TOMO. N. 39 JUL./DEZ. | 2021

“Coronacrise”*: Reflexões Sobre Alguns
Efeitos Necropolíticos de/em uma

Pandemia e os desafios para as Ciências
Humanas e Sociais em Saúde1

Esmael Alves de Oliveira**2

Catia Paranhos Martins***3

Marcos Aurélio da Silva****4

Resumo
Ao sermos interpelados/as pelo atual cenário político-pandêmico e
diante de um quadro tão incerto quanto o que vivemos, somos desa-fiados/as a refletir não apenas sobre os “limites”, mas também sobre as “possibilidades” inauguradas em tempos de crise. Assim, num mo-
vimento de disputa crítica e analítica frente aos inúmeros eventos do presente, buscamos, a partir de uma perspectiva transdisciplinar e em diálogo com autores e autoras que versam sobre as (bio)políticas con-temporâneas, tecer breves considerações sobre os efeitos necropolíticos da crise da Covid-19 no Brasil. A partir de um levantamento bibliográfico e da análise de algumas notícias, concluímos que, se a pandemia é um problema de todos/as, a lógica necropolítica em curso no Brasil faz com que ela incida, principalmente, sobre sujeitos e coletivos atravessados por marcadores sociais de diferença, colocando-se como desafio para as
ciências humanas e sociais que têm acionado toda uma expertise na área da saúde para refletir e contribuir diante desse contexto.
Palavras-chave: Covid-19. Necropolítica. Saúde. Marcadores sociais de diferença. Ciências humanas em saúde.
* Inspiramo-nos no artigo “A cor/raça dos trabalhadores mais afetados na coronacrise” de autoria da pesquisadora Ana Luíza Matos de Oliveira (2020).** Professor Adjunto do curso de Ciências Sociais, do Programa de Pós-Graduação em An-tropologia (PPGAnt) da FCH/UFGD e do PPGAS/UFMS. E-mail: esmael_oliveira@live.com*** Professora da Graduação e Pós-Graduação em Psicologia e do Programa de Residên-cia Multiprofissional em Saúde da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: catiaparanhos@hotmail.com**** Professor Adjunto do Instituto de Saúde Coletiva, na área de Ciências Humanas e Saúde. Professor permanente dos programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva e de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail: marcoaureliosc@hotmail.com

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“CORONACRISE”

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“Coronacrisis”: Reflections On Some Necropolitical
Effects Of/In A Pandemic and the Challenges For

Human And Social Sciences In Health

Abstract As we are challenged by the current political-pandemic scenario and
faced with a situation as uncertain as the one we live in, we are chal-lenged to reflect not only on the “limits”, but also on the “possibilities” inaugurated in times of crisis. Thus, in a movement of critical and analytical dispute in the face of the countless events of the present, we seek, from a transdisciplinary perspective and in dialogue with authors dealing with contemporary (bio) policies, to make brief considerations about the necropolitical effects of the crisis of Covid-19 in Brazil. Based on a bibliographic survey and the analysis of some news, we conclude that if the pandemic is a problem for everyone, the necropolitical logic underway in Brazil causes it to focus mainly on subjects and collectives crossed by social markers of difference, posing itself as a challenge for the human and social sciences that have triggered a whole expertise in the health area to reflect and contribute to this context.
Keywords: Covid-19. Necropolitics. Health. Social markers of differ-ence. Humanities in health.

“Coronacrise”: Reflexiones Sobre Algunos Efectos
Necropolíticos de/en una Pandemia Y Los Desafíos

Para Las Ciencias Humanas Y Sociales En Salud

ResumenAnte el desafío del actual escenario político-pandémico y ante una situación tan incierta como la que vivimos, tenemos el desafío de re-flexionar no solo sobre los “límites”, sino también sobre las “posibi-lidades” inauguradas en tiempos de crisis. Así, en un movimiento de disputa crítica y analítica frente a los innumerables acontecimientos del presente, buscamos, desde una perspectiva transdisciplinar y en diálogo con autores que se ocupan de (bio) políticas contemporáne-

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Um pequeno balanço

Ao sermos interpelados/as pelo atual cenário político-pandêmi-
co, não pudemos deixar de pensar que, diante de um quadro tão incerto quanto o que vivemos, mais uma vez somos desafiados/as a refletir não apenas sobre os “limites”, mas também sobre as “possibilidades” inauguradas em tempos de crise. Como as-severam Castro, Engel e Martins (2018, p. 12), a “ideia de crise, tragédia, ruptura não é autoevidente, unívoca ou indisputável”.
Assim, foi num movimento de disputa crítica e analítica frente a alguns eventos do presente que buscamos, a partir de uma perspectiva transdisciplinar e em diálogo com autores e auto-ras que versam sobre as (bio)políticas contemporâneas, tecer breves considerações sobre os efeitos necropolíticos da crise da Covid-19 no Brasil. Problematizar o atual cenário e o que nos acontece é tanto estratégia de sobrevivência quanto a busca por uma construção coletiva de uma “vacina política”, como nos diz Mussi (2020), para as necessárias mudanças nos modos de gerir a vida num momento em que chegamos ao estarrecedor número de mais de 175 mil óbitos.Nesse cenário, almejamos problematizar as “possibilidades” inau-guradas em tempos de crise para o campo das Ciências Sociais e

as, hacer breves consideraciones sobre los efectos necropolíticos de la crisis de Covid-19 en Brasil. A partir de un relevamiento bibliográfico y el análisis de algunas noticias, concluimos que, si la pandemia es un problema para todos, la lógica necropolítica en marcha en Brasil hace que se concentre principalmente en sujetos y colectivos atravesados
por marcadores sociales de la diferencia, planteándose como un de-safío para las ciencias humanas y sociales que han utilizado toda una experiencia en el área de la salud para reflexionar y contribuir a ese contexto.
Palabras clave: Covid-19. Necropolítica. Salud. Marcadores sociales de la diferencia. Humanidades en salud.

