TOMO. N. 38 JAN./JUN. | 2021
Da nostalgia ao futuro: o passado como
memória afetiva da cidade na imaginação
de um futuro pós-pandêmico
Marina Leitão Damin*1
Alyne Fernanda Reis**2
Resumo
Este artigo objetiva caracterizar a cidade como um espaço de produ-ção de memória; relacionar tempo, memória e nostalgia; e identifi-
car os objetos digitais no Instagram como mediadores de memória,
analisando-os durante a pandemia de COVID-19. Utiliza como meto-dologia uma pesquisa bibliográfica aliada às análises qualitativas e
quantitativas, imagética e textual, das publicações feitas na plataforma Instagram, de março a julho de 2020, e filtradas pela hashtag #tbtrj.
Os autores que norteiam o texto são Maurice Halbwachs, Pierre Nora,
Milton Santos, Andreas Huyssen, Massimo Canevacci, Arjun Appadurai
e José Van Dijck. Conclui que, na pandemia, as publicações com a #tbtrj
representam os lugares de memória da cidade do Rio de Janeiro de for-
ma nostálgica, a partir de uma memória afetiva, projetando um futuro
imaginado após a pandemia.
Palavras-chave: Tempo. Memória. Espaço urbano. COVID-19. Rio de
Janeiro.
1 Doutora e Mestre em Memória Social pela UNIRIO. Email: mldamin@gmail.com
2 Arquiteta e Urbanista, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio, Cul-
tura e Sociedade da UFRRJ. Email: alynefereis@gmail.com
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DA NOSTALGIA AO FUTURO
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From nostalgia to the future: the past as an affective
memory of the city in the imagination of a post-
pandemic future
Abstract
This article aims to characterize the city as a space for memory pro-duction; relates time, memory and nostalgia; and identifies digital ob-
jects on Instagram as memory mediators, analyzing them during the
COVID-19 pandemic. It uses as a methodology a bibliographic research
combined with qualitative and quantitative analysis, both imagery
and text, of publications made on the Instagram platform, from March to July 2020, and filtered by the hashtag #tbtrj. The guiding authors
are Maurice Halbwachs, Pierre Nora, Milton Santos, Andreas Huyssen,
Massimo Canevacci, Arjun Appadurai and José Van Dijck. It concludes
that in the pandemic, publications with #tbtrj represents the memory
places of Rio de Janeiro city in a nostalgic way, from an affective mem-
ory point of view, projecting an imagined future after the pandemic.
Keywords: Time. Memory. Urban space. COVID-19. Rio de Janeiro.
De la nostalgia al futuro: el pasado como memoria
afectiva de la ciudad en la imaginación de un futuro
pospandémico
Resumen
Este artículo tiene como objetivo caracterizar la ciudad como un espa-
cio para la producción de memoria; relacionar tiempo, memoria y nos-talgia; e identificar objetos digitales en Instagram como mediadores
de memoria, analizándolos durante la pandemia de COVID-19. Articula una investigación bibliográfica combinada con análisis cualitativos y
cuantitativos, tanto de imágenes como de texto, de publicaciones reali-zadas en la plataforma Instagram, de marzo a julio de 2020, y filtradas
por el hashtag #tbtrj. Los autores que guían el texto son Maurice Hal-
bwachs, Pierre Nora, Milton Santos, Andreas Huyssen, Massimo Cane-
Marina Leitão Damin; Alyne Fernanda Reis
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vacci, Arjun Appadurai y José Van Dijck. Concluye que en la pandemia,
las publicaciones con #tbtrj representan los lugares de memoria de la
ciudad de Río de Janeiro de una manera nostálgica, desde una memoria
afectiva, proyectando un futuro imaginado después de la pandemia.
Palabras clave: Tiempo. Memoria. Espacio urbano. COVID-19. Rio de
Janeiro.
Espaço e tempo são categorias fundamentais da experiência
e da percepção humana, mas longe de serem imutáveis, elas
estão sempre sujeitas a mudanças históricas.
Andreas Huyssen
Introdução
Desde março de 2020, o Rio de Janeiro entrou em estado de atenção quanto à COVID-19. Instaurou-se o isolamento social
de forma irregular, pois muitas pessoas não puderam parar de
trabalhar, principalmente nas camadas mais pobres da popula-
ção. Aos que puderam trabalhar de casa, surgiu uma nova ro-
tina. Desta forma, o isolamento social trouxe muitas questões
que confrontam com a nossa cultura, a nossa memória e o nosso
modo de viver em sociedade.
Para uma cidade com o clima do Rio de Janeiro, e com marcos
culturais neste âmbito, faz parte do cotidiano sentar a cadeira na
beira da calçada, principalmente nos subúrbios, frequentar pra-ças e bares (sem um motivo festivo específico). Como demonstra
a literatura “Quando a rua vira casa”, de Carlos Nelson Ferreira dos Santos (1980), que aborda a apropriação do espaço, onde a
rua se encontra muitas vezes como a extensão da própria casa.
O mesmo acontece com outros locais que fazem parte de espa-
ços de sociabilidade frequentados por muitos, como shoppings,
feiras, praias, entre outros, assim como a visita a amigos e fami-
liares. Entretanto, o isolamento social fez com que essas práticas
tão comuns e que integram o cotidiano fossem impossibilitadas
de serem feitas.
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DA NOSTALGIA AO FUTURO
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E, com isso, novas práticas de apropriação desses espaços come-
çaram a ser realizadas sem nunca terem sido experimentadas.
Há uma nova dinâmica para lidar com a lembrança e a ausência destes locais, na qual a memória construída nestes espaços fica
cada vez mais em evidência.
