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A Elite Cultural do Folclore Alemão
“Autêntico” no Brasil: Perfil Social,
Mediação Cultural e Estratégias de

Legitimação*1

Lucas Voigt**2

Resumo: No Brasil, um conjunto de agentes atua na definição, preservação e promoção do folclore alemão “autêntico” e legítimo. Este artigo tem por objetivo analisar as práticas e as estratégias de legitimação da elite cultural folclorista, isto é, do conjunto de agentes que ocupa as prin-cipais posições no espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil. Para tanto, são enfocadas três questões-chave: (1) as instâncias de re-crutamento e de formação da elite cultural folclorista; (2) o trabalho de mediação cultural levado a cabo pelos especialistas em folclore, que consiste na decodificação de fontes históricas produzidas no contexto europeu e na prescrição de práticas e condutas no espaço do folclore brasileiro, procedimento basilar à legitimação e à garantia da “autenti-cidade” do folclore; e (3) os principais caracteres de origem social, tra-jetória, capitais e trunfos sociais disponíveis à elite cultural folclorista e/ou adquiridos por meio do seu investimento na esfera do folclore.
Palavras-chave: Elites culturais. Folclore “alemão”. Estratégias de legi-timação. Mediação cultural. Autenticidade.
* O artigo apresenta alguns resultados da dissertação de mestrado realizada pelo autor (Voigt, 2018a). A pesquisa contou com o financiamento do CNPq, mediante a concessão de uma bolsa de mestrado. Uma versão preliminar do artigo foi apresentada no 42º En-contro Anual da ANPOCS, no Grupo de Trabalho “Elites e formas de dominação”. Gostaria de agradecer, de modo especial, a Ernesto Seidl pelas sugestões apresentadas ao longo do desenvolvimento da pesquisa e à preparação do manuscrito para publicação, bem como pelas indicações de bibliografia. ** Mestre em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), dou-torando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com perí-odo sanduíche junto à University of Illinois at Urbana-Champaign (UIUC). Bolsista CAPES. E-mail: lucas_3106@hotmail.com. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9789-7851.

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The Cultural Elite of Authentic “German” Folklore
in Brazil: Social Profile, Cultural Mediation and

Strategies of Legitimation

AbstractIn Brazil, a group of agents acts in the definition, preservation and pro-motion of German “authentic” and legitimate folklore. This article aims to analyze the practices and strategies of legitimation of the folkloristic cultural elite, that is, the set of agents that occupy the main positions in the space of practices of “German” folklore in Brazil. To do so, three key-issues are addressed: (1) the instances of recruitment and training of the folkloristic cultural elite; (2) the work of cultural mediation car-ried out by folklore experts, which consists in the decoding of histori-cal sources produced in Europe, and in the prescription of practices and conducts in the Brazilian context, a basic procedure for legitima-tion and the guarantee of “authenticity” of folklore; and (3) the main characters of social origin, trajectory, capital and social assets available to the folkloristic cultural elite and/or acquired through their invest-ment in the sphere of folklore.
Keywords: Cultural elites. “German” folklore. Strategies of legitima-tion. Cultural mediation. Authenticity.

La Élite Cultural del Folklore “Alemán” Auténtico en
Brasil: Perfil Social, Mediación Cultural y Estrategias

de Legitimación

ResumenEn Brasil, un conjunto de agentes actúa en la definición, preservación y promoción del folklore alemán “auténtico” y legítimo. Este artículo tiene como objetivo analizar las prácticas y estrategias de legitimaci-ón de la élite cultural folklorista, es decir, el conjunto de agentes que ocupa las principales posiciones en el espacio del folklore “alemán” en Brasil. Para tanto, se abordan tres cuestiones clave: (1) las instancias de reclutamiento y formación de la élite cultural folklorista; (2) el tra-

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bajo de mediación cultural realizado por especialistas en folklore, que consiste en decodificar fuentes históricas producidas en el contexto europeo, y prescribir prácticas y conductas en el espacio del folklore brasileño, un procedimiento central para la legitimación y la garantía de la “autenticidad” del folklore; y (3) los principales caracteres de ori-gen social, trayectoria, capitales y activos sociales disponibles para la élite cultural folklorista y/o adquiridos a través de su inversión en la esfera del folklore.
Palabras clave: Élites culturales. Folklore “alemán”. Estrategias de le-gitimación. Mediación cultural. Autenticidad.
Elites culturais: sobre o problema da legitimação e da
“autenticidade”Podemos constatar o papel-chave das elites culturais na legiti-mação de padrões de “autenticidade” no contexto de uma vasta gama de práticas culturais e artísticas (Fernandes, 2010, 2012; Reis, 2010; Coradini, 2003). Consideremos, de modo exemplar, o trabalho de Fernandes (2010, 2012). Em seus estudos sobre a questão da “autenticidade” na música popular brasileira, o autor analisa o papel de intelectuais e de instituições para a definição de uma concepção específica da música brasileira, marcada pe-los atributos da “autenticidade” e da “originalidade”. Tais intelec-tuais e instituições influenciaram o campo da música no Brasil, operando uma redefinição das posições ocupadas pelos gêneros musicais. Durante os anos de 1950-70, o samba e o choro – de matriz popular, oriundos dos morros cariocas – são elevados à categoria de música “autêntica”, “genuína” e “representativa” da cultura e da identidade brasileiras.Desse modo, a definição da música brasileira “autêntica” depen-de de um processo de delimitação formal, institucional e grupal (Fernandes, 2012). Ademais, o interesse “desinteressado” (cf. Bourdieu, 1996) de determinados agentes sociais na promoção e normatização da música popular brasileira possibilita a arti-

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culação de um círculo de intelectuais e a formação de uma elite cultural, responsável pela institucionalização do discurso que define o samba e o choro como gêneros musicais representati-vos e legítimos da cultura e da musicalidade brasileiras.Em estudo sobre práticas, recursos e representações dos porta--vozes da “cultura” no Maranhão, Reis (2010) demonstra a cen-tralidade do problema da legitimação de critérios de “autenti-cidade” nos estudos sobre elites culturais. A autora analisa as características sociais dos agentes que ocupam cargos políticos vinculados à gestão da cultura no Maranhão, as representações sociais que partilham e que edificam em suas lutas pelos senti-dos da “cultura”. A legitimação da cultura maranhense está asso-ciada à valorização do patrimônio arquitetônico, processo que, segundo a autora, é resultado de um trabalho social de invenção (cf. Hobsbawm & Ranger, 1984). De acordo com Reis (2010), ao construírem versões do patrimô-nio comum e coletivo, os mediadores da cultura no Maranhão incrementam seus próprios patrimônios pessoais, benefician-do-se da autoridade legítima para sua definição. Nesse sentido, a autora argumenta que o uso da tradição serve à autoridade de quem a mobiliza. Ao legitimarem a cultura, as elites culturais legitimam sua posição no campo cultural, produzindo uma dis-tinção em relação a posições concorrentes. Assim, não interessa apenas saber como os agentes legitimam uma prática cultural, mas como se legitimam a partir dessa legitimação. Com base em tal discussão introdutória, é possível esboçar algu-mas definições basilares para duas noções centrais a este estu-do, a saber, legitimação e “autenticidade”. A noção de legitimação, com base em uma perspectiva bourdieusiana, se refere ao pro-cesso de definição de critérios socialmente aceitos e reconhecidos como válidos em determinado campo social; no caso da cultura, se refere ao poder simbólico (Bourdieu, 2010) para criar uma vi-são de autenticidade para determinada prática cultural. Quanto