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Humanas em Saúde, o que consiste na desnaturalização e enfren-tamento dos processos de violências simbólicas e institucionais que são produtoras de adoecimento e morte. Assim, não por aca-so, no contexto pandêmico, ganha força o equívoco e as limitações em tomar a doença como exclusivamente da seara das ciências biomédicas invisibilizando, a partir da acusação de “ideologizar a pandemia”, questões de fundo político e sociocultural que incidem diretamente sobre a saúde e a vida da população mais precarizada. Certamente, não há benefícios numa tragédia humana como uma pandemia que, até a finalização deste artigo, já matou mais de 1,5
milhão de pessoas em todo o planeta. Mas, de alguma forma, esse
cenário desvelou um quadro em que o Estado e as forças econômi-cas que lhe dão sustentação podem produzir políticas de morte ou tornar-se a força motriz de uma “máquina de moer gente” que tem como alvo privilegiado sujeitos e coletivos atravessados por gêne-ro, raça/etnia, classe, orientação sexual, dentre outros marcadores.Da mesma forma que o termo necropolítica entrou no vocabu-lário público, as Ciências Humanas e Sociais em Saúde são cada vez mais convocadas a pensar sobre questões como vulnerabi-lidades e vulnerabilizações, sobre as desconfianças de setores conservadores em relação à biomedicina, sobre o avanço deleté-rio do negacionismo e das fake news, sobre a diversidade socio-cultural dos processos de saúde e adoecimento, sobre a saúde do/a trabalhador/a, sobre as questões ambientais e a medicali-zação da vida, abrindo novas perspectivas e ampliando algumas já consolidadas. Conforme Carrara (2020, p. 1):

Nessa reverberação de vozes, opiniões, análises e denúncias em torno da eclosão da Covid-19, alguém disse que o Brasil vive uma pandemia em meio a um pandemônio. Trata-se de um pandemônio ético-político que teve início bem antes da constatação dos primeiros casos da doença entre nós. Em seu âmbito, colocou-se em questão, entre múltiplos alvos, a relevância das ciências humanas e sociais, às quais se acusa de ser espécie de saber suntuário, um luxo descartável em tempos de escassez econômica.

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Pois foi desse campo que, ao lado das publicações biomédicas, surgiram algumas das primeiras reflexões, antes da pandemia tornar-se global, demonstrando a resposta rápida das Ciências Humanas e Sociais para questões de caráter emergencial, como
as que vimos em decorrência da pandemia da Covid-19 – o que demonstra o protagonismo e a importância desses campos de conhecimento, ao contrário da acusação de balbúrdia feita pelo atual desgoverno. Numa pesquisa à base de artigos científicos Scielo, dos 498 arti-gos resultantes para a palavra de busca “Covid”, em torno de 130 artigos são do campo das Ciências Humanas e Sociais em Saúde, sendo que ao menos cinco revistas lançaram dossiês sobre o as-sunto, como a Physis1 (IMS/UERJ), a Estudos Avançados2 (USP), a Revista Brasileira de Saúde Ocupacional3 (Fundacentro), a Ci-ência e Saúde Coletiva4 (ABRASCO) e a Ambiente e Sociedade5 (ANPPAS). Acrescentamos também os dossiês, em fase de edito-ração, da revista Horizontes Antropológicos (UFRGS) e da Cultu-ra e Sociedade (UFG).É preciso também mencionar a importante proliferação de publicações de livros sobre a temática, tanto por parte de editoras já consolidadas quanto de editoras novas, facilitada pela recente indústria dos e-books. Da filosofia, o já clássico “Sopa de Wuhan” nos trouxe a reflexão de primeira hora de no-mes importantes como Giorgio Agamben, Slavoj Žižek, Paul Pre-ciado e Judith Butler, que nos pergunta:

¿Cuáles son las consecuencias de esta pandemia al pensar en la igualdad, la interdependencia global y nuestras
1 Physis: Revista de Saúde Coletiva, vol. 30, n. 2, Rio de Janeiro, 2020.2 Estudos Avançados, vol. 34, n. 99, São Paulo, maio/ago. 2020.3 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, vol. 45, São Paulo, 2020.4 Ciência & Saúde Coletiva, vol. 25, supl. 2, Rio de Janeiro, out. 2020. Praticamente todas as edições da revista em 2020 trouxeram inúmeros artigos sobre a pandemia.5 Ambiente & Sociedade, vol. 23, São Paulo, 2020.