Neste artigo, buscou-se observar como a lembrança relacionada aos espaços aflora a partir do cenário incerto da COVID-19. O ob-jetivo geral proposto é identificar a relação entre as lembranças,
a nostalgia e as memórias afetivas em relação aos espaços urba-nos da cidade do Rio de Janeiro. Já os objetivos específicos são
caracterizar a cidade como um espaço de produção de memória; relacionar tempo, memória e nostalgia; e identificar os objetos di-
gitais no Instagram como mediadores de memória, analisando-os. Como metodologia foi realizada uma pesquisa bibliográfica alia-da às análises qualitativas e quantitativas, imagética e textual,
das publicações feitas no Instagram de março a julho de 2020, e filtradas pela hashtag #tbtrj. Hashtags são palavras ou termos
usados para categorizar o conteúdo publicado no Instagram.
Como autores norteadores estão Maurice Halbwachs, Pierre
Nora, Norbert Elias, Milton Santos, Andreas Huyssen, Massimo
Canevacci, Arjun Appadurai e José Van Dijck.
A cidade como espaço de produção de memória
O enfrentamento da COVID-19 atenuou o quão a relação entre
espaço e indivíduos é necessária para o desenvolvimento do seu
próprio ser, além de propagar sua cultura, sua identidade e sua
memória. Essas relações se constituem de maneiras diferentes,
a partir do modo como é dada a apropriação desses espaços por
esses indivíduos. Segundo Rogério Haesbaert (1999 apud Che-lotti, 2010), essa identidade está relacionada diretamente ao es-paço no qual o indivíduo está inserido. Haesbaert afirma ser esta
uma “identidade territorial”:
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Identidade territorial é uma identidade social definida fun-
damentalmente através do território, ou seja, dentro de
uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfi-
co constituindo assim parte fundamental dos processos de identificação social. […]. De forma muito genérica podemos afirmar que não há território sem algum tipo de identifica-ção e valoração simbólica (positiva ou negativa) do espaço
pelos seus habitantes. (Haesbaert, 1999, p. 172 apud Che-lotti, 2010, p. 173).
Portanto, analisar os espaços mediados por esses signos é en-
tender que eles compreendem todas as coisas que estão inseri-
das nele, como objetos, bens materiais, imateriais e pessoas. As-
sim, não é possível haver dicotomia entre espaços e indivíduos. Segundo Milton Santos (2014, p. 29), o espaço é definido como:
Um sistema de realidades, ou seja, um sistema formado pe-
las coisas e a vida que as anima, supõe uma legalidade: uma
estruturação e uma lei de funcionamento. Uma teoria, isto
é, sua explicação, é um sistema construído no espírito, cujas
categorias de pensamento reproduzem a estrutura que ga-
rante o encadeamento dos fatos. Se a chamarmos de orga-
nização espacial, estrutura espacial, organização do espaço,
estrutura territorial ou simplesmente espaço, só a denomi-
nação que muda, e isso não é fundamental. O problema é
encontrar as categorias de análise que nos permitem o seu
conhecimento sistemático, isto é, a possibilidade de propor
uma análise e uma síntese cujos elementos constituintes se-
jam os mesmos.
A cidade e os espaços edificados – objetos de nossa análise a partir das publicações da plataforma Instagram – são, portanto,
entendidos como locais de propagação desses signos, sejam eles
naturais, como a vegetação, relevo e o clima, sejam como as ruas,
praças e outros equipamentos urbanos. São nestes ambientes,
construtores de memórias, que determinados sentimentos e va-
lores únicos são depositados.
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Sendo assim, a cidade é o locus que abriga essas diversidades, onde
se propagam culturas e o modo de viver de cada indivíduo. Quando
somados dentro do mesmo espaço, são, no entanto, contextualiza-
dos de forma coletiva e com laços afetivos relacionados a esses luga-
res. Assim, a cidade é o local onde as coisas acontecem e, ao conside-
rar que os fenômenos culturais contemporâneos têm a capacidade
de ordenar o senso de mundo, compreendemos que as sociedades
são organizadas em torno da sua cultura. Ou seja, são as relações de
sociabilidade que habitam nesses locais, que mudam conforme gru-
pos, classes, territórios, festividades, entre outros hábitos. De acordo com Sandra Pesavento (2007, p. 14), a cidade tam-
bém é o local da “sensibilidade”, onde se revelam as emoções,
sentimentos, utopias, desejos, esperanças, medos, entre outros. A autora afirma que a cidade é sensível devido aos sentidos e os significados que a ela são atribuídos. Estas atribuições variam
conforme os grupos sociais, os lugares, e as diferentes relações
que são criadas no contexto urbano.
Portanto, na cidade ocorrem as apropriações dos espaços, sejam
pelos equipamentos urbanos, pelos conjuntos arquitetônicos, entre outros locais. Esses espaços, quando um sentido é dado à
sua existência, se transformam em “lugares”. Os lugares porta-dores de significados e de uma memória se configuram como um “lugar de memória” (Nora, 1993).Para Pierre Nora (1993), a memória é algo vivo, que acontece
devido aos grupos que estão vivos, e, portanto, ela está sempre
em constante evolução ao longo do tempo. A memória é lem-
brança e, também, esquecimento, vulnerável a todas as mudan-
ças do decorrer do tempo e, assim, possível de ser transformada. O autor discorre também sobre a memória, contrapondo-a à his-tória. O autor afirma que
A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no
eterno presente, a história, uma representação do passado.
Porque é afetiva e mágica, a memória não se acomoda a de-
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talhes que a confortam [...] se enraíza no concreto, no espa-ço, no gesto, na imagem, no objeto (Nora, 1993, p. 9).
