O amor como significação para uma
sociologia da individualização: esboço de

uma analítica de relacionamentos afetivos
na contemporaneidade

Túlio Rossi*1

Resumo:
Apresenta-se uma proposta analítica do amor erótico a partir da socio-
logia, relacionando-o a modos e discursos de produção de si na atuali-
dade. Tal proposta integra minha atual pesquisa que objetiva analisar,
em sua dimensão cultural e simbólica, os processos de individualiza-
ção contemporâneos. Estabelecendo conexão com trabalhos anterio-
res, o amor desponta como importante elemento de reconhecimento e validação de si, sendo analisado enquanto tipo específico de signifi-
cação, tanto de experiências quanto de gestos, relações e sentimentos,
culminando na produção de um sentido reiterativo da individualidade
dos amantes. Entende-se que há uma relação recíproca entre a cultura
individualista e os ideais amorosos contemporâneos de modo a extra-
polar o subjetivismo associado a esses temas, constituindo, portanto,
objeto relevante de pesquisa sociológica.
Palavras-chave: Amor. Individualidade. Cultura. Contemporaneidade.

* Professor doutor da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: tulio.rossi@ufu.br
https://orcid.org/0000-0003-4391-7268

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O AMOR COMO SIGNIFICAÇÃO PARA UMA SOCIOLOGIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO

TOMO. N. 41 JUL./DEZ. | 2022

Love as signification for a sociology of
individualization: an analytical sketch for affective

relationships in contemporary times

Abstract:
An analytical proposal of erotic love from sociology is presented, rela-
ting it to ways and discourses of self-production in current times. This
proposal integrates my present research that aims to analyze, in its cul-
tural and symbolic dimension, the processes of contemporary indivi-
dualization. Establishing a connection with previous works, love emer-
ges as an important element of self-recognition and validation, being analyzed as a specific way to assign meaning, both to experiences and
gestures, relationships and feelings, culminating in a reiterative sense
of the individuality of lovers. It is understood that there is a reciprocal
relationship between individualistic culture and contemporary loving
ideals which extrapolates the subjectivism associated with these the-
mes, thus constituting a relevant object of sociological research.
Keywords: Love. Individuality. Culture. Contemporaneity.

El amor como significación para una sociología de
la individualización: esquema de un análisis de las

relaciones afectivas en los tiempos contemporáneos

Resumen:
Se presenta una propuesta analítica del amor erótico desde la socio-
logía, relacionándola con formas y discursos de autoproducción en
los tiempos actuales. Esta propuesta integra mi presente investiga-
ción que pretende analizar, en su dimensión cultural y simbólica, los
procesos de individualización contemporánea. Estableciendo una co-
nexión con trabajos anteriores, el amor emerge como un elemento
importante de autorreconocimiento y validación, siendo analizado como una forma específica de asignar significado, tanto a las expe-
riencias como a los gestos, relaciones y sentimientos, culminando en

Túlio Rossi

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IntroduçãoEste artigo reflete um ponto de inflexão atual em meus estudos relacionados ao campo das emoções e, mais especificamente, do
amor, desde a publicação de minha tese de doutorado revisada
em livro (Rossi, 2014). Então, a pesquisa abordara a construção
de imagens e discursos sobre o amor romântico a partir do cine-
ma hollywoodiano, buscando apontar conexões entre as formas específicas – com recurso às técnicas da linguagem cinemato-gráfica – com que Hollywood apresentava não somente histó-
rias de amor consideradas fantásticas, mas, principalmente,
imagens, discursos e posicionamentos valorativos reproduzi-
dos e incentivados em relação ao tema e, de modo nem sem-pre direto, à própria sexualidade e constituição de identidades
pessoais. Combinando referenciais teóricos da Sociologia das
Emoções (Solomon, 1994; Shields, 2002) e da Sociologia do
Cinema (Sorlin, 1982; Menezes, 2004) e ancorada a uma pers-
pectiva sociológica compreensiva (Weber, 2000), a tese, em seu
desenvolvimento e conclusão, apresentou uma proposta de
analítica sociológica do amor que não o tomasse como um sen-timento único específico ou combinação determinada de vários
sentimentos, mas, antes, como uma forma peculiar de signifi-
cação
, ao mesmo tempo socialmente constituída, mas profun-damente enraizada na figura do indivíduo moderno. Em capítu-
lo de livro recentemente publicado, essa proposta analítica foi retomada sob a forma de uma reflexão de cunho metodológico,
detalhando o amor como significação como um conceito so-
ciológico:

un sentido reiterativo de la individualidad de los amantes. Se entien-
de que existe una relación recíproca entre la cultura individualista y
los ideales amorosos contemporáneos que extrapola el subjetivismo
asociado a esos temas, constituyendo así un objeto relevante de in-
vestigación sociológica.
Palabras clave: Amor. Individualidad. Cultura. Contemporaneidad.

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O AMOR COMO SIGNIFICAÇÃO PARA UMA SOCIOLOGIA DA INDIVIDUALIZAÇÃO

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O conceito sociológico aqui proposto de “amor como signi-ficação” pode ser resumido da seguinte maneira: por amor,
referimo-nos a uma forma historicamente constituída e es-pecífica de conferir valor e significado a ações, sentimentos,
idealizações e pulsões mais ou menos articulados entre si, geralmente tendo a atração sexual como base – mas não ne-cessariamente como fim – e caracterizados por estimulação
mais ou menos consciente de ideias de elevação espiritual e
enaltecimento de si que seriam impossíveis de se atingir na
ausência do parceiro considerado ideal. (Rossi, 2021, p. 194).