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obligaciones mutuas? El virus no discrimina. Podríamos decir que nos trata por igual, nos pone igualmente en riesgo de enfermar, perder a alguien cercano y vivir en un mundo de inminente amenaza. Por cierto, se mueve y ataca, el virus demuestra que la comunidad humana es igualmente frágil. Al mismo tiempo, sin embargo, la incapacidad de algunos estados o regiones para prepararse con anticipación (Estados Unidos es quizás el miembro más notorio de ese club), el refuerzo de las políticas nacionales y el cierre de las fronteras (a menudo acompañado de racismo temeroso) y la llegada de empresarios ansiosos por capitalizar el sufrimiento global, todos dan testimonio de la rapidez con la que la desigualdad radical, que incluye el nacionalismo, la supremacía blanca, la violencia contra las mujeres, las personas queer y trans, y la explotación capitalista encuen-tran formas de reproducir y fortalecer su poderes dentro de las zonas pandémicas. Esto no debería sorprendernos (Butler, 2020, p. 60). No Brasil, duas coletâneas merecem destaque. A primeira orga-nizada por Oliveira e Souza (2020) e intitulada “A sociedade em tempos de covid-19”6. A publicação ancorada numa proposta in-
terdisciplinar contemplou a análise dos impactos da pandemia a partir de diferentes campos disciplinares como Biotecnologia, Ciência da Informação, Construção Civil, Direito, Educação, Fi-losofia, História, Interdisciplinar, Meio Ambiente, Psicologia, Saúde, Serviço Social, Sociologia e Tecnologias. A outra, intitu-lada “Cientistas Sociais e o Coronavírus”7, organizada por Gros-si e Toniol (2020), conta com nada menos que 148 artigos que se debruçaram sobre eixos como políticas públicas, economia, trabalho, história, desigualdades, gênero, raça, populações tra-dicionais (indígenas, ribeirinhas, quilombolas e ciganas), saúde mental, arte e comunicação, deficiências, velhice, gestação, reli-gião e morte.
6 Disponível para download no link: https://editorainovar.com.br/_files/200000646--0e8910e896/Livro-A%20SOCIEDADE%20EM%20TEMPOS%20DE%20COVID-19.pdf7 Disponível para download no link: https://www.anpocs.com/index.php/ciencias--sociais/destaques/2458-livro-cientistas-sociais-e-o-coronavirus-ebook-download--gratuito

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Falar da Covid-19 é falar de desigualdade social e política?Meses depois de instaurada, a pandemia continua a nos mos-trar cada vez mais que nem só de vírus se faz uma doença. A
diversidade sociocultural dos processos de saúde e adoecimen-to, campo que se perfaz da Saúde Coletiva às Ciências Humanas e Sociais, tem sido acionada, principalmente para se pensar na variabilidade dos conceitos de saúde, doença e corpo, vistos não apenas como entidades biológicas, mas, sobretudo, políticas e sociais. Tampouco o acesso a serviços de saúde pode ser redu-zido a uma questão de hospital e/ou a medicamentos (vale lem-brar a corrida por parte do atual desgoverno para a aquisição milionária e consequente distribuição de cloroquina). Pelo con-trário, trata-se de reconhecer os impactos que as desigualdades sociais têm não apenas sobre os sistemas de saúde, no caso do Brasil o SUS, mas na própria vida da população.

À semelhança de muitos países de renda baixa e média, 13,5 milhões de brasileiros se encontram em situação de extrema pobreza. Nas favelas das grandes cidades vivem 13,6 milhões de pessoas espremidas em casas e barracos ligados por vielas, sem saneamento e acesso à água limpa. Somente no Nordeste do Brasil, 12 milhões de moradores não tiveram acesso diário à água encanada em 2018; 72%
das famílias nessas comunidades não têm economias nem para resistir uma semana. O país tem 38,3 milhões de brasileiros com empregos precários, e a renda básica emergencial (RBE) de R$ 600 a trabalhadores informais, autônomos e em contrato intermitente, a ser paga por três meses durante a pandemia do novo coronavírus, é insuficiente. Em tais circunstâncias, análogas às de muitos países do Sul Global, distanciamento social, lavagem das mãos e outras medidas de saúde pública não são viáveis e podem até ser prejudiciais, ao aumentar as desigualdades sociais em saúde (Ortega e Behague, 2020, p. 7).
O que nos leva ao campo de estudos das populações vulneráveis, ou melhor, grupos e populações vulnerabilizadas, tema caro às

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pesquisas em saúde. No campo da Saúde Coletiva as iniquidades em saúde, considerada “a mais grave doença brasileira”, são ca-racterizadas pelas desigualdades sociais sistemáticas, relevan-tes, injustas e que poderiam ser evitadas (Buss e Pellegrini Filho, 2006). No escopo desse debate, colocamos ênfase aos processos sociais que constroem essas vulnerabilidades, de onde a nossa preferência pelo termo populações vulnerabilizadas. Ou seja, nos recusamos a adjetivar os sujeitos como vulneráveis como se fosse algo dado, mas, sim, buscamos os processos sociais dessa vulnerabilização, que é o resultado de um projeto necropolítico
historicamente sustentado:

A história que narro a seguir considero uma das expressões mais claras da colonialidade. Em meio à atual conjuntura da pandemia da Covid-19, assistimos, através de nossos televi-sores de 56 polegadas e aconchegados em nossos sofás re-tráteis, ao primeiro caso de morte por Covid-19 notificado no estado do Rio de Janeiro. Uma mulher, negra, empregada doméstica que estava trabalhando na casa dos patrões no Alto Leblon (Zona Sul do Rio de Janeiro) e contraiu o vírus da patroa que acabara de chegar de uma viagem à Europa. A patroa não fez o isolamento social de 14 dias recomenda-
do por especialistas, para que se evitasse a transmissão da doença. Ela continuou com os empregados em casa, servin-do-a enquanto transmitia o vírus. O problema é que a em-pregada, além de ter 63 anos, possuía comorbidades impor-tantes, o que fez com que a doença se agravasse ainda mais rápido. Após alguns dias ela foi internada em um hospital público na cidade onde morava, Miguel Pereira, a 120 km do seu local de trabalho. [...]. A história de transmissão da doença que matou a dona Cleonice demonstra de maneira cabal quais são e onde estão localizados os corpos que são mais suscetíveis a morrer. Em outras palavras, a coloniali-dade tem tido seus desdobramentos (Souza, 2020, p. 2-3).
Não só esse colonialismo renovado, num poder soberano de ma-tar, nos coloca perto da Idade Média, como também ficou evi-dente que a inabalável confiança na ciência, um preceito caro à vida moderna (Freire Costa, 2004), não é comungada por boa