Nesse sentido, as reflexões de Nora se aproximam de Ulpiano Bezerra de Menezes (1992), que discorre sobre a vivência da
memória em um tempo presente, o que faz com que não seja
possível resgatar a memória e, sim, preservá-la. Para o autor, “a elaboração da memória se dá no presente e para responder às
solicitações do presente. É do presente, sim, que a rememora-
ção recebe incentivo, tanto quanto as condições para se efetivar” (Ulpiano, 1992, p. 11). Nesse presente que olha para o passado, a
rememoração pode ocorrer a partir de grupos que se organizam em torno de algo comum – seja um espaço, objeto, lembrança – que faz com que estas memórias possam ser compartilhadas.
Nesse âmbito, as recordações são analisadas conforme o contex-
to em que elas estão envolvidas e, apesar de construída indivi-
dualmente, é no coletivo que a memória se estabelece (Halbwa-chs, 2006). Como, por exemplo, os lugares nos quais passamos,
as datas comemorativas, os cheiros das comidas que evocam a
lembrança do quando e de quem o fez.
Quando, entre as recomendações para evitar a propagação do
vírus estava evitar ao máximo o contato com pessoas, o isola-
mento social trouxe, de forma mais incisiva, a ausência, o querer
estar e não poder. Locais foram fechados, espaços públicos tive-
ram limites de circulação e, principalmente, o círculo social se
tornou uma barreira. Recordar, seja através de suportes, seja de mediadores de memórias – como as fotografias – ou por meio da
própria lembrança, os espaços frequentados antes do isolamen-to é refletir sobre uma vivência coletiva, na qual estes espaços
produtores de memória continuam vivos.
Sendo assim, mesmo que as lembranças sejam únicas e indivi-dualizadas, a memória é coletiva. Maurice Halbwachs (2006) cita, como exemplo, as circunstâncias da vida que às vezes nos afastam das pessoas às quais ao longo de tantos anos compar-
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tilhamos a mesma vivência. Mesmo que exista uma dificuldade
em se manter o contato, o reencontro entre os indivíduos que já
partilharam dos mesmos desejos, espaços, momentos em outras épocas se vivifica a partir do intercâmbio de lembranças e do
afeto que o grupo possui em comum. Ou seja, são as lembranças
em comum que fortalecem os laços e, consequentemente, o gru-po (Halbwachs, 2006). Com o isolamento social, uma prática que tem se intensificado
é o uso das ferramentas sociais para elencar a memória coleti-
va por meio de suportes de memória como fotos, vídeos, entre
outros. Isso acontece também com a inserção dos indivíduos em
contextos sociais e culturais que permitem o compartilhamento
das lembranças em comum.
É muito comum acontecer quando famílias estão reunidas
e vez ou outra se recordam do passado, ou quando grupos
de amigos que passaram por experiências em comum assim
também o fazem. E, em um momento tão único e, ao mesmo
tempo, tão delicado enfrentado em sociedade, que é a pandemia
de COVID-19, lembranças desses momentos trazem também
um conforto, pelo viés positivo das memórias afetivas. Nesse âmbito, Halbwachs (2013) dialoga sobre a rememoração ao afirmar que quando um grupo ou mais de uma pessoa consegue
compartilhar suas vivências é possível uma reconstrução com
exatidão do momento vivido.
Além disso, todas essas lembranças estão atreladas a um lugar
capaz de as fazer eclodir. Como citado anteriormente, esse seria
o “lugar de memória”:
São lugares, com efeito nos três sentidos das palavras, ma-
terial, simbólico e funcional, simultaneamente, somente em
graus diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente
material, como um depósito de arquivos, só é lugar de me-
mória se a imaginação o investe de uma aura simbólica.
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Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de
aula, um testamento, uma associação de antigos combaten-
tes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo
um minuto de silêncio, que parece o exemplo extremo de uma significação simbólica, é ao mesmo tempo o recorte
material de uma unidade temporal e serve, periodicamente,
para uma chamada concentrada da lembrança. Os três as-
pectos coexistem sempre. Trata-se de um lugar de memória
tão abstrato quanto a noção de geração? É material por seu conteúdo demográfico, funcional por hipótese, pois garante,
ao mesmo tempo, a cristalização da lembrança e sua trans-missão. (Nora, 1993, p. 22).
Portanto, elencamos a cidade como um grande espaço de imi-
nência desses lugares. Apesar da materialidade, como citado
pelo autor, a cidade se forma a partir dos signos que se cons-
tituem nesses espaços, o que os tornam únicos. Como museus,
praças, o cheiro da feira, a vivência na casa de amigos e fami-
liares, por exemplo. A rotina traçada em um momento anterior à pandemia marca nesses locais a nostalgia e o querer vivê-los
novamente para estar e compartilhar estes espaços e construir
memórias.
Memórias, estas, como discorremos anteriormente, criadas em
um passado para se tornarem efetivas no presente. Sendo assim,
a cidade como campo material capaz de construir a imateriali-dade por meio de bens tão simbólicos presentifica uma situação
emergencial que tem potencial para construir novas formas de
sociabilidade e laços afetivos, assim como novas maneiras de
apropriação dos espaços e criação de memórias.
Tempo, memória e nostalgia
A pandemia provocou a redução (ou o impedimento, em alguns lugares) da circulação de pessoas por diferentes espaços da ci-dade. Com isso, o enfrentamento de diversos aspectos e desafios
tangenciaram o estado de quarentena. Um deles é o tempo. A
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partir da modificação desse estado, de livre passagem para o de
permanência em casa, é possível pensar na alteração da relação
entre o tempo e o humano.
Seria insensato homogeneizar a experiência do tempo, mas po-
dem ser assinaladas algumas percepções, no intuito de iluminar
diferenças e questões acerca dessa relação humano-temporal.