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à “autenticidade” – produto de uma estratégia de legitimação1 e, portanto, uma categoria não sociológica –, pode-se dizer que uma prática “autêntica” é aquela que expressaria a “realidade” e o “verdadeiro valor” da manifestação cultural em questão2, critério que é, via de regra, produzido e promovido por membros de de-terminada elite cultural. Assim, em tal perspectiva, coloca-se em evidência a preocupação com as lutas sociais em torno da defini-ção das práticas culturais consideradas “mais legítimas”, isto é, as práticas dotadas de “autenticidade” e de “verdade”.
O espaço de práticas do folclore “alemão” no BrasilSe podemos constatar o papel determinante de uma elite cul-tural e de um campo de legitimação no contexto da música bra-sileira “autêntica”, ou o papel-chave de mediadores culturais para a legitimação da cultura e do patrimônio no Maranhão, no caso da tradição e do folclore “alemão” verificamos igualmente a atuação “desinteressada” de agentes e de instituições para a delimitação formal, institucional e grupal dessas manifestações culturais e artísticas. Em outras palavras, constata-se a existên-cia de um “espaço” que define, legitima e regulamenta o folclore alemão “autêntico” no Brasil (Voigt, 2018a).
1 A noção de estratégia, que na sociologia de Pierre Bourdieu está próxima de outras noções, como habitus, práticas e senso prático, pode ser compreendida como uma ação razoável que não compreende um cálculo consciente em sentido racionalista ou utilita-rista, voltado à maximização do lucro econômico. A estratégia é, antes, um resultado da posição social, do habitus e dos agenciamentos do indivíduo em campos ao longo da sua trajetória. Assim, a estratégia refere-se a uma ação, com objetivos e expectativas futuras, produzida a partir do senso prático e do sentido do jogo captado pelos agentes. Para uma exposição de Bourdieu sobre o contexto de produção da noção de estratégia, bem como sobre distintas modalidades de estratégias, ver Bourdieu (2020). 2 Os critérios de autenticidade buscam ancoragem na história, na antiguidade, na an-cestralidade e na “tradição”. Na definição sugerida por Nedel, em estudo sobre a elite intelectual do folclorismo gaúcho (Nedel, 2005, 2011), “[...] a autenticidade pode, a partir daí, ser definida como um princípio de inviolabilidade aplicado a certos parâmetros de conformação mítica do passado” (Nedel, 2005, p. 30).

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Tomo a noção de espaço de empréstimo de Saint Martin (2002), empregada pela autora em seus estudos sobre os descendentes da nobreza na França. A noção de espaço social opera como uma alternativa teórico-metodológica ao conceito de campo social. Ainda que “espaço” compreenda alguns dos elementos constitu-tivos e imprescindíveis do conceito de campo – a saber, o caráter relacional e posicional dos universos sociais, constituídos por agentes em concorrência –, a noção comporta algumas especifi-cações analíticas importantes, que me parecem pertinentes para o enquadramento do folclore “alemão” praticado no Brasil. Nes-se sentido, pode-se afirmar que um “espaço de práticas” pressu-põe: uma baixa autonomia relativa do espaço, se comparada à dos campos sociais; a inexistência de instituições ou a existência de uma baixa institucionalidade, com poderes e capacidade de manutenção e de reprodução institucional limitados; uma pro-fissionalização restrita dos agentes em atividades e postos inter-nos ao próprio espaço de práticas, processo que não se verifica de modo costumaz; e, por consequência, uma diversificação dos investimentos dos agentes inseridos no espaço, investimentos direcionados a variados campos e esferas sociais, o que implica uma maior heterogeneidade em termos das práticas sociais de-senvolvidas por tais agentes ao longo de suas trajetórias sociais. Como parece ser de comum acordo no campo da sociologia das elites, ou ao menos na sociologia das elites inspirada nos traba-lhos de Pierre Bourdieu, partindo da constatação do processo de autonomização das esferas ou campos sociais, é plausível su-pormos a existência de uma vasta gama de elites e de distintos mecanismos de dominação. Essa proposição se opõe às supo-sições sobre a existência de uma única elite, integrada e coesa, que deteria o controle sobre as variadas esferas do mundo so-cial. Assim, pressupondo que a questão da “elite” depende do espaço social referido, bem como de uma questão de escala e de recorte, pode-se aferir a existência de uma elite cultural que define, legitima e promove a tradição e as práticas do folclore alemão “autêntico” no Brasil.

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Os agentes em posições destacadas no espaço do folclore “ale-mão” formam uma elite cultural capaz de definir e delimitar os critérios de “autenticidade” e legitimidade para as práti-cas culturais que compõem o folclore – notadamente a “dança folclórica”3 –, com base em um trabalho de decodificação de re-gistros históricos folclóricos – no vocabulário dos folcloristas, as
Tanzbeschreibungen, literalmente “descrições de dança” –, que se constituem como os elementos basilares à garantia da fide-dignidade histórica do folclore. Essa elite, que ocupa as posições dominantes no espaço do folclore, exerce um poder simbólico que lhe permite estabelecer padrões e critérios de avaliação e de representação sobre o folclore alemão “autêntico”. No espaço do folclore “alemão” praticado no Brasil, a manifes-tação cultural mais importante é, indubitavelmente, a dança folclórica. Como suporte à prática da dança, está a utilização de indumentárias “típicas”, os “trajes folclóricos”; trajados, grupos de danças costumam apresentar-se em festividades locais ou cívicas de comunidades de descendentes de alemães. Para a execução de tais práticas culturais, os especialistas em folclore se baseiam em um universo amplo de referências e informações, sistematizado por meio de pesquisa em fontes como os registros históricos de danças e trajes. Sua prática se caracteriza pela reprodução de danças “autênticas”, isto é, aquelas que foram registradas por fol-cloristas em séculos anteriores; o cuidado em relação a essas re-ferências é meticuloso e o volume de fontes históricas que orien-tam a prática desses folcloristas é vastíssimo. O espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil, assim como os demais microcosmos sociais que constituem a totalidade do espaço social, caracteriza-se como um universo estruturado e hierarquiza-do. Podemos apontar a Associação Cultural Gramado (ACG) – Casa
3 O termo em alemão para “danças folclóricas” é Volkstänze. A tradução exata seria “dan-ças do povo” ou “danças populares”. O termo relacionado, Volkstanzgruppen, pode ser traduzido como “grupos de dança popular” ou de “dança folclórica”.