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parte de nossa elite racista, de nossa mesquinha classe política e seus séquitos de seguidores que colocam ainda mais em risco a saúde pública. Num contexto em que opiniões pessoais se arro-gam o mesmo peso do discurso científico, ao mesmo tempo que os deslegitimam, drogas, medicamentos e substâncias passaram
a ter seus status tanto valorizados quanto questionados, colo-cando ainda mais em risco uma população que, historicamente privada de inúmeros acessos, não sabe mais em quem confiar:

O contexto peculiar da pandemia nos provoca a refletir so-bre formas de uso, classificações e regulações no mundo das DMS [drogas, medicamentos e substâncias]. Há um aspecto singular com o qual concluímos o texto: nosso momento político coloca em relevo como o estatuto de certas drogas é frágil e pode mudar rapidamente. No caso da cloroquina e da nitazoxadina, uma divulgação pouco cuidadosa por membros do Governo Federal gerou corridas às farmácias, por sujeitos ávidos a se precaver individualmente contra o coronavírus. [...]. Sem dúvida, o cenário da pandemia nos leva e nos levará a reflexões sobre formas de uso de DMS, sejam eles terapêuticos, rituais ou sociais/recreativos. Mas, sem dúvida, são os usos políticos que hoje nos geram parti-cular preocupação (Silva e Azize, 2020, p. 5-6).
Além da insistência em medicamentos sem eficácia comprova-da, o mesmo governo federal decide atacar a produção de vaci-nas que sejam de nacionalidade non-grata, como a chinesa que está sendo produzida no estado de São Paulo, cujo governador é desafeto do presidente. Os pesquisadores das Ciências Humanas e Sociais em Saúde e da Saúde Coletiva, acostumados a lidar com os saberes leigos, certamente não imaginavam esses pensamen-tos emanando justamente daqueles que deveriam ter como in-teresse a melhor resposta aos problemas que assolam a popula-ção. O que nos leva a afirmar que não se trata de uma questão de “pouco” conhecimento, mas de uma indisfarçável estratégia que define a vida de uns em detrimento de muitos, um projeto de Estado sustentado numa política de morte não iniciada agora:

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Outro aspecto que nos parece importante nessa estratégia é que o foco na CQ [cloroquina] esconde a nossa insuficiên-cia referente aos testes diagnósticos. Testamos pouco, o que limita a percepção da extensão da epidemia no território nacional. E isso ocorre pela falta de capacidade de produção de reagentes, já que o Brasil optou por um modelo político e econômico, no início dos anos 90, de desmonte da indústria de produtos químicos e farmoquímicos, levando à intensifi-cação da dependência internacional nesses setores. Em um estudo realizado por Rodrigues et al. (2018), foi possível observar a escolha do Brasil, desde os anos 90, por apos-tar na produção e exportação de commodities e importar
insumos químicos, farmacêuticos e farmoquímicos, o que
tornou o país altamente dependente do mercado interna-cional. Dependência essa que atrapalha, inclusive, a capaci-dade do país de produzir a CQ, já que o insumo farmacêutico ativo é importado da Índia. Essas escolhas políticas incidem hoje sobre nós, em um momento no qual as diversas nações do mundo buscam os mesmos insumos, princípios ativos e equipamentos (Silva e Gonçalves, 2020, p. 6).
Outro campo caro às Ciências Humanas e Sociais em Saúde, que é acionado com força nesse contexto pandêmico, é o das rela-ções entre ambiente e saúde, em que podemos apontar a per-versa dupla face da necropolítica. O fato de agropecuaristas, com incentivo do governo federal – em que o ministro do meio ambiente afirma em uma reunião ministerial que é o momento de aproveitar a pandemia “para passar a boiada”, se referindo à necessidade de flexibilização da legislação ambiental para aten-der aos interesses do empresariado do agronegócio –, se apro-veitarem da situação para queimar vastas áreas da Amazônia e do Pantanal soma-se à “incapacidade” (embora não tenhamos dúvida que trata-se de um ato deliberado) de políticos e empre-sários de relacionarem a pandemia à destruição das florestas:
Se as mudanças climáticas e o desmatamento ainda não convenciam a opinião pública, a pandemia de Covid-19 tem sido bastante tangível em evidenciar que impactos na na-tureza podem retornar rapidamente em severos prejuízos