Essas percepções partem do que foi exposto nas plataformas
durante o período de quarentena, dentro e fora do perímetro da
coleta referente aos objetos digitais que serão aqui posterior-
mente analisados. Para além disso, são frutos da vivência nessas
plataformas. Ao se voltar para dentro de casa, em uma nova configuração de
trabalho, de rotina, de relações sociais por meio de telas, em confluência com um estado de medo e preocupação, o passado vira âncora para um presente (e um futuro) instável, inseguro.
Como não há a necessidade do deslocamento para o trabalho,
criou-se uma janela de tempo que inexistia anteriormente, prin-
cipalmente em uma cidade como o Rio de Janeiro, cuja média do percurso de casa até o trabalho é de 95 minutos (Lucena, 2020).
Mas, não é porque existe mais tempo que ele necessariamente é
utilizado, em um sentido produtivista da palavra.
A categoria tempo, por si só, é uma esfera ampla de discussão. Norbert Elias (1998), por exemplo, desenha uma diferença entre
divisões temporais que inserem a experiência humana (os con-ceitos de presente, passado e futuro) daquelas que não a fazem (as datas, as horas, os meses, os anos). O autor complementa afirmando que o primeiro grupo evolui ao longo das gerações,
em uma presença simultânea do passado, presente e futuro
na experiência humana. E é nessa percepção simultânea que a memória, segundo Elias (1998, p. 61), “desempenha um papel
decisivo nesse tipo de representação, que enxerga em conjunto
aquilo que não se produz num mesmo momento”, como o enten-
dimento que o antes sucede o depois, por exemplo.
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Já Maurice Halbwachs (2006), em uma perspectiva sociológica,
entende o tempo como uma representação coletiva. Mudanças
nas convenções temporais só poderiam, portanto, acontecer
quando acordadas pelo grupo, que percebe que há uma relação
de regularidade e simultaneidade. O autor ressalta que essa uni-
formidade, existente nas convenções temporais no qual o tempo
é dividido, recai sobre os indivíduos “o que há de mais compli-
cado nisso talvez seja o fato de me sentir eternamente forçado
a considerar a vida e os acontecimentos que a preenchem sob o aspecto da medida” (2006, p. 114-115).
É possível fazer um paralelo entre a citação de Halbwachs e a medida do tempo que pode afligir os indivíduos durante a qua-rentena frente à incerteza do fim da pandemia e das restrições
na circulação pela cidade. Mesmo que o tempo seja calculado da
mesma forma há muitos anos, existe a sensação de que durante
este período ele está passando diferente, mais arrastado e des-
conhecido, longe do que as pessoas denominam como cotidiano.
O tempo, por mais coletivo que seja, acaba se individualizando,
pois o grupo está subordinado a como cada pessoa entende o próprio tempo. A consciência coletiva (Halbwachs, 2006) nesse caso ainda existe, mas se submete às particularidades dos indiví-duos. Em um alinhamento ao pensamento de Halbwachs (2006),
a convergência dessas vivências individuais durante a pandemia
fará com que se tenha, no futuro, uma perspectiva coletiva de
passado, transitando em conjunto pela memória. Futuro esse
que se dá, segundo Arjun Appadurai,
[...] by examining the interactions between three notable
human preoccupations that shape the future as a cultural
fact, that is, as a form of difference. These are imagination, anticipation, and aspiration. [...] We also need to remember
that the future is not just a technical or neutral space, but is
shot through with affect and with sensation. Thus, we need
to examine not just the emotions that accompany the future
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as a cultural form, but the sensations that it produces: awe,
vertigo, excitement, disorientation. The many forms that
the future takes are also shaped by these affects and sensa-tions, for they give to various configurations of aspiration, anticipation, and imagination their specific gravity, their traction, and their texture. (Appadurai, 2013, p. 286-287)1.
É interessante pensar nesses três eixos de preocupações – imaginação, antecipação e aspiração – que moldam o futuro
como um fato cultural, principalmente quando os articulamos
com a memória coletiva de Halbwachs. Nessa convergência in-
dividual que resultará na consciência coletiva acerca da época
da pandemia, a ideia de futuro é construída pelas vias de um passado rememorado e que oferece certo conforto frente às in-
certezas. Imagina-se, antecipa-se e aspira-se com base naquilo que é familiar, acompanhado de sensações opostas às sentidas
durante a pandemia, e uma dessas sensações é a nostalgia.Para Andreas Huyssen (2014, p. 91) “nostalgia tem a ver com a
irreversibilidade do tempo: algo do passado deixa de ser acessí-vel. [...] No desejo nostálgico, a temporalidade e a espacialidade
estão necessariamente ligadas”. Como exemplo, Huyssen cita as
ruínas arquitetônicas como uma combinação de desejos tempo-
rais e espaciais provocadores da nostalgia, que ao mesmo tempo
que são compostas por um passado que existe nos resíduos, este
mesmo passado não está acessível, senão na nostalgia.
1 [...] examinando as interações entre três preocupações humanas notáveis que moldam
o futuro como um fato cultural, isto é, como uma forma de diferença. São imaginação, antecipação e aspiração. [...] Também precisamos lembrar que o futuro não é apenas
um espaço técnico ou neutro, mas é atingido pelas vias do afeto e da sensação. Portanto,
precisamos examinar não apenas as emoções que acompanham o futuro como forma
cultural, mas também as sensações que ele produz: temor, vertigem, excitação, desorien-
tação. As muitas formas que o futuro assume também são moldadas por esses afetos e sensações, pois dão às várias configurações de aspiração, antecipação e imaginação sua gravidade específica, sua tração e sua textura. (Appadurai, 2013, p. 286 e 287, tradução nossa).