Este artigo se insere em continuidade e diálogo com o referido
capítulo, adotando o conceito supracitado e adentrando, mais especificamente, no tema da individualização nas sociedades contemporâneas, também abordado em sua dimensão cultural e
simbólica, sob uma perspectiva sociológica compreensiva. Esse último tema, por sua vez, é objeto de um novo projeto de pesqui-
sa em andamento na Universidade Federal de Uberlândia. Por-tanto, a tônica deste artigo é sobre uma proposta analítica em
desenvolvimento que articula trabalhos anteriores relativos aos
temas da individualização e do amor como objeto sociológico.
Observa-se que, com frequência, esses temas aparecem asso-
ciados na sociologia (Martuccelli, 2016; Beck; Beck-Gernsheim, 2017). A articulação dessas temáticas ora apresentadas não é arbitrária, notando, a partir de vasta revisão bibliográfica e de
pesquisas anteriores, que o amor emerge como tema de parti-cular significância para a afirmação e reconhecimento de iden-
tidades dentro de uma cultura que enaltece a individualidade,
operando como um forte signo legitimador, tanto perante a so-
ciedade quanto do indivíduo para si mesmo. Ao mesmo tempo, argumenta-se que a configuração atual dos ideais amorosos só
adquire sentido e possibilidade de existência dentro de uma cul-
tura consolidada da individualidade como valor central.A relação entre amor e individualidade não é novidade na teo-
ria sociológica, aparecendo pelo menos nos trabalhos de Beck e Beck-Gernsheim (2002, 2017), como também em Giddens

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(2002, 1992); em Chaumier (1999), e, de maneira um tanto
quanto crítica e estereotipada, na consagrada obra de Bauman (2004), “Amor líquido”. De fato, levando em conta principalmen-
te as contribuições de Beck e Beck-Gernsheim, há elementos su-ficientes que nos permitem abordar o tema do amor, em seus
aspectos tanto culturais e simbólicos quanto práticos e institu-cionais, como fenômeno histórico, intrinsecamente ligado à cul-
tura e, portanto, como ela, sujeito a mudanças de ordem extra-
-individual. Contudo, nota-se que a vinculação no senso comum entre amor e individualidade, amiúde, provoca desconfiança de
qualquer tentativa de empreender uma sociologia de tal objeto. Essa desconfiança, a qual constitui obstáculo real ao reconheci-
mento e condução de pesquisas sobre o tema, decorre, em gran-
de medida, da redução do amor ou ao campo das emoções ou da
sexualidade, sob perspectivas subjetivistas. É como se, de algu-
ma maneira, o reconhecimento da dimensão social e cultural da experiência amorosa desqualificasse sua experiência individua-
lizada ou lhe roubasse aquilo que, supostamente, a torna subli-
me e única. Isso porque problematizar sociologicamente o amor
inescapavelmente incorre em ou questionar, ou colocar em sus-penso, crenças relativas à própria individualidade e, portanto, às
concepções mais ontológicas de si. Mas uma sociologia do amor,
tal como pretendida aqui, não se propõe a abordar e enquadrar, de forma generalizante, as vivências subjetivas dos afetos, até porque isso, além de inacessível, não constitui, epistemologica-
mente, objeto de pesquisa sociológica.

Não se propõe aqui qualquer ontologia do amor ou do indivíduo
em si. Modestamente, cogita-se uma abordagem que, ao atribuir ao amor a característica de uma forma específica, histórica e culturalmente localizada – portanto, variável – de significação
de vivências pessoais e afetivas, socialmente balizada e estimu-
lada em processos socializadores, reconhece seu aspecto socio-lógico, enquanto “forma cultural”, sem subtrair-lhe a dimensão
psíquica e existencial. Isso porque a constituição dessa dimen-

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são individualizada, como parte integrante e reiterativa da
individualidade enquanto valor social é determinante, nas
sociedades modernas individualizantes e individualizadas,
para que a significação amorosa em nossos tempos, enquanto
produto de diferentes forças históricas, ocorra do modo que
ocorre, e não de outro. Trata-se de um processo de significa-
ção específico que clama para si uma marca individualizante
e restritiva, apresentando tal marca como elemento cognoscível
primordial e geral. Assim, apresenta-se uma proposta analítica especificamente sociológica do amor – no sentido de relações românticas e afe-tivo-sexuais – que o aborda como parte fundamental, enquanto
elemento legitimador em níveis pessoal e social, de uma cultu-
ra da individualização caracteristicamente moderna. Visto que
o tema ainda tende a ser tratado como do campo da subjetivi-
dade e da individualidade, propõe-se justamente problemati-
zar e discutir aspectos ainda pouco explorados dos processos
de individualização na contemporaneidade que passam pela
busca de relacionamentos afetivos. Destarte, o texto adiante está dividido em dois tópicos, além das considerações finais
nas quais esses são sintetizados e relacionados. Primeiramen-te, parte-se de uma discussão e revisão bibliográfica do tema
individualização e a de sua dimensão cultural, como propo-
mos aqui para melhor abordá-lo. Em seguida, de modo mais específico, desdobra-se a discussão do conceito de amor como
significação
, sublinhando sua conexão com os processos de
individualização na modernidade. Por último, nas considera-ções finais, ao articular os tópicos anteriores, propõe-se uma
analítica sociológica que compreende tanto os processos de individualização quanto às formas de amor como significação
nas sociedades contemporâneas como fenômenos intrinseca-
mente conectados e interdependentes.

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1. Individualização e cultura

Conforme já apontaram Beck e Beck-Gernsheim (2017), a indivi-dualização, enquanto processo histórico, não é um fenômeno novo e inédito para a sociologia. Ainda, conforme Martuccelli (2007), a
temática do indivíduo aparece de diferentes modos desde a so-
ciologia clássica, ainda que não tenha sido seu objeto central. Em
Durkheim, ao abordar a socialização enquanto modo de internali-
zação de normas e valores da sociedade pelos indivíduos, já con-cebidos como portadores de uma dupla consciência – individual
e coletiva, o tema já emerge. Em Simmel (2006), no processo de
atomização dos indivíduos em face da urbanização. Em Weber (2007), na constituição da “ética protestante”, que confere ao in-divíduo a prerrogativa na busca por sinais de confirmação – nun-ca totalmente evidentes – de predestinação à graça divina. Como
esse bem observa, juntamente ao processo de racionalização que
caracteriza a modernidade, ocorre uma crescente responsabiliza-
ção do indivíduo sobre seu destino, pautada na ascese religiosa que – aqui exposto de maneira bastante simplificada – constitui
uma forma ativa disciplinada e sistemática de autocontrole.