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aos seres humanos. Em poucas semanas o novo coronavírus Sars-CoV-2 se espalhou pelo planeta, usando nossos corpos como meio de dispersão. A pandemia expôs desvantagens da moderna hipermobilidade, evidenciou fragilidades dos sistemas econômicos, dos serviços públicos e privados de saúde e, sobretudo, gerou severos impactos emocionais e psicológicos, além de incontáveis mortos. (...) A forma como lidamos com a biodiversidade e os ecossistemas, em con-junto com as mudanças climáticas, viabiliza interfaces e corredores por onde ocorrem diversificação e circulação de vírus. Por esses meios, o Sars-CoV-2 poderá invadir biomas brasileiros, transformando florestas como a Amazônia em imensos reservatórios, de onde o coronavírus poderá retor-nar ainda mais agressivo à saúde (Acosta et al., 2020, p. 191).
A abertura de tantos campos e o fortalecimento de outros, pro-
piciados pelo contexto pandêmico, no entanto, acontecem no momento de maior ofensiva sofrida pelas Ciências Humanas. Maluf (2020) nos fala em “urgências etnográficas” que se produ-ziram em torno da pandemia e mobilizou grande parte das Ciên-cias Humanas e Sociais em Saúde com a “criação de espaços para textos, testemunhos, debates, webinars promovidos pelos mais diversos organismos, como associações mundiais e nacionais de antropologia e ciências sociais, programas de pós-graduação e grupos e redes de pesquisa” (2020, n.p.). Como dissemos, não por acaso as Ciências Humanas e Sociais são alvos frequentes e reiterados de ataques de desqualificação. Ataques esses não apenas discursivos, mas que também passam pela suspensão ou diminuição de recursos destinados à ciência e à tecnologia e que
impactam diretamente pesquisas em andamento, importantes centros de pesquisa ou mesmo a formação de uma nova geração
de pesquisadores e pesquisadoras:

Hoje vivemos um momento de exclusão e silenciamento das Humanas – um dos desfechos mais perversos disso foi o novo edital de Iniciação Científica do CNPq, que simplesmente reti-rou da possibilidade de iniciação à pesquisa milhares de estu-dantes de cursos ligados às ciências humanas. Penso que essa

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exclusão reflete tanto um desprezo pela ciência, como uma visão muito limitada e precária do que seja ciência, reduzi-da às questões de inovação tecnológica. Essa briga é antiga. A gente sabe que o campo científico de um país é composto
pelas diferentes áreas e disciplinas – que se sustentam umas às outras. E de diversos níveis de pesquisa, da iniciação e os vários graus de formação, às pesquisas avançadas; da ciência básica às ciências aplicadas. Cortar ou destruir uma dessas áreas esgarça o campo científico, rompe um elo fundamental que constitui esse campo. Um elo que não é apenas formal ou burocrático, mas epistêmico. Sem a complexidade das áreas
de conhecimento, não se entende a complexidade do mun-do – nem a complexidade desta pandemia (Maluf, 2020, n.p.).Entendemos, assim, as muitas lições que a pandemia de 2020 poderá deixar como legado às Ciências Humanas e Sociais em Saúde, seja pelos novos temas que se tornam imprescindíveis de serem estudados – negacionismo, fake news e teorias da cons-piração na saúde, movimentos antivacina e anti-isolamento, a ausência de uma infraestrutura de saúde pública nacional e internacional e a banalização da morte dos “outros” – seja pela precarização das condições de saúde, pela deliberada vulnerabi-lização de camadas da população atravessadas por gênero, raça e classe, pelo negacionismo histórico-científico e pela expansão predatória do “agro” sobre ambientes e populações tradicionais.

A necropolítica “tem voz”A seguir, tomando como gatilho quatro “discursos-cenas”, am-plamente divulgados na mídia brasileira acerca do cenário da pandemia no país, analisamos alguns elementos de ordem po-lítico-ideológica presentes no discurso do atual presidente Jair Bolsonaro e compartilhados por alguns segmentos vinculados à sua proposta de governo. Tais elementos nos permitem eviden-
ciar a existência de uma perversa e cínica tática necropolítica ancorada na ignorância e no descaso e que tem sido responsável por determinar seletivamente “quem vai morrer”.

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Discurso-cena 1: Quando a estratégia é a indiferençaNo dia em que o país registrava o número de 5.017 mortes, em decorrência do coronavírus, o que naquele momento já supe-
rava os números da China, o presidente, ao ser interpelado por uma jornalista em relação aos números de óbitos, em frente ao palácio do Planalto, responde: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre” (Garcia, Gomes e Viana, 2020)8.
Discurso-cena 2: Quando “viver protegido” é privilégio de
alguns poucosEm matéria veiculada pela BBC News Brasil, no dia 18 de mar-ço de 2020, a notícia diz: “Favelas serão as grandes vítimas do coronavírus no Brasil, diz líder de Paraisópolis”. No interior da reportagem, somos informados de que:

Com pouca informação, vivendo em ambientes superlota-dos e sem condições de seguir recomendações como com-prar álcool em gel, estocar comida ou trabalhar de casa, os
moradores das favelas serão as principais vítimas do novo coronavírus, no Brasil (Guimarães, 2020)9.

Discurso-cena 3: A “banalização do mal”Em movimento contrário às medidas de isolamento social, em-presários se mobilizam em diferentes cidades do país para pro-testar contra “a paralisação da economia”. Em 30 de abril de 2020, o site de notícias UOL traz como matéria “‘Sem respon-sabilização por mortes’, dizem empresários contra quarentena”.
8 Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/28/e-dai-lamento--quer-que-eu-faca-o-que-diz-bolsonaro-sobre-mortes-por-coronavirus-no-brasil.ghtml9 Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51954958

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Na reportagem, um dos empresários participantes da ação afir-
mava:

Vivemos em um país livre e cada um deve defender o que acha justo, sem responsabilização. Isso não existe em um ambiente democrático. Estamos defendendo a volta ao tra-balho. Alguém está se responsabilizando pelos empregos perdidos? Pelos pais que não conseguem levar comida para casa? (Sobrinho, 2020)10.