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De acordo com Patrick H. Hutton (2016), a memória se modifica
com o tempo, de testemunha da história, passando por uma nos-
talgia idealizada, até chegar ao esquecimento. Mas, para o autor, a memória – entendida por ele como um recurso da imaginação humana – pode se libertar deste padrão na direção de revitalizar
a experiência do presente. Mas, será que é possível fazer surgir
na pandemia (algo que não foi vivido até então no contempo-râneo) outro padrão de presente que não aquele ancorado na
nostalgia de um tempo já vivido, idealizado como melhor do que
o atual? Se o ponto de partida é a cidade, parece impossível fazer
um descolamento das lembranças com esse futuro imaginado,
antecipado e aspirado.Para Massimo Canevacci (2004), é no conjunto de recordações
que o relacionamento com a cidade é restabelecido. Aqui, o au-
tor trata da importância do afastamento do local para poder estudá-lo. Pode-se associar, ainda, o Rio de Janeiro à cidade po-lifônica de Canevacci (2004, p. 17) em que a “cidade em geral e
a comunicação urbana em particular comparam-se a um coro
que canta com uma multiplicidade de vozes autônomas que se cruzam, relacionam-se, sobrepõem-se umas às outras, isolam-se
ou se contrastam”.
Assim, considerando que a quarentena também provocou o dis-tanciamento geográfico nessa cidade polifônica, o papel da lem-
brança, de uma memória nostálgica que relembra o que está es-
pacialmente inacessível, se fortalece. Lembrar é a ação possível
de ser exercida sobre a cidade na impossibilidade da presença. Desta forma, “as memórias biográficas elaboram mapas urbanos invisíveis” (Canevacci, 2004, p. 22).
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Os objetos digitais no Instagram como mediadores de
memória: as publicações com a hashtag #tbtrj no Instagram
Antes de descrever a análise, é importante apresentar dois con-
ceitos basilares. O primeiro deles é o de “objetos digitais”. Exis-tem muitas definições para esse termo, mas será utilizada a de Miguel Ferreira (2006) que os entende como um fluxo composto pelos objetos físico (hardware), lógico (software e algoritmos), conceitual (formas digitais identificáveis pelos seres humanos,
como a lixeira que corresponde ao ato de descartar arquivos que não se quer mais) e experimentado (como cada pessoa o inter-preta individualmente).
O segundo conceito é o de objetos digitais como “mediadores de memória”, oriundo de José Van Dijck (2007). Para a autora,
os objetos mediadores de memória no âmbito digital funcionam
tanto como cenários documentados do que aconteceu quanto
reconstruções criativas, inclusive de novas memórias.
Nesse cenário tecnológico, os objetos digitais seriam uma ferra-
menta para o manifesto das memórias dos indivíduos, fazendo
emergir novas práticas culturais e sociais a partir do cruzamen-
to entre as mídias digitais, a memória, a comunicação e as iden-tidades, como afirma Van Dijck (2007). Para ela, as memórias pessoais só podem existir em relação à memória coletiva, pois é no alinhamento entre ambas que cada pessoa ressignifica o pas-
sado, o presente e o futuro de si em relação aos outros.Para que pudessem ser identificadas no campo as diferentes
relações entre pessoas e lugares durante a quarentena, foi re-
alizada uma análise qualitativa e quantitativa das publicações
no Instagram que apresentassem a hashtag #tbtrj. A sigla tbt se refere à expressão em inglês ThrowbackThursday que marca que
na quinta-feira serão publicadas imagens e/ou vídeos que reme-
tem a alguma lembrança. O Instagram foi escolhido por ser uma plataforma digital (Van Dijck, Poell, De Waal, 2018) com foco
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nas imagens e popular no Brasil, estando no quarto lugar em utilização (We Are Social; Hootsuite, 2020). O recorte feito foi
temporal, com conteúdos publicados de março a julho de 2020
utilizando a hashtag #tbtrj, e geográfico, filtrando as imagens
que retratavam a cidade do Rio de Janeiro. Foram analisadas as
imagens e legendas, bem como a geolocalização das postagens,
da seguinte forma:
1. Coletamos os objetos digitais no Instagram, publicados de
março a julho de 2020, com a busca pela hashtag #tbtrj no
campo de pesquisa da plataforma;
2. Listamos os lugares identificados da cidade do Rio de Janei-
ro nas publicações, demarcados por meio da geolocalização, da legenda, da fotografia ou vídeo, ou do reconhecimento
pela imagem (por exemplo, pontos turísticos conhecidos, como o Cristo Redentor);
3. Categorizamos os lugares identificados;
4. Quantificamos as publicações por categoria;
5. Analisamos o conteúdo da publicação (imagens e textos).
Apesar de alguns lugares não poderem ser identificados nas pu-
blicações, foram mapeados 40 lugares na cidade do Rio de Janei-ro e 100 publicações no total (20 em cada mês). A Figura 1 apresenta geograficamente os pontos citados nas publi-
cações. A mancha rosa demarca as áreas interligadas desses pon-tos. O esquecimento de áreas como a Zona Norte – que contempla
pontos turísticos clássicos como a Quinta da Boa Vista, a Feira de São Cristóvão e a Cadeg, por exemplo – e a Zona Oeste distante da
faixa litorânea mostra que os lugares transitados são basicamente
de praia e turísticos, mas principalmente no eixo Centro-Zona Sul.
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Figura 1: Mapa com os pontos geográficos marcados nas publicações2
Fonte: as autoras, baseado em Google Maps, 2020.
O apelo estético dos pontos turísticos e de um certo valor de sta-
tus que eles conferem (como, por exemplo, subir na Pedra da Gávea e o status de aventura, de boa forma física, de ultrapassar obstáculos) também são pontos que podem ter influenciado na
decisão de quais imagens publicar sob a hashtag #tbtrj. A hierar-
quização de investimentos em determinadas partes da cidade
faz com que se tornem excludentes as que estão fora deste eixo (centro-zona sul). É uma problemática que enfrentamos no Rio de Janeiro, e, a partir das análises, ficou mais evidente a necessi-
dade do investimento em outros locais.
