: Perspectivas latino-americanas
. Buenos Aires: CLACSO, 2005, p. 117–142.Rocha, Carolina. O sabá do sertão. São Paulo: Paco Editorial, 2016.Rocha, Carolina. As noivas de Satã: bruxaria, misoginia e demonização no Brasil colonial. Cadernos de Estudos Sociais
e Políticos
, v. 6, n. 11, 2017, p. 68-79.Russell, Jeffrey; Alexander, Brooks. A História da Bruxaria. São Paulo: Aleph, 2019.Santos, Boaventura de Souza; Meneses, Maria Paula G.; Nunes, João Arriscado. Introdução: para ampliar o cânone da
ciência: a diversidade epistemológica do mundo
, 2005.Santos, Ricardo; Coimbra, Carlos. Saúde e povos indígenas. Editora Fiocruz, 1994.Silva, Nereida Soares Martins da et al. As “mulheres malditas”: crenças e práticas de feitiçaria no nordeste da Amé-
rica Portuguesa
, 2012.Souza, Laura de Mello. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial. São Paulo: Paz e Terra, 1986. E-book. Starhawk. A dança Deusa. 8. ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2010Starhawk. Rêverl’obscur: femmes, magie et politique. Cambourakis, 2015.Thomas, Keith. Religião e declínio da magia. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.Tosi, Lúcia. Mulher e ciência: a revolução científica, a caça às bruxas e a ciência moderna. Cadernos Pagu, n. 10, 1998, p. 369-397. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/4786705. Acesso em: 7 mai. 2022.Tylor, Diana. O arquivo e o repertório: performance e memória cultural nas Américas. Trad: Eliana Lourenço de Lima Reis. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.Valle, Thaís Chianca Bessa Ribeiro. Neopaganismo e Bruxaria Moderna: a preservação do meio ambiente através do
culto à natureza. Sacrilegens, v. 17, n. 2, 2020, p. 68-81,. Disponível em: https://doi.org/10.34019/2237-6151.2020.v17.32664. Acesso em: 07 mai. 2022.
Vergès, Françoise. Um feminismo decolonial. Ubu Editora, 2019.Zaragocin, Sofia. Feminismo decolonial e bem viver. Feminismo e Bem Viver: Utopias Decoloniais, 2017, p. 17-25.Zordan, Paola Basso Menna Barreto Gomes. Bruxas: figuras de poder. Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 2, 2005, p. 331-341.

16

Rafaela Werneck Arenari Martins; Mauro Macedo Campos

16

The Witches and their ancestral
knowledge: a look from decolonial
feminist perspectives

Abstract: This article aims to understand, through a theo-retical effort, how the knowledge of witches is ac-quired and how these teachings are perpetuated through time. In dialogue with feminist notions, mainly decolonial, we show clues about the rela-tionship between groups of destructive women. We also highlight how the markers of gender, race
and are connected to the practices of violence that are perpetuated against witches, promoting prac-tices against the existence of specific bodies; and highlighting the prevalence of witchcraft, even in the current scenario. It is also noted the processes of resistance of this group of women to attempts
at extermination through the perpetuation of their knowledge.
Keywords: Witchcraft. Decolonial feminism. Genre. Knowledge.

Las Brujas y sus saberes ancestrales: una
mirada desde perspectivas feministas
decoloniales

Resumen:
El objetivo de este artículo es, mediante una re-
visión teórica, comprender cómo los saberes de las mujeres brujas son adquiridos y cómo esas enseñanzas se mantienen en el tiempo. En diá-
logo con los estudios feministas, principalmente
decoloniales, se evidencia que existen rasgos de
la relación entre las mujeres que son considera-das brujas con la naturaleza. Resaltamos también como los marcadores de género, raza y clase se
conectan con la violencia contra las brujas, fomen-
tando prácticas contra la existencia de cuerpos es-pecíficos y colocando en evidencia como prevalece
la tradición de “cazar brujas”, aún en el escenario actual. También se destacan los procesos la resis-
tencia de ese grupo de mujeres contra el extermi-
nio por medio de la perpetuación de sus saberes.
Palabras clave: Brujería. Feminismo decolonial. Género. Conocimiento.