Discurso-cena 4: Vidas não passíveis de lutoNo dia 28 de abril de 2020, a matéria de capa do Jornal de Bra-sília: “Brasil – Com aumento de mortes por coronavírus, corpos são enterrados em valas comuns em Manaus”. No interior da no-tícia, temos acesso à informação de que:

O enterro em trincheiras tem afetado familiares de mortos na capital. É o caso da estudante universitária Lene Freire, 30 anos, cuja mãe, Sila Freire de Oliveira, faleceu em casa ví-tima de ataque cardíaco no último domingo, 26. Ela afirmou que só soube do sepultamento em cova comum quando che-gou ao Cemitério Nossa Senhora Aparecida, no bairro Taru-mã, zona Oeste de Manaus. “Achei aquilo um absurdo, não aceitamos esta forma. É o coveiro quem informa a gente e a administração (do cemitério) disse que seria um em cima do outro. Seriam cinco pessoas enterradas em camadas. Quando soubemos disto, juntamos com outros familiares e resolvemos sepultar o corpo em um cemitério particular. Foi o único jeito”, afirmou (Jornal de Brasília, 2020)11.
O que esses discursos-cena nos ajudam a pensar com relação
10 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/04/30/sem-responsabilizacao-por-mortes-dizem-empresarios-contra-quarentena.htm11 Disponível em: https://jornaldebrasilia.com.br/brasil/com-aumento-de-mortes-
-por-coronavirus-corpos-sao-enterrados-em-valas-comuns-em-manaus/

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aos contornos e efeitos da pandemia no Brasil?Em primeiro lugar, tais discursos-cena precisam ser assumidos como o que são: dispositivos necropolíticos. Ao pensar o presen-te, o filósofo camaronês Achille Mbembe (2018, p. 6) indaga-se: “essa noção de biopoder é suficiente para contabilizar as formas contemporâneas em que o político, por meio da guerra, da resis-tência ou da luta contra o terror, faz do assassinato do inimigo seu objeto primeiro e absoluto?” Vivemos a naturalização das políticas de morte em que as políticas de governo neoliberais emergem como estratégias necropolíticas contra corpos e vi-das precárias. “Formas contemporâneas de submissão da vida ao poder da morte” (Mbembe, 2018, p. 71), que definem quais corpos são matáveis e, de forma concomitante, embaralham as fronteiras de resistência, sacrifício e liberdade.Nesse sentido, o mal-estar e a sensação de insegurança, causa-dos pelos desdobramentos da pandemia no país, não podem ser devidamente compreendidos sem levarmos em consideração as condições sociais de desigualdade. Nesse aspecto, quando consideramos que os principais personagens que compõem as
notícias anteriormente descritas estão inseridos em contextos de vulnerabilização social, atravessados por marcadores como classe, raça e gênero, há a constatação de que a compreensão da pandemia extrapola o campo biomédico (e precisa extrapolar!).Assim, se a Covid-19, em termos clínicos, tem a possibilidade de
infectar a todos, as políticas/medidas de saúde e quaisquer ou-
tras criadas para seu enfrentamento ao serem atravessadas por classe, raça, gênero, deficiência, região/localidade tendem a ser seletivas quanto aos seus efeitos sociais (Oliveira et al., 2020). Como dissemos, como ignorar a importante discussão na Saúde Coletiva dos determinantes sociais em saúde? À medida que go-vernos e gestores se mostram indispostos ou incapazes de ges-tar e produzir apoio/suporte a grupos e populações vulnerabi-lizadas, não se revela aí apenas uma incompetência, mas, sim, o

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lado perverso de um Estado que mira, com suas táticas seletivas de morte, para alguns e não outros.O SUS já tem acúmulos significativos, seja na legislação, na ca-pacidade técnica, seja no compromisso ético dos e das trabalha-doras e trabalhadores da saúde. Entretanto, “os desafios do SUS são políticos e não técnicos”, como sintetiza o editorial da revista inglesa The Lancet (2011). Não por acaso o subfinanciamento e a precarização do SUS tornam-se a principal tática utilizada por segmentos ligados ao mercado neoliberal e que entendem a saú-de não como direito, mas como bem de consumo.É consenso no movimento sanitário que as “desigualdades sociais fazem mal à saúde” (Barata, 2009, p. 24). Acesso à alimentação, água, educação, trabalho, dentre outros aspectos, produz mais vida ou vulnerabilidades e adoecimentos. A “pandemia exacerba desigualdades na Saúde”, sendo a desigualdade social em nosso país um “terreno fértil para a disseminação da COVID-19, difi-cultando o isolamento social, restringindo acesso a insumos bá-sicos para higiene e proteção, e dificultando a própria assistên-cia aos serviços de Saúde” (Minayo e Freire, 2020, p. 3556.)12.A partir disso é possível retomar os discursos-cenas e indagar: “quem são os corpos enterrados nas valas comuns”? Quem são aqueles e aquelas que “não podem deixar a economia parar” e que estão na linha de frente dos postos de trabalho preca-rizados e a serviço do empresariado “de bem”? Quais os bair-ros e zonas das cidades brasileiras onde os índices de infecção e morte são altos? Para nós, as respostas a tais interpelações
desvelam a face perversa e sádica do racismo estrutural da so-ciedade brasileira. Não por acaso as recorrentes imagens midiaticamente produzidas
12 Disponível em: http://dssbr.org/site/2020/05/pandemia-exacerba-desigualdades-
-na-saude/