Nessa relação também é capaz de se observar a memória e a iden-
tidade, pois estão atreladas ao ambiente em que o indivíduo habita;
2 Para visualizar melhor o mapa, acesse: https://www.google.com/maps/d/edit?mid=1mN_YgCjOySixeD74SROrWeri3dF3J74M&usp=sharing
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onde muitos não se identificam com o próprio território e procuram
atrativos distantes do seu local de origem. Portanto, o investimento
em outras áreas da cidade, como as Zonas Norte e Oeste, é capaz de aflorar o sentimento de pertencimento com o seu local. Inferimos
que é possível que esses locais esquecidos não representem uma
ausência de memória afetiva, mas, sim, a ausência de incentivo da
circulação de turistas (e até mesmo de moradores da cidade do Rio de Janeiro) e de investimento por parte do poder público.
A Figura 2 mostra o número de publicações por local. Os três locais mais fotografados e filmados foram o Cristo Redentor/
Corcovado, com 12 publicações, o Morro da Urca/Bondinho/
Pão de açúcar, com oito publicações e, empatados, a Barra da
Tijuca e a marcação mais ampla, Cidade do Rio de Janeiro, com
seis publicações.
Figura 2: Número de publicações por local
Fonte: as autoras, 2020.
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Quadro 1: Categorias e lugares
CATEGORIA LOCAL
Aeroporto Aeroporto de Jacarepaguá
Bar Outback Casa & Gourmet Shopping
Bar Vidigal
Escola de Samba Cacique de Ramos
Escola de Samba G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro
Estádio de Futebol Maracanã
Feira Rua do Lavradio
Hotel CaipiHostel 373
Igreja Candelária
Museu Museu do Amanhã
Parque Aterro do Flamengo
Parque Floresta da Tijuca
Parque Jardim Botânico
Parque Parque das Ruínas
Parque Parque Lage
Parque Praça do Pomar
Ponto Turístico Bondinho de Santa Teresa
Ponto Turístico Cidade do Rio de Janeiro
Ponto Turístico Cristo Redentor/Corcovado
Ponto Turístico Escadaria Selarón
Ponto Turístico Lagoa Rodrigo de Freitas
Ponto Turístico Lapa
Ponto Turístico Morro da Urca/Pão de açúcar/Bondinho
Ponto Turístico Roda Gigante do Porto
Ponto Turístico Sambódromo da Marquês de Sapucaí
Praia Arpoador
Praia Barra da Tijuca
Praia Copacabana
Praia Flamengo
Praia Grumari
Praia Ipanema
Praia Leblon
Praia Leme
Praia Praia da Reserva
Praia Recreio dos Bandeirantes
Praia Urca
Trilha / Mirante Mirante Dona Marta
Trilha / Mirante Pedra Bonita
Trilha / Mirante Pedra do Pontal
Trilha / Mirante Pedra do Telégrafo
Fonte: as autoras, 2020.
Marina Leitão Damin; Alyne Fernanda Reis
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No mapeamento de hashtags referentes à pandemia foi possível verificar que muitos termos remetem à angústia de um tempo que
não tem uma data marcada para terminar. Verbos como “passar”,
“acabar”, “esperar” denotam essa ideia. Já outras hashtags estão
embasadas em uma positividade com foco no coletivo, como é o caso da #forcamundo (força mundo). Apesar da hashtag principal
usar a expressão tbt, percebe-se que o dia de postagem apenas às quintas-feiras foi flexibilizado. A modificação na relação com o
tempo e o isolamento social tem homogeneizado os dias, fazendo com que a nostalgia se fortifique e o registro das lembranças apa-
reçam independente do dia em que a postagem é realizada. Desta forma, mais do que remeter à quinta-feira, a hashtag #tbt se torna
uma âncora de lembrança, individual e coletiva.
Figura 3: Nuvem de hashtags
Fonte: as autoras, 2020.
Além das hashtags, saudade é uma das palavras mais usadas, tanto
em publicações de moradores da cidade do Rio de Janeiro quanto
de visitantes, como mostram os exemplos a seguir e a Figura 4:
Exemplo 1: Mood de hoje: saudades sol e mar #tbtrj #bar-radatijuca (foto de uma mulher na praia da Barra da Tijuca);
Exemplo 2: Estamos distantes e com a saudade enxergamos
com os detalhes. A vida é linda. #tbt #avidaéboa #enjoythe-
life #tbtCARNAVAL #tbtRJ (foto de uma mulher fantasiada para o carnaval);
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DA NOSTALGIA AO FUTURO
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Exemplo 3: #TBTRJ - Fazem exatamente 12 anos, ainda es-
tava na casa dos 20 e poucos anos. Vejo que mudei quase nada fisicamente, pouca coisa aparentemente. Depois daí
cheguei a ir pro Rio mais umas duas vezes. Sinto saudades
dessa cidade maravilhosa e de alguns amigos que lá con-
quistei. (foto de um homem na praia de Copacabana).
Figura 4: Exemplos de publicações com #tbtrj e o termo saudades3
Fonte: as autoras, com base em Instagram, 2020.
3 Apesar das publicações estarem no modo público no Instagram, decidiu-se preservar
as identidades das pessoas.