Entretanto, de diferentes formas, as questões relativas ao indi-
víduo tendiam a abordá-lo dentro de contextos de uma leitura de perspectivas ocupadas com questões relativas à ordem social (Martuccelli, 2007) e a como as estruturas sociais – ou sistemas,
ou a própria economia capitalista, numa leitura mais marxiana – produziam, sobretudo por meio da crescente divisão social do
trabalho, uma concepção distintamente moderna de indivíduo,
diretamente atrelada ao seu papel social. De modo que o indi-
víduo, embora não descartado das análises sociológicas, tendia
a ser tratado quase como um subproduto, decorrência mais ou
menos natural de fenômenos sociais mais amplos não ocorren-
do, em muitos casos, a problematização da própria produção e desenvolvimento ativo dessa figura do indivíduo moderno. Pro-
blematização essa que ganha particular importância na sociolo-
gia de Norbert Elias.

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Martuccelli, por outro lado, ao trabalhar com o conceito de “sin-gularização”, pontua:

O processo de singularização que estamos testemunhando progressivamente impõe um princípio diferente: é também
uma questão de buscar formas de garantir a continuidade
organizacional sobre singularidades individuais. A impor-
tância das noções de projeto, envolvimento, excelência, desempenho, além de seus aspectos ideológicos, atestam esse investimento gerencial – as organizações devem ser
‘sustentadas’ a partir de esforços individuais. Muitas orga-
nizações se tornam, assim, seus componentes administrati-
vos (equipes, programas...), realidades biodegradáveis, pois
dependem das temporalidades de envolvimento de atores
individuais (Martuccelli, 2010, p. 12).

Apontando tanto contribuições das teorias de socialização e dis-
posionalistas (Bourdieu e Lahire) e das teorias da individuali-
zação (Beck e Beck-Gernsheim) quanto críticas metodológicas
a elas, Martuccelli propõe uma análise que parte do princípio
da singularização dos indivíduos como processo estrutural, de
caráter macrossociológico, o qual demandaria análises e proble-matizações sociológicas ao nível dos indivíduos. Por ora, a fim
de não perder o foco deste artigo, abstemo-nos da discussão
metodológica que o autor propõe, retendo a contribuição que,
para este texto, nos parece mais vital: o reconhecimento de que
há tanto um caráter processual quanto social nas tendências contemporâneas à singularização dos atores sociais. Portanto,
não se trata de mudanças comportamentais idiossincráticas e aleatórias – ainda que possam assumir tal aparência em nível microssociológico –, mas de um fenômeno social abrangente que conecta indivíduos e grupos além de sua percepção e se ex-
pressa, de maneira mais visível, precisamente no modo como
esses indivíduos, em suas singularidades, buscam, estabele-
cem e encerram relações com outros indivíduos. Nesse sentido,
aproximamo-nos de uma sociologia simmeliana, considerando o
conceito de sociação como:

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...forma (que se realiza de inúmeras maneiras distintas) na
qual os indivíduos, em razão de seus interesses -sensoriais,
ideais, momentâneos, duradouros, conscientes, inconscien-
tes, movidos pela causalidade ou teleologicamente deter-
minados se desenvolvem conjuntamente em direção a uma
unidade no seio da qual esses interesses se realizam (Sim-
mel, 2006, p. 60).

Beck e Beck-Gernsheim (2002) observam que o processo de
individualização em curso no mundo ocidental pós-Segunda Guerra Mundial seria distinto do que se observara até então,
sustentando-se, principalmente, pela proliferação de políticas de bem-estar social, ampliação – ou massificação – de acesso à
educação e a conquistas feministas, especialmente as relativas
ao ingresso no mercado de trabalho. Assim, o casal de autores argumenta que condições estruturais e históricas específicas,
tais como prosperidade econômica, políticas de bem-estar so-
cial e institucionalização de interesses representados por sin-
dicados e outros movimentos sociais, têm importante papel na formação de tendências à individualização. Isso ainda implica possibilidades de mobilidade social, expansão do acesso à edu-
cação básica e superior e redução da jornada de trabalho (Beck;
Beck-Gernsheim, 2002, p. 34).

Em função da oferta de melhores condições estruturais de ser-
viços públicos e de bem-estar social, seriam ampliadas, aos indi-
víduos de diferentes classes e estratos sociais, as possibilidades de escolha e decisões em suas carreiras profissionais e biogra-fias. Isso, para os autores, também provocaria crises no sentido
de, cada vez mais, atribuir aos indivíduos não apenas o direito,
mas o dever de escolhas pessoais, no exercício do que chamam de “liberdades precárias” (Beck; Beck-Gernsheim, 2002, p. 2), no
sentido de que cada vez mais dimensões da existência dos indi-víduos – passando pela moralidade, religião, arranjos afetivos –
tornam-se menos determinadas institucional e estruturalmente – pela Igreja, pelo Estado ou pelos costumes – para se tornarem
objetos de escolhas individuais que demandam um crescente

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trabalho reflexivo, acompanhado de constante autorresponsa-
bilização.

Importante observar, contudo, que tais transformações que apa-
rentemente atribuem maior protagonismo aos indivíduos ocorrem
concomitantemente a mudanças nas próprias relações e posições
no mercado de trabalho, que, desde os anos 1970, nos países do Hemisfério Norte, é caracterizado, mais e mais, pela rotatividade e realocação de profissionais em diferentes cargos e empresas, rom-
pendo com um modelo de estabilidade previamente estabeleci-do em que, às vezes, até ao longo de gerações, uma família intei-
ra chegava a trabalhar em uma mesma empresa1.