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da Juventude como a principal instituição de legitimação, promo-ção, formação e representação do folclore e de folcloristas em âm-bito nacional. A entidade foi fundada em 1965, em Gramado (RS). Em âmbito regional, verificamos a existência das “regionais” ou “ligas de folclore”, entidades fundadas no início da década de 1990 como uma iniciativa de regionalização da ACG. Tais insti-tuições promovem eventos e oferecem formação a folcloristas. Existem no país sete regionais, duas no Rio Grande do Sul e cinco em Santa Catarina – a principal delas é a Associação dos Grupos Folclóricos Germânicos do Médio Vale do Itajaí (AFG), de Blu-menau (SC), que recentemente passou a ofertar de modo inde-pendente cursos de danças folclóricas. A existência de regionais apenas nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina se explica em função da maior intensidade de práticas folclóricas nesses estados, que concentram a maior parte dos grupos fol-clóricos. A maior incidência de regionais em Santa Catarina, por sua vez, é resultado da maior distância geográfica em relação à instituição central do espaço, a ACG. As regionais têm por função agremiar um conjunto determinado de “grupos de dança folclórica” – que, por sua vez, têm atuação nas esferas municipal ou local. Para empregarmos um vocábulo de uso corrente na análise política, podemos conceber os grupos de dança folclórica como as entidades “de base” do espaço do fol-clore “alemão” no Brasil. Existem no Brasil cerca de 200 grupos de danças folclóricas alemãs, que reúnem em média de 10 a 40 pares de dançarinos. As atividades desses grupos consistem na reprodução de danças folclóricas “alemãs”, de modo tanto mais fiel quanto possível aos registros de danças. Obviamente, esses grupos se concentram na região Sul do país – onde se verificou o fenômeno da imigração alemã em larga escala –, principalmente nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Não obs-tante, verifica-se a atuação de Volkstanzgruppen em ao menos outros cinco estados da federação: São Paulo, Paraná, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

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Um grupo folclórico é uma agremiação de dançarinos. Tais enti-dades são compostas por um “coordenador” e por um conjunto mais amplo de dançarinos, os “integrantes” do grupo folclórico. O coordenador é responsável por instruir as danças e as core-ografias ao restante dos folcloristas. Ademais, esses coordena-dores realizam cursos de especialização junto às instituições de legitimação do folclore “alemão” no país, notadamente a Asso-ciação Cultural Gramado. Neste estudo, chamo de “folclorista” os agentes envolvidos com a prática do folclore “alemão”. O termo refere-se, principalmen-te, a dançarinos e coordenadores de grupos folclóricos. Para diferenciá-los dos agentes que ocupam posições nas principais instituições do espaço – isto é, em um nível hierárquico supe-rior –, na definição de critérios de “autenticidade” e na mediação com as fontes do folclore provenientes da Alemanha e da Eu-ropa, defino estes últimos como “especialistas em folclore”, que constituem propriamente a elite cultural que legitima essa prá-tica cultural. Como será demonstrado, a especialização depende de um conjunto de fatores, normalmente articulados, como uma longa formação em cursos de especialização, o domínio da lín-gua alemã e a habilidade de leitura dos registros de danças. Ainda que este artigo pretenda apresentar uma análise essen-cialmente “sincrônica” ou estrutural do folclore “alemão”, é per-tinente, não obstante, apresentarmos algumas considerações acerca da gênese sócio-histórica do folclore “alemão” no Brasil, para que seja possível compreender a particularidade e a espe-cificidade dessa modalidade de folclore4.
4 Para uma análise detalhada que enfoca a dimensão “diacrônica” ou histórica do folclo-re “alemão” no Brasil, tratando da sua sociogênese, ver: Voigt (2018a, especialmente p. 49-144).

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Gráfico 1: Representação visual da estrutura do espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil.

(Fonte: elaborado pelo autor).
O folclore “alemão” possui um contexto de surgimento singular, ligado à própria experiência histórica da “germanidade” no Brasil. Os primeiros grupos folclóricos remontam às décadas de 1950 e 1960, originados a partir de entidades envolvidas no esforço de recomposição das elites do grupo étnico alemão no Brasil – os Centros Culturais 25 de Julho –, fundadas após as campanhas de nacionalização do Estado Novo (1937-1945). As campanhas de nacionalização – que envolveram medidas como a proibição do uso de línguas estrangeiras em território nacional, da imprensa e do ensino em língua estrangeira, bem como a supressão de prá-ticas culturais de clubes e de associações fundadas ou dirigidas por alemães (ver, p. ex., Geraldo, 2009) – abalaram fortemente a etnicidade e a cultura alemã no Brasil, ferindo a autoimagem e os recursos de poder das elites do grupo étnico alemão. Assim, pode--se afirmar que a prática do folclore “alemão” era pouco expressi-va antes do Estado Novo (cf. Seyferth, 2005).

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As práticas do folclorismo “alemão”, iniciadas nas décadas de 1950 e 1960, serão sistematizadas e institucionalizadas – em um espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil –, nas dé-cadas de 1980 e 1990, período em que ocorre a fundação do Departamento de Danças da ACG e em que se inicia a oferta de formação especializada em dança folclórica no país. A partir de meados da década de 1970, o sentimento de “constrangimento” em relação aos alemães – que atingiu seu ápice no Estado Novo – começa a arrefecer-se (cf. Gertz, 2013). Alguns anos mais tarde, verifica-se o surgimento de um conjunto articulado de práticas e de iniciativas voltadas à promoção da herança e da cultura “ale-mãs” no Brasil. Dentre elas, destaca-se a fundação dissemina-da e abrangente de grupos folclóricos, bem como o surgimento de festividades étnicas, de âmbito municipal e/ou comunitário, com destaque às Oktoberfesten – situadas no contexto do que se compreende como “cultura popular de massa”. Os anos de fundação dos primeiros grupos folclóricos alemães no Brasil coincidem com o período mais expressivo de atuação do Movimento Folclórico Brasileiro (1947-1964) (cf. Vilhena, 1997), embora tais processos apresentem escassas conexões. Pode-se argumentar que a gênese de um folclore “alemão” no Brasil está ligada às experiências próprias e sui generis do gru-po étnico alemão, notadamente o esforço de rearticulação e de recomposição de elites do grupo étnico após as campanhas de nacionalização do Estado Novo. Dessa forma, o surgimento do folclore “alemão” é um processo que ocorre de modo paralelo aos desenvolvimentos do folclorismo brasileiro, tomando lugar no contexto interno e singular do grupo étnico teuto-brasileiro.Ao passo que o folclore brasileiro é fortemente marcado pela ex-periência do regionalismo, o folclore “alemão” – ainda que esteja regionalmente situado, nos estados do Sul e do Sudeste, em que se verificou a imigração alemã em escala expressiva – procura desvencilhar-se de demarcações regionais, afirmando a dimen-são étnica, construída “nacionalmente”; dito de outro modo, o