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sobre moradores das periferias, morros e quebradas deste grande país, como “irresponsáveis” e “inconsequentes” em decorrência de “desobedecerem” às regras de isolamento e distanciamento social, deslocando o foco do debate das responsabilidades éticas e políticas do governo para a dimensão de responsabilização indi-vidual. Abandonados à própria sorte, sem o direito de condições
de existência mínimas, sem o direito de sepultar seus mortos com dignidade, homens e mulheres periféricos continuam a ser os al-vos privilegiados das zonas de abandono (Biehl, 2008). Trata-se, portanto, de responsabilizar as camadas pauperizadas por suas mazelas, ao mesmo tempo que se desresponsabiliza cinicamente pelas tragédias que resultam de suas omissões (Souza, 2018).E o cinismo necropolítico não tem limites. É assim, negando a responsabilidade do Estado, que se cobra que pessoas que vivem em condições precárias e aglomeradas em pequenos barracos improvisados, possam manter o distanciamento social. Que se exige que as pessoas redobrem os cuidados com práticas de higiene, ao mesmo tempo em que se desconsidera que parte significativa da população brasileira não possui acesso à água tratada e encanada e redes de esgoto.Compreendendo que discutir saúde é discutir política, cabe a pergunta: Quem tem o direito de ficar em casa? Ao nosso senso de “segurança” atrelam-se condições precárias de vida e de tra-balho. Para que não falte nada em nossas “bolhas de segurança”, alguém precisa fazer o trabalho pesado (coleta de lixo, entregas, limpeza). E num país atravessado por um racismo estrutural, esses inúmeros anônimos e anônimas não gozam do mesmo re-conhecimento e das mesmas homenagens que são dirigidas aos profissionais da saúde (diga-se, médicos/as e enfermeiras/os). Nesse enquadre, enquanto profissionais de nível superior rece-bem algum reconhecimento, de que cor são e onde moram ma-queiros, motoristas de ambulância, equipe de limpeza e demais profissionais de apoio?

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O que dizer das subnotificações dos casos de infecção relacio-nadas à população parda, preta e indígena? Em artigo recente, Muniz (2020) problematiza as nuances que cercam o caráter se-letivo das subnotificações durante a pandemia e que revela uma tática de apagamento especificamente em relação à população preta e parda. Nas palavras da pesquisadora,
Ao lado das desigualdades de classe, as assimetrias de raça, no contexto da pandemia, logo ficaram evidentes quando se começou a verificar que, proporcionalmente, morrem mais negros do que brancos no enfrentamento à doença, tendo em vista as vulnerabilidades socioeconômicas e de acesso à saúde às quais a população pobre e, majoritariamente ne-gra, já está historicamente exposta, em função do racismo estrutural e institucional sobre o qual se organiza a socie-dade brasileira (Muniz, 2020, p. 84).O mesmo se verifica em relação à população indígena. Segundo dados fornecidos pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), até o momento foram registrados oficialmente 877 óbi-tos de indígenas em decorrência da Covid-19 e chegam a 40 mil os casos confirmados13. Ainda de acordo com a Ong Socioam-biental,
O acompanhamento da evolução do novo coronavírus en-tre as populações indígenas representa um grande desafio. Embora os números oficiais informem sobre a dinâmica de notificação, eles não refletem necessariamente a extensão da pandemia. Ademais, a falta de desagregação dos dados dificulta o reconhecimento das regiões e dos povos mais afetados. Outro problema grave é a ausência de dados sobre indígenas que vivem fora de Terras Indígenas homologadas (Socioambiental, 2020)14.

13 Disponível em: https://emergenciaindigena.apiboficial.org/dados_covid19/14 Disponível em: https://covid19.socioambiental.org/?gclid=Cj0KCQiAhs79B-RD0ARIsAC6XpaUPHDIqTEXkW4nz04ZHo8DG8q2mIK0RYCBCNe2Iweq5RqQ0FSUnYI4aAuOqEALw_wcB

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Diante desses dados, que “têm raça/etnia e classe”, impera o ci-nismo como estratégia de governo. Não por acaso a emblemáti-ca expressão utilizada pelo presidente como resposta à interpe-lação da jornalista: “E daí?” É evidente que tal expressão não é apenas a manifestação de indiferença diante da dor dos outros, mas antes de tudo a expressão de um sadismo perverso que (re)produz a objetificação do outro como sintoma de um estado sui-cidário como aponta Safatle (2020, p. 2):
Você é parte de um experimento. Talvez sem perceber, mas você é parte de um experimento. O destino do seu corpo, sua morte são partes de um experimento de tecnologia so-cial, de nova forma de gestão. Nada do que está acontecendo nesse país que se confunde com nossa história é fruto de improviso ou de voluntarismo dos agentes de saúde.

É quando o Estado deliberadamente assiste às mortes e não constrói soluções efetivas, ao transformar a população pobre e trabalhadora em inimiga do desenvolvimento nacional, que se estabelece o morticínio como política de Estado. O cinismo está expresso em frases-sintomas, como: “Temos que salvar a economia”, “quantas mortes de CNPJ teremos?”, “as empresas não vão aguentar”. Enquanto isso, assistimos o presidente convocar o Brasil a deixar de ser “um país de maricas”15. O Es-tado, de forma estratégica, mata de fome, mata por omissão e apela para a sexualidade patriarcal-heteronormativa.Por fim, não podemos deixar de tecer algumas considerações so-bre o lugar da saúde mental nesse cenário pandêmico. Sem dúvi-
da, um estado necropolítico-suicidário tem impactos importantes em nossas subjetividades. O caos da pandemia é somado ao gozo sádico dos governantes e do discurso midiático hegemônico com-

15 Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/11/10/bolsonaro-diz--que-brasil-tem-de-deixar-de-ser-pais-de-maricas-e-enfrentar-pandemia-de-peito--aberto.ghtml