Beck e Beck-Gernsheim (2002, 2017) repetidas vezes advertem
que suas observações se referem principalmente ao contexto europeu e, mais especificamente, alemão. Mas, ao mesmo tem-
po, ainda que de modos diferenciados, tais tendências individu-
alizantes se estendem a outros contextos. Sem dúvidas, a reali-
dade brasileira passa muito distante da analisada pelo casal de autores. No entanto, na esteira da globalização, é notável que os
valores individualizantes, hegemonicamente propalados pelos países desenvolvidos do Hemisfério Norte, seja por seus intelec-
tuais, por seus veículos de comunicação de massa, seja mesmo
pela via econômica, são absorvidos em maior ou menor medida
por culturas muito variadas.

Países subdesenvolvidos, mesmo que não possuam as caracte-
rísticas e trajetórias históricas e sociais que favoreçam a indivi-
dualização nos termos de Beck, absorvem, em alguma medida,

1 O documentário “Roger e Eu” (Michael Moore, 1989) é bastante ilustrativo ao explorar
o declínio da cidade de Flint, no estado de Michigan, após o fechamento da primeira fábrica da General Motors dos EUA, na década de 1980, situada naquela cidade, base de toda sua economia e principal fonte de empregos. O documentário também é feliz em mostrar diferentes tentativas de soluções – principalmente individuais – para a crise ins-
taurada na cidade: da venda de coelhos como animais de estimação ou carne, passando
pela adesão a empresas de marketing multinível, como Amway.

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em seu sistema político e econômico, as pressões – condiciona-
das para o exercício da diplomacia e negociação de interesses comerciais – por adequação a modelos de indivíduo, especial-
mente caracterizados por sua potencialidade enquanto consumi-
dores. Consumidores de determinados modelos, signos, sonhos e
ideais de individualidade passíveis de serem traduzidos em bens de consumo e serviços, enquanto “estilos de vida”. Estilos esses que, paradoxalmente – embora sem surpresas –, enaltecem o in-
divíduo e sua autoprodução, mas a partir de modelos e recursos
industrialmente produzidos e massivamente comercializados.

É digno de nota que essa expansão de modelos de individualidade, estilos de vida e felicidade a partir do Hemisfério Norte e que
se apresentam como modelos hegemônicos, reverbera, ainda que de diferentes maneiras – às vezes dialeticamente, às vezes antropofagicamente – nas sociedades outrora colonizadas,
em sua cultura e mesmo nas manifestações identitárias de
diferentes grupos que se propõem contra-hegemônicos. Dito de
outro modo: mesmo a recusa a uma cultura da individualização
hegemônica, fundamentada numa episteme eurocêntrica, do
ponto de vista praxiológico das dinâmicas culturais do mundo globalizado atual, pode até romper com os signos identificados
com os opressores, mas não rompe com o que esses têm de mais central, que é seu caráter individualizante. De tal modo que,
mesmo que as condições socioeconômicas e políticas que con-figuram a experiência da individualização alemã jamais possam emergir na América Latina e em outras comunidades do Sul, a
dimensão cultural que promove a individualidade como valor absoluto para a própria definição de humanidade é plenamente incorporada e ajustada às realidades, interesses políticos e eco-
nômicos locais.

Portanto, apesar dessa consideração sobre aspectos econômicos
e de mercado que, inegavelmente, reconhecemos como relevan-
tes ao ofertar condições objetivas para os processos individuali-zantes, não é esse o rumo da presente análise. Ao delimitarmos

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analiticamente a individualização à sua dimensão cultural, inte-
ressa-nos compreendê-la sobretudo nas relações de valor que,
ao mesmo tempo, a constituem e são constituídas por ela. Inte-
ressa-nos, sobretudo, compreender como a individualidade se
constitui enquanto valor central nas sociedades modernas con-temporâneas de maneira específica e distinta – mas não comple-tamente estranha – à sua concepção moderna predominante no século XX pelo menos até a década de 1980. Trata-se, portanto, de investigar a significação cultural que adquire a individuali-
dade enquanto valor nas sociedades modernas ocidentais, es-pecialmente a partir das últimas décadas do século XX. Nesse
sentido, compartilha-se do entendimento de Weber do conceito
de cultura como um conceito de valor:

Para nós, a realidade empírica é “cultura” porque, enquan-to por nós relacionada às ideias de valor, ela abrange os ele-mentos da realidade que, através dessa relação, se revestem
para nós de uma significação. Uma parte ínfima da realidade individual adquire novo aspecto de cada vez que é observada,
por ação do nosso interesse condicionado por tais ideias de valor. Para nós, apenas essa parte se reveste de significação,
precisamente porque revela relações tornadas importantes
pela sua vinculação a ideias de valor. (Weber, 2008, p. 34).Portanto, a dimensão cultural é privilegiada nesta análise justa-mente por reconhecermos que é nessa dimensão que se produ-

zem e reproduzem os sentidos de individualidade que servirão
de fundamento não apenas para orientação de ações individu-
ais, mas para a constituição de políticas públicas, produção de
saberes especializados, relações tanto pessoais e afetivas mais ou menos institucionalizadas – da contração do matrimônio a relações “líquidas” (Bauman, 2004) – a relações de trabalho e
formação de novos mercados de bens e serviços, como novos aparatos tecnológicos e aplicativos para todos os fins imaginá-veis – dieta, meditação, encontros e relacionamentos, geolo-calização, etc. Além disso, a compreensão de novas formas de significação da individualidade é indissociável dos processos

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de socialização, os quais entendemos em sentido plural e con-
tínuo (Lahire, 2002) como fenômeno marcadamente cultural,
ao pressupor, nos processos interativos que lhe são inerentes, a constante negociação, citação e reiteração de significados, bem como de sua fundamentação no senso comum – aqui entendi-do em seu aspecto compartilhado. De acordo com José de Souza Martins, o senso comum não é “comum” no sentido de banal ou um conhecimento “menor”, mas porque implica conhecimen-
tos compartilhados entre os participantes da relação social, de modo que o significado precede à interação, uma vez que ofere-ce as condições de sua ocorrência: “Sem significado comparti-lhado, não há interação. Além disso, não há possibilidade de que os participantes da interação se imponham significados, já que o significado é reciprocamente experimentado pelos sujeitos”
(Martins, 1998, p. 3-4).