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folclore “alemão” no Brasil seria característico e representativo de todos os “alemães” em território brasileiro, constituindo-se em termos “nacionais” – ainda que, paradoxalmente, esse nacio-nal seja estrangeiro, não autóctone. Essa exposição extremamente sumária acerca do espaço de prá-ticas do folclore “alemão” no Brasil serve-nos para a apresen-tação do objeto a ser analisado neste artigo. O presente traba-lho, embasado no aporte teórico-metodológico dos campos da sociologia das elites (Saint Martin, 2002; Coradini, 2001, 1997; Seidl, 2013, 2009; Reis, 2010; Sapiro, 2012; Petrarca, 2008) e da sociologia da cultura (Bourdieu, 1996, 2007; Elias, 2001; Miceli, 2003; Fernandes, 2010, 2012), se propõe a analisar a elite cultu-ral do folclore “alemão” no Brasil, responsável pela produção, le-gitimação e promoção dos critérios de “autenticidade”, fidedig-nidade histórica e valor simbólico para a prática de tal folclore no contexto brasileiro. O artigo, assim, tem por objetivo analisar as práticas e as estratégias de legitimação da elite cultural fol-clorista, isto é, do conjunto de agentes que ocupa as posições dominantes no espaço do folclore “alemão” no país. Para tanto, serão abordados três aspectos-chave para a compre-ensão dessa elite cultural: (1) as instâncias de recrutamento e de formação da elite cultural folclorista; (2) o trabalho de me-diação cultural levado a cabo pelos especialistas em folclore, que consiste na decodificação de fontes históricas produzidas no contexto europeu e na prescrição de práticas e condutas no es-paço do folclore brasileiro, procedimento basilar à legitimação e à garantia da “autenticidade” do folclore; e (3) os principais caracteres de origem social, trajetória, capitais e trunfos sociais disponíveis à elite cultural folclorista e/ou adquiridos por meio do seu investimento na esfera do folclore.

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Breves apontamentos metodológicosA pesquisa que embasa este artigo foi realizada formalmente en-tre os anos de 2015 e 2017. Emprego o termo “formalmente” na medida em que o presente pesquisador possuía uma atuação e um envolvimento pessoal com o espaço do folclore, na qualidade de dançarino, ao longo de sua infância até o início da adolescên-cia. Ademais, alguns membros do grupo familiar do pesquisador possuem (ou possuíam), igualmente, envolvimento com a prá-tica do folclore, ocupando posições de dançarinos e/ou coorde-nadores de grupos folclóricos. Desse modo, tal inserção pesso-al e familiar no espaço do folclore – reconhecida pelos demais agentes posicionados no espaço – compreende um conjunto de experiências amplas e de longa duração que, indubitavelmen-te, contribuiu como material de análise, além de ter facilitado o acesso ao campo de pesquisa e a identificação de informantes e entrevistados, bem como a compreensão das práticas, dinâmi-cas e categorias nativas do espaço. Tais experiências subjetivas foram – como se mostra indispen-sável a qualquer empreendimento sociológico – objetivadas a partir de seu enquadramento com base em teorias e métodos oriundos das ciências sociais. Conforme argumenta Bourdieu (2010), a objetivação da relação do sociólogo com o seu objeto é a condição da ruptura com a propensão em investir no objeto, que está na origem do interesse do pesquisador pelo objeto. As-sim, este pesquisador procurou manter-se vigilante em relação aos interesses, às práticas e às concepções nativas da elite cultu-ral folclorista. Com a realização de cada uma das entrevistas, foi possível iden-tificar novos interlocutores, a partir da indicação dos próprios entrevistados. Realizei, no total, nove entrevistas; oito delas com folcloristas brasileiros que integram a elite cultural do folclore “alemão” no Brasil, e uma com um especialista suíço em folclo-re. As entrevistas, que envolviam, dentre outros temas, questões

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sobre a trajetória pessoal e institucional dos agentes, bem como suas concepções e práticas relacionadas com o folclore, tiveram por objetivo substanciar a execução de uma prosopografia da elite cultural folclorista5. Dentre as entrevistas realizadas, constam aquelas com agen-tes que ocupam posições centrais no espaço do folclore – na ACG e no universo de confecção de trajes folclóricos –, trajetó-rias indispensáveis para a compreensão do espaço. No mesmo sentido, foram realizadas também entrevistas com diretores (ou ex-diretores) de regionais de folclore, que são também, via de regra, coordenadores de grupos folclóricos. Foram entrevis-tados, especificamente, quatro agentes que ocupam (ou ocupa-vam) tais posições. Ainda que, por limitações de recursos, tenha se mostrado inviável entrevistar representantes das sete regionais e dos cerca de 200 grupos folclóricos, tendo em mente a similaridade das trajetórias de tais agentes no espaço do folclore e, ademais, considerando que as entrevistas realizadas permitiram identificar as práticas, as estruturas e os princípios dominantes no espaço – com base em considerações oriundas dos contextos “nacional”, “regional” e “local” em que o folclore é executado, bem como das intermedia-ções entre tais níveis –, considero que o conjunto de entrevistas e a prosopografia permitiram um delineamento adequado e satis-fatório do espaço do folclore e da elite cultural folclorista. Nesse sentido, embora fosse possível incluir e entrevistar outros agen-tes, sem considerar algumas das trajetórias e das posições repre-sentadas pelos agentes entrevistados, teria sido impossível re-constituir a estrutura do espaço do folclore, bem como identificar os principais caracteres sociais constitutivos da elite do folclore.Além das entrevistas, a pesquisa se baseou em material de cunho etnográfico, compreendendo a participação e o acom-