Marina Leitão Damin; Alyne Fernanda Reis
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Os emojis (também conhecidos como emoticons, são os dese-
nhos utilizados digitalmente para representar ações, objetos e emoções) são muito usados, principalmente como reforço à
mensagem. Por exemplo, emojis de sol, coração, praia, biquíni, máquina fotográfica. O tempo é outro ponto muito citado nas
publicações, seja tanto por meio da própria palavra (Exemplo 4), seja por outros tipos de marcos temporais, como as estações do ano (Exemplo 5) e marcos históricos (Exemplo 6):
Exemplo 4: Quanto mais o tempo passa mais eu me impres-
sionou com a beleza desse lugar (fotografias tira-
das no Morro da Urca, que mostram a Urca e a Enseada de Botafogo);
Exemplo 5: Demora não verão Amanhã já é outono
então vamos nos cuidar gente!! (imagem da praia de Ipanema e ao fundo o Morro Dois Irmãos);
Exemplo 6: Pouco de História Nesse #TBT A Rua do Lavra-
dio foi aberta em 1771 pelo Marquês do Lavradio, que assu-
miu o Vice-Reinado em 1769. A ideia era fazer uma via que
servisse de caminho e passasse entre os Arcos da Lapa e o emergente Largo do Rocio (atual Praça Tiradentes). #tbt-cultural #TBTRJ #meurio #queroviajar #quarentena #fica-emcasa #vamosnoscuidar #forcaMundo (fotografia de uma mulher em frente à Rua do Lavradio).
As fotografias também aparecem como objetos mediadores e su-
portes de memória afetiva declarados por meio da legenda em uma das publicações (Exemplo 7):
Exemplo 7: As fotos são cartões de embarques para retor-
nar a momentos que já se foram, mas que continuam espe-
ciais em nossos olhos. #tbt #tbtrj #familiafeliz #amor-
maior #prasempre #vidajuntos #throuple #trisal #boys
#instaboy #throuplelife #trisalgay #polylove #loveislove
#love #gay #trisalbrasil #trio #poliamor #amor #amor-
detres #gaybrasil #divulgaçãoinstagram #instaboys #ins-
tagay #gayman #gaybrasil #lgbtqia #husbandandhusband
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#lovegay #vidadetrisal (foto de três homens em frente ao Museu do Amanhã).
O passado, em que se podia andar livremente, também é reme-morado nas publicações. Em uma delas (Exemplo 8), o usuário
faz uma referência a um programa em formato reality show de-nominado The Circle, no qual pessoas são confinadas em aparta-
mentos individuais e só podem interagir por meio de um sistema
de voz e tela chamado The Circle. Em outra publicação (Exemplo 9), uma fotografia de três pessoas em frente a um espelho reme-
te a essa impossibilidade de sair de casa com os amigos, nova-
mente com a palavra saudades.
Exemplo 8: Circle atualizar status estou vivendo um eter-
no #circle #tbtrj (foto de uma mulher em uma bicicleta na ciclovia da praia da Barra da Tijuca);
Exemplo 9: Tbt de quando a gente saia de casa pro rolê !!!!
Saudades, bons tempos!!! #tbtbaladadeverao #tbtrj #rj #er-
rejota #021 #riodejaneiro #verao2018.
As publicações se desdobram entre o desejo de voltar a frequen-
tar espaços da cidade, que não podem ser visitados por conta da
quarentena, e o viajar, o deslocamento para outros lugares, por
parte dos turistas que visitaram a cidade do Rio de Janeiro. A
partir desse passado rememorado por meio desses objetos me-
diadores de memória, como o futuro pode ser imaginado?
Futuro imaginado: a nostalgia como perspectiva
pós-pandêmica
As análises realizadas no presente são frutos de lembranças já vividas, como observa Ulpiano de Meneses (1985, p. 14), “a memória é filha do presente”. Entretanto, considerando ser tam-
bém sujeita a mudanças, se não houver uma referência do passa-
do não é possível compreender o presente e, tampouco, o futu-
Marina Leitão Damin; Alyne Fernanda Reis
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ro. Portanto, considera-se que a análise nos dá um suporte para
compreender os anseios de um futuro pós-pandêmico. Além da
geolocalização, as legendas se tornam uma forma de expressão
que dialoga em conjunto com a imagem, os desejos de tempos
anteriores, opostos, mas que se complementam, em uma pers-
pectiva entre passado e futuro. A menção da saudade do lugar é a memória vivenciada em uma urgência pelo fim da pandemia.
O passado, por si só, está acessível no presente apenas por meio
de suportes de memórias, sejam eles patrimoniais, tecnológicos,
históricos, seja a própria oralidade na transmissão de saberes. Se
pensarmos que os objetos digitais são suportes e mediadores de memória (Van Dijck, 2007), as publicações aqui analisadas trazem
uma fração dessas âncoras de lembranças. Mas, mesmo como uma
fração, são espelhos coletivos, sociais e culturais, de uma época que
deixa como rastros pegadas informacionais em formato de fotos,
vídeos, textos, em plataformas digitais como o Instagram.
As hashtags citadas e analisadas poderiam fazer menção ao
ambiente de trabalho, onde muitos passaram a trabalhar de
casa, assim como estudos, objetos, entre tantas outras formas
de elencar a memória afetiva por algo, alguém ou lugar. Entre-
tanto, interessante pensar que, majoritariamente, as pessoas
possuem essas lembranças vinculadas a espaços como praia,
trilhas e mirantes. Há pontos em comum ao mencionar esses
lugares, possuindo como base a metodologia de análise do es-paço observada por Milton Santos (2006, p. 2), que considera
que o espaço é uma “instância da sociedade”, e que a “essência
do espaço é social”. De acordo com esse pensamento, é possível afirmar que há dese-jos em comum ao compartilhar esses espaços, além da configu-ração física que por ele é categorizada. Neste âmbito, observa-se
que a grande maioria dos lugares pelos quais as pessoas expres-
saram suas lembranças é aberto e possui uma relação direta
com a natureza, ou seja, remetem a lugares a céu aberto.