Sob tal perspectiva, o fenômeno da individualização em seus
contornos atuais parece ensejar um instigante paradoxo: a pro-dução de um sentido compartilhado de “indivíduo” que estimula
e valoriza crescentemente a sua singularidade, de modo a beirar a incomunicabilidade, com a crença – facilmente contradita em-piricamente – numa produção autônoma de significados e de si.
Nos termos de Beck e Beck-Gernsheim (2017, p. 19):

A individualização designa, portanto, um fenômeno cam-
biante, de várias faces, ambíguo, mais precisamente: uma transformação social cuja multiplicidade de significados é real e não pode ser eliminada apenas com elucidações
conceituais, ainda que necessárias. De um lado, liberdade,
decisão; de outro: obrigação, cumprimento das exigências
interiorizadas do mercado. Autorresponsabilidade de um
lado, e do outro, dependência das condições que se esqui-
vam ao acesso individual. Trata-se, precisamente, das con-dições que provocam uma singularização e também novas e
diferentes dependências: a auto-obrigação de padronizar a
própria existência
(grifo dos autores).

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2. O amor como significação culturalmente individualizanteElias (1994) também confere especial atenção ao tema da indi-
vidualização como um processo social e histórico, que se carac-
teriza, entre outras coisas, pela crescente diferenciação no seio
da sociedade. Contudo, o autor rechaça explicações que separem
e oponham indivíduo e sociedade. Desse modo, pode-se inferir
que a individualização, embora se apresente, na perspectiva do
indivíduo, como um fenômeno que tende a distingui-lo da socie-dade circundante e opor-lhe a ela, enseja também um grau de conformidade – nunca plenamente consciente – com padrões e
pressões sociais, em processos de diferenciação e autocontrole. Essa diferenciação, porém, não reduz o desejo de conexões afeti-
vas espontâneas e do sentimento de segurança a elas associado.
O autor destaca que a crescente diferenciação social caracterís-tica do processo civilizatório ocidental promove também uma
crescente individualização que implica na constituição de diver-
sas e variáveis relações pessoais. Nisso, o autor sublinha “um anseio de calor afetivo, de ter afirmada a afeição dos outros e
pelos outros, aliado a uma incapacidade de proporcionar afeição espontânea” (Elias, 1994, p. 167). Em seguida, Elias aponta que
o desejo de dar e receber calor afetivo nas relações com outrem não é sufocado, mas, sim, a capacidade de dá-lo e recebê-lo.
Considerando a dualidade entre o anseio por dar e receber ca-
lor afetivo nas relações sociais e a incapacidade, na maioria dos
casos, de atender a esse anseio, a esfera dos relacionamentos
íntimos amorosos pode ser entendida como particularmente
representativa da individualização como fenômeno social: de
um lado, em seu aspecto singularizante, temos a ideia de produ-ção de um universo de significados particulares e exclusivos aos amantes. Além de não ser uma ideia nova, ela é chave na idea-
lização dos relacionamentos, na medida em que os parceiros se tornam, um para o outro, reciprocamente, “únicos no mundo”,
partilhando códigos decifráveis apenas por si. De outro lado,
emergem obrigações e o senso de autorresponsabilidade que vai

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além da responsabilidade para com o outro, implicando modos
de agir, de consumir, de se posicionar publicamente que sejam reiterativos, para si, para o/a parceiro/a e para a comunidade à volta, do cumprimento “correto” de seus respectivos papéis en-
quanto membros do casal. Nos dias atuais, a expressão desses posicionamentos públicos reiterativos é evidenciada no recurso às redes sociais digitais – especialmente Facebook e Instagram – nas quais, além de indicações de “status de relacionamento”, é frequente o compartilhamento de imagens – fotos e/ou vídeos –
do casal nas mais variadas situações.

O discurso de amor romântico, já em suas raízes no discurso pa-gão dos remanescentes dos cátaros no século XII (Rougemont,
1988), pressupunha como fundamento a distinção da linguagem “comum”, por meio de códigos acessíveis apenas aos “iniciados”. Mas se, na época, esses iniciados eram remanescentes de uma tradição religiosa perseguida e quase dizimada na Idade Média, na modernidade, “iniciados” se tornam quaisquer indivíduos que, a partir das ficções – em princípio literárias e, posteriormente, ci-nematográficas e televisivas –, aprendem a nomear como “amor”
determinada pulsão afetiva direcionada a outro indivíduo. De modo que o amor se propõe, ao mesmo tempo, como significa-ção individual singularizante – a qual se alimenta precisamente da reiteração dessa singularização – e como significação social e culturalmente balizada que, como tal, reafirma-se não apenas pelo emprego de um léxico específico, mas também por meio de uma série de atos que institucionalizam publicamente a relação
para outros atores. Desde a aquisição de um pacote de viagem de “casal” até a evocação do outro na qualidade específica de par-ceiro em eventos sociais: “Este é meu namorado”, passando pela
escolha de presentes e declarações públicas de afeto nas redes
sociais no Dia dos Namorados ou em datas aleatórias.Convém assinalar que tais demonstrações, ainda que possam
ter um aspecto que os críticos considerariam como exibicionis-
mo ordinário, constitui, ao menos entre os atores engajados que