5 A prosopografia é apresentada e discutida em detalhes na última seção deste artigo.

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panhamento de atividades realizadas pelos folcloristas, como ensaios, apresentações de danças e eventos folclóricos6. Além disso, o campo de pesquisa compreendeu a visita a instituições promotoras de folclore, como a ACG e a AFG, visando identificar os espaços institucionais e os acervos abrigados nas instituições. Como fontes de pesquisa, foram consideradas ainda as referên-cias de leitura da elite cultural folclorista – literatura sobre dan-ças e trajes folclóricos –, material que está na base do trabalho de mediação executado por tais agentes. A produção escrita da elite do folclore, versando sobre a história de instituições pro-motoras de folclore e/ou compreendendo discussões de cunho mais teórico sobre o que constitui o folclore – produção bastante restrita, deve-se pontuar – também foi considerada. Por fim, de modo complementar, foram analisados alguns documentos his-tóricos que auxiliaram na reconstituição da história e da gênese do espaço do folclore, bem como materiais produzidos pelas ins-tituições, tais como estatutos e folders de divulgação.
Instâncias de recrutamento e de formação de especialistas
em folcloreAs principais instâncias de formação de especialistas em folclore “alemão” no Brasil são os cursos de especialização em dança fol-clórica promovidos anualmente pela Associação Cultural Gramado (ACG) – Casa da Juventude. Tais cursos começaram a ser realizados a partir de 1983, tendo um papel central para a sistematização e a institucionalização da prática do folclore “alemão” no Brasil. A oferta sistemática de cursos de folclore realizada pela ACG re-presenta a institucionalização de um conjunto de práticas que
6 Tanto as entrevistas como o campo de pesquisa de cunho etnográfico foram realizados em distintos municípios dos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, em que estão localizadas as principais instituições de folclore e onde residem os agentes vincu-lados a tais entidades.

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começaram a ser executadas no país a partir das décadas de 1950 e 1960 e, em maior intensidade, na década de 1980. Com base no campo de estudos conhecido por sociologia política das instituições (Seidl, 2016; Grill, 2012; Engelmann, 2017) – de ins-piração francesa e com bastante proximidade teórico-metodoló-gica e temática com o campo da sociologia das elites –, podemos conceber uma “instituição” como um conjunto de regras, valores e práticas objetivadas, isto é, como o social instituído. Segundo tal perspectiva, de natureza processual, construtivista e disposicional (Grill, 2012), o processo de objetivação de regras e de práticas em uma instituição – isto é, o processo de insti-tucionalização – depende do investimento dos agentes sociais. Nesse sentido, é central reter que, a despeito da aparência de naturalidade, as instituições possuem uma história singular e são permanentemente construídas, num processo que com-preende agenciamentos e lutas entre agentes. Por outro lado, a instituição possui também uma dimensão coercitiva em relação aos indivíduos. Para parafrasear Seidl (2016), convém lembrar que, ao passo que os agentes fazem as instituições, os agentes e suas práticas são simultaneamente constituídos por elas. Tal dimensão é especialmente importante no que tange aos cursos de folclore promovidos pela ACG, que servem à inculcação de regras e de práticas que constituiriam e garantiriam a “autenti-cidade” do folclore. Nesse sentido, o folclore “alemão” praticado no Brasil, em grande medida, pode ser considerado um folclore “institucionalizado”. A ACG pode ser compreendida como uma instituição de pesqui-sa, documentação, sistematização, promoção e ensino sobre a cultura popular germânica, com ênfase no fenômeno da dança popular. Com o intuito de possibilitar que um conjunto de fontes históricas documentadas e sistematizadas na instituição possa se transformar propriamente em uma prática cultural concre-ta, disseminada e representativa da cultura germânica no Brasil, isto é, visando à transfiguração de um registro histórico textual

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de uma dança em uma práxis – isto é, em uma dança performada –, a ACG promove os cursos de especialização em danças, visan-do também à promoção de uma concepção específica e legitima-da de folclore e de um modus operandi certificado institucional-mente, que garanta a “autenticidade” das danças performadas.Desse modo, a prática do folclore alemão “autêntico” depende de estratégias de formação de uma elite cultural e da inculcação
de um modus operandi e de uma práxis específica. As lideranças do folclore formadas na ACG irão representar a entidade e a sua concepção específica de folclore produzida e definida institucio-nalmente – e transmitida nos cursos de especialização em dan-ças – nos âmbitos regional (isto é, nas associações regionais) e municipal ou local (isto é, nos grupos de dança folclórica). Para a realização dos cursos, a ACG hospeda coordenadores de grupos de dança e dançarinos durante uma semana nas depen-dências da entidade. A linha mestra dos cursos é atualizar o re-pertório de danças dos grupos folclóricos, transmitindo as “no-vas” danças populares germânicas – isto é, danças históricas que possuem registro e documentação, mas que ainda não haviam sido identificadas, catalogadas, decodificadas ou sistematizadas para a performance no contexto brasileiro. O curso é ministrado por um professor estrangeiro, de nacio-nalidade alemã, austríaca ou suíça. Esse professor é o principal responsável pela definição do repertório das “novas” danças folclóricas germânicas a serem reproduzidas no contexto brasi-leiro. É de importância central para a formação de especialistas em folclore no Brasil a atuação de experts oriundos do contexto alemão e europeu, notadamente para a legitimidade dos folclo-ristas brasileiros, que passam a estar ligados a agentes e institui-ções europeias de legitimação do folclore. Pode-se afirmar que os critérios de autenticidade para o fol-clore provêm da Europa, por meio de representantes enviados

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por instituições europeias de legitimação do folclore – como a
Deutsche Gesellschaft für Volkstanz (DGV), ou “Sociedade Alemã para a Dança Popular”, e a Schweizerische Trachtenvereinigung (STV), ou “Associação Suíça de Trajes” – e, especialmente, com base na importação de subsídios e fontes históricas para a prá-tica do folclore. No caso brasileiro, não se verifica propriamente a importação de um “modelo” ou de “ideias” (cf. Dezalay & Mad-sen, 2013), mas antes de um modus operandi de praticar folclore estabelecido na Europa. Deve-se ressaltar que os cursos promovidos pela ACG são es-paços de especialização em dança folclórica, e não propriamen-te cursos de formação. Dito de outro modo, trata-se de cursos destinados a folcloristas que já possuem experiência na prática da dança no contexto de grupos folclóricos e que, portanto, pos-suem conhecimento acerca dos “passos básicos” que compõem o repertório da dança popular germânica, além de possuírem familiaridade com as danças mais conhecidas e difundidas do folclore germânico. Assim, o público dos cursos da ACG se constitui basicamente de coordenadores de grupos de dança folclórica, além de alguns integrantes-dançarinos desses grupos. É bastante comum que tais coordenadores já tenham participado de várias edições dos cursos de especialização. Via de regra, um coordenador de gru-pos participa anualmente dos cursos. Nos primeiros cursos, o coordenador incorpora o modus operandi de fazer folclore, assi-milando as competências e os conhecimentos necessários à ga-rantia da “autenticidade” e fidedignidade do folclore; a partici-pação nos cursos seguintes visa, principalmente, à “atualização do repertório” das danças populares germânicas.A participação de novos dançarinos em tais cursos depende de um processo de recrutamento e seleção. Via de regra, tal recruta-mento é realizado pelos coordenadores de grupos folclóricos. Os procedimentos de recrutamento e seleção de dançarinos para a