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Como afirma Sandra Pesavento (2007), a cidade é o local das expres-
sões sociais, culturais e artísticas. São esses os lugares de memória (Nora, 1993), espaços capazes de provocar as mais diversas sensa-
ções. As memórias afetivas, que despontam em cada lugar, como é
possível visualizar nas legendas, mostram uma relação de afeto e saudades. Entretanto, o saudosismo não fica restrito somente aos
moradores da cidade do Rio de Janeiro, que a acessam com mais fa-cilidade. Durante a análise foi possível identificar relatos de pessoas
de outros locais que se expressam, sejam turistas assíduos, sejam
viajantes que estiveram na cidade pela primeira vez. Isso demonstra
a unicidade desses locais capazes de produzir tantas recordações.
Estas que, em seu conjunto, como apresenta Massimo Canevacci (2004), restabelecem um relacionamento com a cidade.
Trata-se de “lugares de memória” capazes de tecer essas repre-
sentações por meio das lembranças que se criam no presen-
te ancoradas nas ações do passado. Tendo em vista a situação
emergencial durante a pandemia de COVID-19, que impossibi-
lita o acesso a esses lugares, essa criação se dá de uma maneira que dificilmente será vista em um outro momento. A tecnologia, alinhada às plataformas digitais, tem sido um suporte essencial,
seja para visitas guiadas a museus de forma online, seja até para
guias de turismo que têm realizado materiais para trazer conhe-
cimento a respeito de centros históricos e outros pontos turísti-
cos. No âmbito individual, as publicações evocam as memórias
coletivas que foram compartilhadas nos mesmos espaços, em
que a partir de imagens e textos a esperança de voltar a frequen-tar esses locais de maneira física, em locus, se expressa. Divulgar momentos específicos do passado através da repre-sentação fotográfica e textual em meio à pandemia de CO-
VID-19 mostrou que a saudade é elemento frequente nas pu-blicações e, por consequência, a nostalgia (Huyssen, 2014),
pois existe uma inacessibilidade de um tempo que já passou. Um período inédito, como este de quarentena, modifica a rela-
ção das pessoas com o tempo. O cotidiano sofre uma alteração
Marina Leitão Damin; Alyne Fernanda Reis
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tal que não é mais ele o responsável principal por embasar e
construir uma ideia de futuro. Se a memória é um recurso da imaginação (Hutton, 2016), e esta
é uma das três preocupações humanas que moldam o futuro, ao lado da antecipação e da aspiração (Appadurai, 2013), parece
que é dessa relação que parte uma espécie de esperança a res-
peito de um futuro pós-pandêmico. É como se trouxesse confor-
to pensar que a sociedade será a mesma, que o futuro seria igual
ao passado do qual se sente falta. A nostalgia é uma âncora dian-
te da incerteza do futuro. É pensar que o que já se conhece se re-
petirá. As pessoas, os aromas, as conversas e os momentos serão
replicados, equivalentes aos tempos passados. Ou até melhores.
Fala-se de um novo normal como contraponto. Normal, palavra esta que por si só é homogeneizante e conflitante. O que é nor-
mal? Para quem? Homogeneização que não cabe em seres hu-
manos, muito menos em uma cidade tão plural, polifônica e de
sobrevivências díspares como o Rio de Janeiro. Falar de um
normal só cabe no lugar da memória e da nostalgia de cada um,
em uma categoria próxima de um familiar imaginado, quando reconhecimento de algo que pertence à esfera das lembranças e
vivências particulares. Em proximidade afetuosa, os lugares em
que a falta é sentida carregam mais do que sua geolocalização e arquitetura. Sem o público que o frequenta, o lugar se limita às suas – não menos importantes – riquezas e particularidades ar-
quitetônicas, bem como sua localização no espaço urbano. Mas,
sem os observadores, sem os frequentadores, falta a voz de quem
rememora esse local a partir do estímulo que este espaço demar-
cado na cidade provoca, sobrando espaços vazios de lembranças.
Considerações finaisQuando se trata de tempos de indefinição, as memórias afeti-
vas podem ser um mecanismo de autoproteção e esperança.
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No caso da pandemia da COVID-19, o ato de lembrar se torna
uma espécie de ferramenta para a imaginação de um futuro pós-
-pandêmico em relação aos espaços da cidade, além dos laços
de sociabilidade que são efetivados nestes lugares. A análise das
publicações com a hashtag #tbtrj mostra que essa ponte entre
passado e futuro pode ser feita por meio de objetos digitais no
Instagram que, por sua vez, mediam essas memórias.
E, ao serem compartilhadas a partir dos indivíduos, elas se in-
serem no imaginário coletivo dos “lugares de memória”. Desta
forma, concluímos que durante a pandemia as publicações com
a #tbtrj representam os “lugares de memória” da cidade do Rio
de Janeiro de forma coletiva e nostálgica, a partir de uma memó-
ria afetiva, projetando um futuro imaginado após a pandemia.Refletir sobre essas relações sem uma tentativa de distancia-mento – mesmo estando nós, imersas nessa mesma realidade – foi um desafio, mas muito necessário como registro e olhar de
uma época. Transitar pelas representações digitais dos “luga-
res de memória” da cidade do Rio de Janeiro por meio de uma
hashtage do georreferenciamento tornou possível visualizar a
mancha territorial que representa as regiões cariocas mais lem-
bradas com saudosismo Mas é importante salientar que essa
análise capta apenas uma porção de toda a complexidade e aten-ção que a temática merece. Por fim, consideramos este artigo
um fragmento espaço-temporal de vivências, lembranças e cul-
turas polifônicas durante a COVID-19 e que tem como potência
ser material de comparação de estudos para após a pandemia.
Assim, sendo um registro do passado quando o futuro pós-pan-
dêmico for presente.
Marina Leitão Damin; Alyne Fernanda Reis
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Recebido em 29/07/2020
Aprovado em 30/10/2020