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acreditam em seu papel (Goffman, 2005), um elemento de sua
participação na vida social que extrapola sua relação com o/a
parceiro/a. De modo que o amor mobiliza modos de participação e atuação no tecido social que vão além do casal, sem que esse
necessariamente tenha consciência nessa orientação. O exemplo mais evidente é na participação na vida econômica por meio das
relações de consumo. Embora individualmente orientados para a aparente satisfação de desejos e necessidades do parceiro – ou de si, por meio do parceiro – esses gestos envolvem todo um mer-cado complexo, de diferentes produtos e diferentes profissionais
atuando em distintas esferas, mas dentro de uma perspectiva em
que, curiosamente, as demonstrações daquilo que “não tem pre-ço” são claramente precificadas de acordo com as normas típi-cas – embora nem sempre claras – do mercado, conforme aponta
Jardim (2021). E, como a autora mostra, justamente o fato de ser considerado “algo que não tem preço” é que será apontado como justificativa para os valores cobrados nos mais variados tipos de
serviço que se apresentam, seja para o encontro, a conquista, ma-
nutenção, seja para o desfrute do amor.Serge Chaumier (1999) aponta um conflito nos ideais recentes
de amor, tendo em vista que, historicamente, nas sociedades mo-
dernas ocidentais, promoveu-se um ideal de amor que pregava a “fusão” dos amantes em uma espécie de unidade simbiótica que
se materializa na instituição da família. Contudo, ao menos desde
os anos 1970, propagou-se cada vez mais um ideal de amor que promove o “desligamento” desse modelo fusional, estimulando o desenvolvimento das individualidades dos membros do casal. Há
um caráter progressista inegável se compararmos as perspectivas
mais recentes com o ideal fusional antes predominante, no qual
a individualidade feminina era pouco considerada, muitas vezes
sendo estimulada, desde os primeiros anos de vida, a buscar sua definição por meio da fusão com um parceiro masculino:

A mística do príncipe encantado virá se inscrever em con-
tinuidade, levando as mulheres a crerem que o sentido de

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sua existência é algo escondido. Em uma existência vazia, o
amor virá preencher essa falta. A mulher espera do homem uma confirmação de sua identidade, um reconhecimento, uma afirmação. [...] O jogo amoroso é idealização da fantasia
do reconhecimento: “o outro me dará minha identidade... ele faz de mim alguém” (Chaumier, 1999, p. 170).

Contudo, se o ideal fusional já se revela impraticável para grande
parte dos amantes, por outro lado, a idealização da fantasia de
reconhecimento permanece, quiçá fortalecida. Mas se, na mís-
tica do príncipe encantado no ideal fusional, o foco da questão estaria em um membro do casal – tipicamente o homem – dar,
conceder
ao outro sua identidade ou, no mínimo, as condições
materiais e institucionais de desenvolvê-la dentro de parâme-
tros socialmente estimulados, no desligamento amoroso, a
busca por reconhecimento continua e se exacerba: busca-se o
reconhecimento em si, de uma identidade (supostamente) au-
toproduzida. O que não soluciona a questão, pois permanece a
dúvida sobre a validação dessa identidade.

É importante sublinhar que o conceito de amor fusional se sus-
tenta por uma perspectiva de divisão sexual do trabalho e de fa-
mília em que a fusão amorosa implica ideais muito discutíveis de “complementaridade” entre masculino e feminino, que ten-dem a naturalizar tanto os respectivos papéis de gênero dentro
do relacionamento quanto o próprio caráter fusional que, na
prática, tendia a inibir, de modo consideravelmente desigual, a
individualidade feminina. Nesse sentido Beck-Gernsheim (2017,
p. 78) aponta para uma importante mudança, na qual o proje-to de individualização moderno, antes, era associado apenas às biografias masculinas, deixando a mulher encarregada do cuida-
do dos outros e da vida familiar. E, por muito tempo, a coesão da
família nuclear se manteve ancorada nessa desigualdade, sem
constituir um projeto individualizante para marido e esposa
em condições equânimes. De modo que as lutas e as conquis-tas feministas pelo menos desde os anos 1960 também exercem importante papel enquanto lutas por reconhecimento (Honne-

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th, 2003) não apenas pela institucionalização de direitos iguais, mas também pela universalização de um sentido de individua-
lidade e autodeterminação não condicionado pelo exercício de papéis sociais específicos de gênero; subordinados às biografias masculinas e à constituição da família.
Importante frisar, portanto, que mudanças estruturais no tecido social mais amplo – na economia, na política e nas tecnologias de comunicação –, além de afetarem o âmbito e as condições
de realização das relações amorosas em sentido macroscópico, também afetam, de maneira mais ou menos recíproca, os pro-cessos de significação amorosa dentro dos relacionamentos,
bem como a própria produção da individualidade dos membros
do casal. Não se trata apenas de um habituar-se a novas condi-ções materiais de existência, mas, principalmente, à exposição
e ao compartilhamento de determinados discursos, imagens e
percepções de realidade que, de diferentes maneiras, estimulam atitudes reflexivas acerca do próprio comportamento e dos pró-
prios laços afetivos. Um dos melhores exemplos que podemos encontrar hoje em dia é a popularização do conceito de amor lí-
quido (Bauman, 2004). O diagnóstico pessimista, que combina a
elaborada teoria da modernidade líquida do autor a percepções
ainda bastante idealizadas e conservadoras acerca das relações amorosas, provocou uma espécie de identificação de muitos
usuários de redes sociais e frequentadores assíduos de portais
de autoajuda e colaborativos não com o conceito em si, mas com
o rechaço e a crítica moral que ele enseja a dinâmicas recentes
de relacionamentos afetivo-sexuais, nem sempre pautadas por ideais do tipo “felizes para sempre”.
Muitos desses admiradores de trechos esparsos da obra de Bau-
man encontrados em publicações curtas do Twitter, ao mesmo tempo, tomam a tragédia do amor líquido como um fato social
geral e consumado e a si mesmos como últimos pilares de re-
sistência do amor romântico. Nesse sentido, compartilham em suas redes sociais a crítica à liquidez e à efemeridade das re-

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lações contemporâneas, mas reproduzem ideais românticos de
distinção social. Contudo, esse idealismo inspirado em excertos da sociologia de Bauman revela uma inflexão na construção do
sentido do amor na atualidade e sua conciliação com os ideais ro-
mânticos percebidos e desejados como universais. Consideremos
o que expõe Martuccelli (2016, p. 161) sobre o amor passional:

Aqui reside um dos principais limites que o amor como sen-
tido vital enfrenta no momento de converter-se em um ideal
para a vida social: a subversão romântica dos amantes nas-ce e morre com eles. Trata-se de uma revolta – nos casos em que ela é necessária – exclusiva dos amantes. As histórias de amor passional são concebidas como uma “arma” para
legitimar o desejo dos amantes contra os ditames do gru-
po. Contudo, uma vez que nas sociedades contemporâneas
a maioria das pessoas já não precisa recorrer a essa forma
de heroísmo sentimental, o amor passional, esse horizonte
do sentido pessoal, perde força na hora de ser erigido como um verdadeiro ideal de vida. A sociedade já não se opõe – ou quase nunca – aos projetos de amor dos indivíduos. Pelo
contrário, o amor transformou-se em uma poderosa
norma social e prescrição institucional
(grifo nosso).