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participação nos cursos da ACG levam em conta o desempenho de um determinado dançarino-integrante no âmbito de atuação dos grupos folclóricos, bem como o “interesse” manifesto por tais dançarinos em relação à cultura alemã. O recrutamento de dançarinos-integrantes para a realização de cursos tem como objetivo a formação de quadros que possam auxiliar o coorde-nador na condução das atividades nos grupos folclóricos; com a realização de cursos, esses dançarinos adquirem conhecimen-tos, competência e legitimidade para eventualmente formarem e coordenarem novos grupos. Em certa medida, pode-se compreender a participação contínua do conjunto de especialistas brasileiros em folclore “alemão” nos cursos da ACG como uma peregrinação cultural à cidade de Gramado, realizada anualmente, visando obter formação e aces-so a danças certificadas e autenticadas institucionalmente, que legitimam a prática dos coordenadores no âmbito dos grupos folclóricos. Ademais, os cursos de especialização são, em grande medida, uma reunião anual da elite cultural do folclore “alemão” no Brasil. Os coordenadores de grupos folclóricos estabelecem redes de sociabilidade, de interconhecimento e de inter-reco-nhecimento – isto é, adquirem capital social (cf. Bourdieu, 1998) – por meio da prática do folclore. Desse modo, os cursos anuais servem como uma celebração da prática da dança folclórica, re-forçando os laços de amizade entre os folcloristas e, concomi-tantemente, fortalecendo a concepção do folclore “alemão” que orienta a atuação de tais agentes.Durante os cursos, são distribuídas aos participantes um con-
junto de Tanzbeschreibungen – isto é, registros históricos des-critivos de danças, no idioma alemão, que eram performadas em territórios germânicos no passado. A maior parte das danças que compõe o repertório de um curso tem a coreografia repassada e ensinada diretamente pelo professor estrangeiro convidado, observando as indicações dos registros das danças. A outra par-te do repertório de danças é decodificada pelos próprios folclo-

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ristas. A partir da “leitura” das Tanzbeschreibungen, as danças são “tiradas” – nos termos correntes no espaço –, procedimento que possibilita sua performance e execução. Tal procedimento tem como finalidade inculcar um modus operandi de praticar fol-clore; objetiva-se, assim, ensinar e transmitir não apenas a co-reografia de um conjunto específico de danças, mas também os procedimentos para leitura e decodificação de fontes históricas que estruturam e embasam a execução coreográfica de todo o repertório da dança popular germânica.O ponto auge e culminante dos cursos de dança da ACG é a gra-vação de um registro em vídeo do repertório das danças traba-lhadas. O registro em vídeo serve à consulta posterior por parte dos folcloristas. Além disso, esse material é indispensável espe-cialmente aos folcloristas que desconhecem o idioma alemão e, portanto, não conseguem realizar a leitura das Tanzbeschreibun-
gen
. Nesse caso, o trabalho de instrução das danças aos grupos folclóricos se baseará tão somente numa mimese do registro em vídeo. O material didático é enviado a todos os grupos folclóri-cos afiliados à ACG; desse modo, o repertório mais recente de danças populares germânicas circula amplamente no espaço do folclore.Os registros em imagem em movimento possuem uma função extremamente didática, constituindo-se como o principal recur-so e suporte para a difusão da prática do folclore alemão “au-têntico” no espaço brasileiro. Entretanto, o registro em vídeo é considerado por alguns especialistas em folclore como um “mal necessário”. O objetivo dos cursos de dança da ACG é formar as lideranças do espaço do folclore, inculcando um conjunto de competências e habilidades constitutivas e necessárias a um es-pecialista em folclore. Sobre essa questão, o ex-diretor do De-partamento de Danças da ACG, Beno Heumann, afirmou: “[...] a gente tem que criar, eu sou dessa opinião, nós temos que criar lideranças, e não meramente passadores de material”. Nesse sentido, o registro em vídeo das danças é visto com receio por

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alguns especialistas em folclore na medida em que torna dispen-sável a consulta à fonte histórica original, a descrição da dança (Tanzbeschreibung), tornando esse procedimento cada vez me-nos comum e habitual no espaço do folclore. Assim, os especia-listas em folclore têm o receio de que a prática da dança folcló-rica possa acabar limitando-se a uma mimese dos movimentos registrados em um vídeo, dispensando o trabalho especializado de mediação cultural, que depende de um conjunto de compe-tências e habilidades.Outra instância importante de formação de especialistas em folclore são – no vocabulário interno do espaço – os “repasses”. Promovidos por regionais (ou ligas de folclore), tais eventos vi-sam à multiplicação de espaços de formação e à disseminação do conhecimento e das informações necessárias à sustentação da prática do folclore “alemão” no Brasil. Um repasse é um en-contro de coordenadores de grupos e alguns dançarinos mais experientes, em que os folcloristas participantes da edição mais recente do curso promovido pela ACG “repassam” conhecimen-tos e as danças sistematizadas no curso para os demais coorde-nadores de grupos de determinada região. Essa prática tem o claro objetivo de garantir a “autenticidade” das danças perfor-madas pelos grupos folclóricos, bem como reproduzir uma con-cepção e uma prática de folclore gestadas e produzidas institu-cionalmente, garantindo os critérios de fidedignidade histórica certificados pela ACG.No que tange aos grupos de dança folclórica – as entidades de atuação municipal ou local –, as suas principais atividades cons-tituem-se nos “ensaios” de dança e nas “apresentações” públicas em eventos e festividades. Os ensaios – principal espaço de for-mação no contexto dos grupos folclóricos – constituem-se como atividades internas do grupo, ocorrendo normalmente uma vez por semana. Durante os ensaios, o coordenador transmite as danças e as coreografias ao conjunto mais amplo de dançarinos--folcloristas, visando garantir a reprodução exata e fidedigna