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pondo o jogo mórbido. Temos acesso a inúmeros relatos e narra-tivas de colegas de trabalho, estudantes orientandos/as, amigos/as e familiares que, para além de lidar com o confinamento (quem tem condições existenciais para fazê-lo!), são afetados e afetadas pelos “números”, eventos, notícias e descasos. Relatos de ansie-dade, dificuldades para dormir, tristeza, medo, irritabilidade, uso e abuso de álcool, dentre outras estratégias de sobrevivência. Ao se buscar evitar uma leitura pela via dos sintomas (possível, mas no nosso entender insuficiente), pode-se ter acesso a diferentes formas de ser afetado e de diferentes estratégias para lidar com os atuais atravessamentos. Afinal, todo sofrimento é social (Klein-man, Lock e Das, 1997; Víctora, 2011; Dunker, 2020).Quantos pais e mães de família desempregados e que precisam contar com um “auxílio” financeiro para alimentar os filhos, mas que nunca chega? Quantas pessoas e famílias foram impedidas de sepultar dignamente seus mortos? Quantos estudantes uni-versitários e secundaristas pobres tiveram que se deparar com a continuidade das aulas pelas plataformas digitais, ao mesmo tempo que em suas precárias condições de vida não permitem a estrutura necessária (computador, tablet, internet)? Quantos profissionais da saúde, após saírem de plantões exaustivos, têm que lidar com violência (física e simbólica) de estranhos e vi-zinhos que os acusam de serem “vetores de contágio”? E o que dizer do sofrimento em nós causado diante da impossibilidade de beijar, abraçar e tocar a quem nos importa? Enfim, cenas que talvez sejam próximas de nós e que produzam algum nível de identificação e que requerem atenção. Como dar conta de uma “normalidade” que está longe de seguir um curso “normal” – como apontou recentemente Segata (2020)?Em tempos de medicalização da vida, o perigo é que esses rela-tos e dramas sejam reduzidos à chave restrita dos sintomas, do DSM (Oliveira e Martins, 2020). Em tal chave compreensiva, a prescrição de psicotrópicos seria suficiente para “resolver” os problemas “orgânicos”, ao mesmo tempo que embota e entor-

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pece as (bio)políticas que são sua razão de ser. Medicalizadas, entorpecidas, deslocadas dos contextos que produzem adoeci-mento, o sujeito em sofrimento torna-se um mero diagnóstico. Privados do direito de experimentar seus incômodos e de buscar por meio de suas redes de afeto e de apoio modos/estratégias para ressignificá-los, inaugura-se o espaço apropriado para a cap-tura pela lógica neoliberal individualista (Caponi e Daré, 2020). Esse é um horizonte sempre possível e talvez o mais atrativo em tempos de individualização do sofrimento, de prevalência de um discurso negacionista e de banalização da morte do Outro.

Algumas (in)conclusõesEm diálogo com as perspectivas teóricas que entendem que todo sofrimento é social, portanto, político, acreditamos que a crise inaugurada pelo coronavírus e seus impactos em nossas vidas também têm oportunizado que pensemos e repensemos nossas relações com o mundo que construímos ao viver. Afinal, “o so-frimento [talvez] seja uma daquelas condições que resistem à separação entre as dimensões física, psicológica, mental e espi-ritual” (Víctora, 2011, n.p.). Há sim muita dor sendo narrada – principalmente daqueles e daquelas que perderam seus entes queridos. Mas, apesar disso, também há produção de muitos afetos: basta olhar as inúmeras redes de solidariedade, as criativas estratégias para estar junto de quem nos importa, as capacidades de superação e reinven-ção de todos aqueles e aquelas que passaram pelo processo de hospitalização, o engajamento de pesquisadores, pesquisadoras e cientistas em torno da busca de uma vacina, medicação e com-preensão do cenário, trabalhadores e trabalhadoras do SUS que continuam em suas tarefas mesmo com as precárias condições de trabalho, além dos milhares de anônimos e anônimas, mo-vimentos sociais e comunidades que se organizaram cientes de que não contam com o Estado.

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Se tais tempos são incertos e desafiadores, mais do que nunca
a necessidade de repensarmos o outro lado da moeda: o que a experiência da Covid-19 vem nos oportunizar em termos de re-lação humano e humano, humanos e meio ambiente, humanos e não humanos? O que nos permitiremos quanto às reinvenções e aprendizados? Nesses termos, estamos de acordo com a interpe-lação de Preciado (2020, p. 14):

Porém, tudo isso pode ser uma má notícia ou uma grande oportunidade. É precisamente porque nossos corpos são os novos enclaves do biopoder e nossos apartamentos as no-vas células de biovigilância que se torna mais urgente do que nunca inventar novas estratégias de emancipação cog-
nitiva e de resistência e colocar em marcha novos processos antagonistas.
Por conta disso, se faz cada vez mais necessário o aporte das humanidades e seu olhar científico, filosófico ou artístico para os sujeitos que pensam, sentem e são atravessados pelas conse-quências perversas de contextos e táticas de morte. Nunca, nos parece, foi tão importante pensar num “Estado visto de baixo” (Maluf, 2018, p. 25), em que nossas subjetividades estão em re-lação criativa com as políticas de saúde, nas práticas que vão do mais banal cotidiano à política dos movimentos sociais. Ouvir os sujeitos e levá-los a sério (Ingold, 2019), mais do que uma questão de ética torna-se uma necessidade epistemológica. E as-sim apostamos numa “vacina política” que amplie coletivamente a nossa capacidade de sonhar, se indignar e recusar o cenário que está posto, em oposição ético-política radical à postura pre-sidencial de que “quando acabar a saliva, tem que ter pólvora”16.


16 Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/11/10/quando-acabar-a-saliva-tem-que-ter-polvora-diz-bolsonaro-sobre-amazonia.htm

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