Desse modo, nota-se uma mudança de significação, tanto de si,
por qualidades românticas individuais, quanto dos relaciona-
mentos afetivos e sexuais em sentido amplo, bem como as inda-gações que se colocam no curso de sua reflexividade, ao avalia-rem se uma relação em potencial é digna de seu engajamento, tanto físico quanto psíquico, emocional ou mesmo financeiro. E essa mudança muitas vezes aparenta conflitar com o ideal nor-
matizado do amor que, contraditoriamente, exalta suas carac-terísticas de superação do estatuto coletivo e “libertação” pela
fusão espiritual dos amantes, supostamente capaz de vencer todas as resistências atribuídas à sociedade: códigos morais,
endogamia de classes, tradições limitantes, etc. Nesse sentido,
o amor como norma reitera o lugar central da individualidade
como valor social e, com isso, eventualmente, perde algo da aura

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que lhe é atribuída como possibilidade de transcender o social,
percebido como domínio do ordinário.

Assim, ressalta-se que uma abordagem sociológica do amor, a des-
peito de todas as instituições pretendidas como duradouras relati-vas a ele – em que se destaque o casamento, dentro de uma pers-pectiva de heterossexualidade compulsória – deve sempre levar em conta seu caráter processual e dinâmico, enquanto significação,
mesmo que os signos e discursos mobilizados atuem no sentido
de manter crenças e percepções de mundo historicamente estru-turadas. E, reconhecendo a especificidade da experiência amoro-sa moderna e contemporânea marcadamente significada como singularista e singularizante, a figura do indivíduo – também fruto de processos sociais e históricos, como Elias (1999) bem observa –
ocupa posição central enquanto ponto de referência para o sentido
da experiência amorosa. Sentido esse que se propõe universalizan-te – definindo socialmente o que é ou não amor “verdadeiro” – e, ao
contrário do que intui e proclama o senso comum, não direcionado
ao outro, mas a si. Conforme aponta Chaumier (1999, p. 201):

As novas relações desenvolvidas na sociedade contempo-
rânea consistem no pleno reconhecimento de suas subje-tividades-individualidades. Isso significa, de dois uns para
construir uma terceira história. Não se trata mais de um dos
parceiros desaparecer ao formar o casal. Cada um entende conservar sua identidade específica e afirmar o direito a
uma existência autônoma.

É importante sublinhar que, com essa reflexão sociológica, não
se pretende endossar críticas comuns que apontam a preponde-rância da individualidade na configuração dos processos de sig-nificação amorosa e de relacionamentos afetivos como algo mo-
ralmente negativo. Trata-se, antes, de uma constatação, a qual
recusa, igualmente, a nostalgia romântica da qual se revestem
tais críticas, que apontam para um passado supostamente mais “simples” ou “honesto”, quando os relacionamentos amorosos

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durariam mais. Nesses casos, emerge a confusão entre amor e
instituição do matrimônio e ignoram-se todas as condições so-
ciais, culturais e legais hodiernas que conferem a mais mulheres
oportunidades de separação e de assumirem o controle de suas biografias independentemente das posições de mãe e esposa. Algo que, vale salientar, ainda não é a realidade de muitas mu-lheres que dependem financeiramente de seus parceiros ou, se-
não, do arranjo conjugal e familiar com eles constituído.

Mas, mesmo em casos como esses, especialmente pelas possi-bilidades ofertadas pela massificação do acesso a mídias digi-tais – em que se incluem desde vídeos tutoriais no Youtube a
redes sociais, plataformas de vídeo streaming, portais de auto-ajuda, podcasts, aplicativos de relacionamento, etc. –, o contato
com discursos e narrativas de possibilidades variadas de pro-dução de si e significação amorosa expandem-se numa forma
especialmente individualizada a partir da tecnologia, ao colo-
car isso tudo, literalmente, na palma da mão do usuário. De tal
modo que, mesmo em condições práticas e materiais limitadas de transformação, o potencial reflexivo que emerge do conta-to com essa diversidade de conteúdos e formas de significação
contribui para alterar tanto as percepções de si e da realidade circundante quanto o léxico e o repertório simbólico mobiliza-
dos para transitar, comunicar-se e estabelecer conexões afetivas – tanto faz se duradouras ou não. Isso, por sua vez, causa impac-tos diversos – tanto por via de reafirmação ou questionamento – nos modos de significar as próprias emoções e relações afetivas,
consequentemente, impactando em modos com que indivíduos
orientam suas ações perante outros, ao mesmo tempo em que
interpretam reciprocamente as ações desses outros.

Considerações finaisBuscou-se, ao longo do presente texto, articular uma série de in-
quietações e possibilidades teóricas e analíticas para questões