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das performances, dos passos e das figuras da dança folclórica. Trata-se de danças trabalhadas nos cursos da ACG, repassadas eventualmente em âmbito regional pelas ligas de folclore e, finalmente, trabalhadas e performadas pelos grupos de dança em âmbito municipal e local. Se os cursos de especialização em danças – notadamente os da ACG – e os repasses são os principais espaços de formação dos especialistas em folclore (isto é, de “coordenadores”), os ensaios são os principais espaços de formação do conjunto mais amplo de dançarinos-folcloristas (isto é, os “integrantes”). Além dis-so, os ensaios, conjuntamente aos repasses e às apresentações, constituem-se como os principais espaços de recrutamento de folcloristas para a realização de cursos de especialização e, de modo correlato, para – eventualmente – comporem a elite cul-tural folclorista.Desse modo, os espaços de formação – ensaios, repasses e cursos – são simultaneamente espaços de recrutamento de dançarinos, que poderão ascender a posições dominantes em grupos folcló-ricos, associações culturais, ligas e/ou associações regionais e entidades de abrangência estadual e/ou nacional, trajetória que depende da incorporação e da reprodução do modus operandi de fazer folclore e da lógica dominante vigente no espaço do folclo-re por parte dos folcloristas. Dito de outro modo, as estratégias de formação – e a correlata incorporação do modus operandi de praticar folclore por parte de dançarinos – são condições neces-sárias à composição e à reprodução da elite cultural do folclore.Pode-se argumentar, por fim, que no tocante à transmissão cul-tural da dança no espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil, podemos constatar a existência de estratégias bem-su-cedidas de formação de folcloristas e de reprodução de danças certificadas e autenticadas, processo que, em última instância, garante a realização das estratégias de legitimação e de simboli-zação da elite cultural folclorista.

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Mediação cultural e legitimação no espaço de práticas do
folclore “alemão” no Brasil As formulações clássicas sobre o problema da mediação desen-volveram-se no âmbito da antropologia política, em contexto an-glófono, especialmente a partir das décadas de 1950 e 1960 (Sil-verman, 1967; Wolf, 1971 [1956]; Weingrod, 1968). Conforme argumenta Silverman (1967), com a reorientação da antropolo-gia para o estudo das chamadas sociedades complexas, a media-ção surge como um conceito essencial à compreensão da relação entre as partes (sistemas locais) e o todo (sistema nacional). Em tal enfoque relacional, os mediadores (ou brokers) são compre-endidos como indivíduos localizados em posições intermediá-rias e estratégicas, operando a interligação entre sistemas locais e sociedade englobante, isto é, entre comunidades orientadas ao local e instituições e códigos orientados à nação. As discussões clássicas sobre a mediação, que tomam por objeto empírico contextos nacionais de países do Mediterrâneo, como a Itália (Silverman, 1967), e da América Latina, como o México (Wolf, 1971), possuem afinidades temáticas com o estudo de co-munidades rurais e do campesinato, na medida em que tais uni-versos se configuram precisamente como os contextos e agentes que dependiam do trabalho de mediação para a sua interligação com os sistemas e códigos nacionais. Ademais, os estudos sobre mediação desdobraram-se em reflexões sobre o fenômeno da patronagem, forma clássica de mediação, constituída como uma relação assimétrica e personalista em que um “patrão” – inseri-do em redes de relações que extrapolam o contexto local – ofe-rece favores e proteção a um “cliente” localmente orientado, em troca de lealdade (Weingrod, 1968; Silverman, 1967). É interessante pontuar que, em algumas das formulações clás-sicas sobre o problema da mediação, subjaz a suposição de que com o crescente processo de industrialização, modernização e integração social das comunidades locais à nação, o fenômeno

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da mediação e o papel do mediador paulatinamente tenderiam a desaparecer (Silverman, 1967, p. 292). Tal constatação não se comprovou historicamente, haja vista, por exemplo, o papel--chave de mediadores para a importação de modelos e códigos entre distintos contextos nacionais (Dezalay & Madsen, 2013), bem como a atuação de mediadores para o fluxo de recursos ma-teriais e simbólicos entre as distintas esferas sociais cada vez mais autonomizadas. Em estudo histórico acerca das elites intelectuais de Cabo Verde – agentes posicionados também em postos burocráticos e polí-ticos –, Anjos (2003) analisa o trabalho de mediação política e cultural executado por tais agentes. De acordo com o autor, an-tes da independência do país, em 1975, as elites intelectuais, que dominavam os códigos culturais e o saber ocidental, operavam uma mediação entre o poder colonial e a sociedade local. Após a independência, as elites intelectuais cabo-verdianas continuam a exercer um papel determinante de mediação, desta vez entre o sistema internacional e a sociedade nacional. Na visão das elites autóctones, Cabo Verde seria dependente do auxílio e de subsí-dios estrangeiros para a sua sobrevivência; é nesse espaço que se realiza a mediação, que depende do domínio dos códigos oci-dentais (Anjos, 2003). No contexto brasileiro, além de ter sido amplamente utilizada para o estudo de elites políticas, isto é, para a análise dos media-dores (brokers) entre os recursos do Estado e as bases sociais e eleitorais – vide, por exemplo, os trabalhos clássicos de Coradi-ni (2001) e Bezerra (1999) –, a noção de mediação tem servido também à análise de fenômenos da esfera da produção cultural. Em estudo sobre elites intelectuais eclesiásticas vinculadas à Igreja Católica do Rio Grande do Sul, Seidl (2007) analisa agentes especialistas na “cultura” e na “história” da imigração e coloni-zação alemã, mediadores culturais inseridos em diversas esferas sociais – como a religiosa, a acadêmica e a intelectual. Segundo o

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autor, de modo semelhante ao que ocorre na mediação política, a mediação cultural contribui para o fluxo de recursos materiais e simbólicos entre os diversos espaços sociais. O conceito de mediação possibilita a reflexão sobre a atuação e as relações estabelecidas entre os agentes do espaço do folclore. Os mediadores ocupam uma posição nevrálgica no espaço do folclo-re, atuando – para empregarmos as expressões de Wolf (1971, p. 65) –, como guardiões das “junções cruciais” e das “sinapses de relações” nesse espaço. Em certa medida, podemos conceber os especialistas em folclore formados pela ACG como brokers entre os recursos simbólicos provenientes da Europa e as “bases” com-postas por folcloristas; além disso, tais agentes operam como me-diadores culturais entre os grupos folclóricos e as instituições de legitimação do folclore “autêntico”. Do mesmo modo, instituições como a ACG realizam uma mediação cultural entre, de um lado, as fontes históricas para a prática do folclore e os especialistas pro-venientes da Europa e, de outro, os folcloristas brasileiros. Ao reconstituirmos a estrutura do espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil, constatamos a existência de variadas instân-cias de mediação cultural, que têm como finalidade última realizar uma mediação entre as fontes históricas que sustentam a prática do folclore germânico e o conjunto de folcloristas e dançarinos brasileiros. Dito de outra forma, por meio do trabalho de media-ção cultural realizado pelas mais variadas instituições e agentes, realiza-se principalmente uma mediação entre as fontes históri-cas que dão sustentação à prática da dança popular de origem germânica e o espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil. A ACG realiza um trabalho de mediação cultural entre, de um lado, especialistas europeus em folclore (que ministram os cur-sos promovidos pela entidade) e as fontes folclóricas históricas de origem germânica e, de outro, os coordenadores de grupos fol-clóricos no Brasil. Por meio da formação dos coordenadores dos grupos folclóricos, a ACG intermedeia as fontes que dão susten-