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insistentes que se apresentam no início de uma nova pesquisa.
Nesse sentido, trata-se ainda de uma tentativa de desembara-
çar um grande emaranhado de ideias em que novas leituras se entrelaçam a questões anteriormente trabalhadas – e jamais esgotadas – que, à luz dos anos, de releituras, reescritas e de-
bates, ganham novo corpo ainda em processo de deciframento.
De todo modo, algum direcionamento já emerge nesse processo, como é apontado a seguir.Em primeiro lugar, apresentou-se, de modo bastante sintético,
uma chave analítica para os processos de individualização nas
sociedades contemporâneas que enfatize sua dimensão cultural
e simbólica, bem como seu caráter processual e relacional. Den-
tre os clássicos destacou-se, por um lado, a contribuição sim-
meliana em face do fundamento relacional de sua análise dos
processos sociais, com a qual a perspectiva de Elias encontra
frutuosas aproximações. Por outro lado, ainda remontando aos
clássicos, encontra-se na sociologia weberiana uma importante
fonte de inspiração metodológica em face de seu caráter com-
preensivo e da particular relevância que a dimensão cultural,
enquanto campo operacional da produção, reprodução e trans-
formação de sentidos, assume na interpretação dos fenômenos
sociais de modo a reconhecer o papel ativo dos indivíduos na manutenção e modificação dessa dimensão.
Saindo dos clássicos, foram apresentadas algumas perspecti-
vas que, a despeito de algumas discordâncias teórico-metodo-
lógicas, têm em comum o reconhecimento dos processos de
individualização (Beck e Gernsheim, 2002) ou singularização
(Martuccelli, 2010) como fenômenos sociais de ordem macros-
sociológica, atuando no nível das estruturas e instituições sociais – sempre percebidas de forma dinâmica e mutável – envolvendo
economia, política e valores individualizantes que tendem a se
apresentar como universais. Nesse sentido, defendeu-se como
necessária uma análise sociológica aprofundada das condições sociais e históricas de produção de uma concepção específica

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de individualidade como valor central e sagrado para os atores
contemporâneos. Entende-se que a individualidade como valor
pretensamente universal, ao mesmo tempo em que esteve pre-
sente na emergência das sociedades modernas como um dos
seus princípios ideológicos fundadores, passa por mudanças e ressignificações no curso da história da modernidade, com ten-
dência a torna-se mais abrangente e mais matizada, sem, entre-
tanto, perder de vista seu caráter de princípio ideológico univer-salizante. Nesse sentido, seja no campo político – tanto do ponto de vista do ativismo quanto das instituições –, seja no campo
econômico, em sua relação com a estilização da vida por meio do
consumo, o princípio da individualidade aparece cada vez mais como corolário – ou até mesmo sinônimo – de “humanidade”.
Segundamente, articulou-se uma analítica sociológica do amor – mais especificamente em sua variante romântica e afetivo--sexual – a essa concepção da individualização como processo
cultural e sócio-histórico que acreditamos, hoje, mais do que
nunca, tornar-se central para a compreensão dos comportamen-
tos e dinâmicas sociais e interrelacionais contemporâneos. Con-
tudo, não se tratou de simplesmente apresentar o amor como
decorrência desse processo mais abrangente de individualiza-ção. Ao apresentar o conceito de amor como significação e, com
isso, enfatizar sua dimensão mutável e passível de uma análise
sociológica interpretativa e não determinista, entendemos que
esse, reciprocamente, cumpriu e cumpre papel fundamental
nos processos históricos de individualização desde a aurora da modernidade. De modo que o tema do amor não é concebido
aqui como qualquer objeto arbitrariamente selecionado a ser
enquadrado sob uma explicação generalizante dos processos de
individualização. Ao contrário, entendemos que a própria valo-rização do tema do amor desde o romantismo burguês do final do século XVIII até os seus contornos mais atuais, amplamente
propagado por mídias impressas, audiovisuais e digitais, execu-
ta um papel-chave na consolidação da cultura individualizante
contemporânea.

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Por ora, ainda não somos capazes de identificar e apontar com
precisão como esta relação simbiótica entre cultura da indivi-dualização e significação amorosa se desenvolve, uma vez que é justamente esse o problema central que se encontra ainda em elaboração. No entanto, como primeira – e, portanto, sabida-mente temporária – hipótese, voltamos nosso olhar para o que percebemos comum à individualidade e ao amor como valores culturais particularmente significativos da contemporaneidade: paradoxalmente, ambos se afirmam e precisam se reconhecer
por meio de uma diferenciação radical do mundo social circun-dante, explícita e performaticamente reafirmando sua distinção e suas idiossincrasias como “provas”, elementos legitimadores para si – indivíduo no singular e seu/sua parceiro/a –, mas ne-cessitam fazê-lo em uma forma específica socialmente determi-nada e balizada – também mutável e mais ou menos transitória – que, ao mesmo tempo, não lhe recusa o caráter idiossincrático, mas também não o enquadra como desviante ou abjeto. De modo que, paradoxalmente, o amor é idealizado como lugar privilegiado – senão o único – para a vivência máxima da indi-vidualidade, mas, ao mesmo tempo, subjugado a uma série de
prescrições sociais, culturais e históricas que, seja por meio das
instituições como o Estado, a Igreja ou a Família, seja por meio da validação de usuários das redes sociais, afinidades com can-
ções e obras artísticas e de entretenimento, busca para si uma
legitimidade que não pode ser encontrada nem solitariamente, nem apenas no parceiro amoroso. O amor é idealizado como
elemento legitimador de relações, distinguindo-se, por exemplo, da promiscuidade ou da “liquidez”, como gostariam os adeptos
mais moralistas de Bauman nas redes sociais. E, ao mesmo tem-po, é o legitimador do indivíduo como portador de méritos es-peciais que o tornem digno do que, curiosamente, é apresentado
como um bem democrático e universal; algo que, nas narrati-
vas românticas, todo ser humano estaria destinado a encontrar e vivenciar. Por fim, entendemos que, dentro da perspectiva de
uma sociedade que erigiu a individualidade como valor central,

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absoluto e geral, o amor, como ideal e como forma de signifi-cação, é o que possibilita, por seu caráter intrinsecamente rela-
cional e culturalmente personalista, a ligação, em nível prático e em nível simbólico, entre “indivíduo” e “sociedade”. Obviamente, sem ignorar, do ponto de vista analítico, a artificialidade dessa
separação, mas reconhecendo seus efeitos práticos na orienta-
ção dos comportamentos em sociedade, em níveis individuais e
coletivos. De modo que o amor, ao oferecer a condição máxima
do reconhecimento individual por outro, confere ao indivíduo a confirmação e legitimação de sua existência como membro de
uma sociedade, de maneira aparentemente independente dela.

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Recebido em 13/01/2022
Aceito em 17/05/2022