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tação à prática das danças populares germânicas e os grupos de dança folclórica “alemã” no Brasil. Os coordenadores, por sua vez, intermedeiam a relação entre o conjunto mais amplo de dançari-nos e de grupos de dança e as instituições promotoras e legitima-doras do folclore, intermediando, ao mesmo tempo, o acesso às fontes históricas que garantem a “autenticidade” e a legitimidade do folclore. Entre os grupos de dança e a ACG, verificamos ainda a existência de outras instâncias de mediação, as associações regio-nais (ou ligas de folclore), que realizam um trabalho de mediação cultural entre, de um lado, os grupos folclóricos com escopo de atuação municipal e, de outro, a principal entidade promotora do folclore “alemão” no Brasil, garantindo igualmente o acesso às re-ferências históricas que embasam a execução e a performance das danças populares germânicas no contexto brasileiro.Nesse sentido, podemos indicar um duplo caráter do fenômeno da mediação cultural, de natureza simbólica e política: a media-ção cultural é o lugar político da dominação simbólica, isto é, o espaço da mediação é o lócus da dominação na esfera da cultura, em que se definem critérios de “autenticidade” e onde se inscre-vem os atributos legítimos de determinada prática cultural.Em análise sobre a cultura e o patrimônio no Maranhão, Reis (2010) define a mediação cultural como o processo de produção de conhecimento e de produção de normas, isto é, de decodifica-ção do mundo (descrição) e de recodificação (prescrição). Desse modo, os mediadores circunscrevem as fronteiras de um lugar singular de inscrição, contribuindo para a afirmação do que lhe é específico. Os mediadores definem aquilo que deve ser preser-vado, aquilo que é “autêntico”. No que tange à prática do folclore “alemão” no Brasil, podemos compreender a mediação cultural executada pela elite cultural folclorista como um trabalho que consiste na decodificação de fontes históricas sobre danças (Tanzbeschreibungen) e de regis-tros visuais e iconográficos sobre trajes (Trachten) e, simultane-

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amente, na prescrição de códigos e condutas que visam garantir a “autenticidade” do folclore, por meio da reprodução de fontes históricas do modo mais fiel e fidedigno possível. De tal modo, no espaço do folclore “alemão”, a mediação cultural depende de um trabalho especializado de leitura e de pesquisa histórica acerca de danças e trajes folclóricos, destinado à garantia dos padrões de “autenticidade” e de fidedignidade das práticas, atra-vés da reprodução de fontes históricas, o que garante o aspecto de tradicionalidade e de invariabilidade das danças e dos trajes. Na concepção dóxica do espaço do folclore, uma dança folclóri-ca alemã “autêntica” é aquela que reproduz, do modo mais fiel possível, uma Tanzbeschreibung. Uma Tanzbeschreibung, como o próprio termo sugere, é uma descrição textual que registra de-talhadamente as “sequências” de uma dança (Tanzfolgen), bem como as “figuras” (Tanzfiguren) e os “passos” (Tanzschritten) que compõem uma dança popular de origem germânica. Com base nas Tanzbeschreibungen, que contêm descrições sistemá-ticas das figuras, dos movimentos e da execução das danças, os especialistas em folclore executam seu trabalho de mediação cultural, definindo e legitimando a “autenticidade” no folclore. As Tanzbeschreibungen foram produzidas, em sua maioria, no século XIX e início do século XX, tomando como referência um período histórico anterior, que compreende os séculos XVI a XVIII, período em que (cf. Burke, 2010) verificou-se a “des-coberta do povo” e da cultura popular na Europa, no início da Idade Moderna. Apesar dos registros folclóricos remontarem a períodos historicamente longínquos, tais fontes estão compila-das em obras com datação relativamente recente, quase todas publicadas a partir da segunda metade do século XX. Tais livros compõem acervos e coleções pessoais e institucionais de biblio-tecas de folclore – o maior deles localizado na ACG. Para os espe-cialistas em folclore, tais livros – obras folclóricas, compêndios da cultura e do conhecimento “populares” – servem, em última instância, como repositórios para pesquisa.

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Nesse sentido, pode-se argumentar que a “autenticidade” se fundamenta na história, na antiguidade e na ancestralidade do folclore. Os registros de danças e trajes, levantados por meio de pesquisa histórica, constituem-se como as principais fontes de le-gitimidade para essa prática cultural. Desse modo, a legitimação do caráter tradicional do folclore se baseia na invariabilidade e na reprodução fidedigna de danças e de indumentárias, tomando a Alemanha e demais territórios germânicos como referências. Em outras palavras, a autenticidade do folclore se baseia em critérios simbólicos, de natureza eminentemente histórica.Em suma, com base na pesquisa em um conjunto de referências históricas que representa e constitui o folclore alemão “autênti-co”, os especialistas em folclore exercem seu papel de mediação cultural, interpretando e decodificando tais fontes históricas, o que possibilita que um conjunto amplo de dançarinos e grupos folclóricos execute no presente performances que reconstituam as danças populares praticadas na Alemanha e demais territó-rios germânicos, em períodos históricos delimitados. Assim, tais fontes históricas são mobilizadas para legitimar a prática do fol-clore “alemão” no Brasil, legitimando também uma concepção específica de folclore promovida pela elite cultural folclorista, orientada segundo os princípios da “autenticidade”, da antigui-dade e do valor histórico.
Perfil, trajetórias e trunfos sociais da elite cultural do
folclore “alemão” O quadro de caracteres pertinentes7 a um conjunto de mem-bros da elite cultural folclorista “alemã” no Brasil, apresentado
7 Para apontamentos teórico-metodológicos sobre essa ferramenta de pesquisa, ver Bourdieu (2010, p. 23-34); para uma aplicação empírica, consultar Miceli (1977, p. 18-19). A construção do quadro dependeu da realização de uma prosopografia (ou biografia coletiva). Para apontamentos sobre tal abordagem, ver Stone (2011); para estudos que empregam a prosopografia ver, p.ex., Love & Barickman (2006) e Canêdo (2013).

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a seguir, congrega um conjunto de informações acerca do perfil social de alguns dos especialistas em folclore que entrevistei, tendo efeito demonstrativo da morfologia e da lógica do espa-ço do folclore, bem como dos principais caracteres de origem social, trajetória (cf. Bourdieu, 2006), trunfos sociais e posição ocupada no espaço por tais folcloristas, caracteres constitutivos e necessários à composição da elite cultural do folclore “alemão” no Brasil. Tal quadro serve à análise e à explicitação das princi-pais constatações sociológicas acerca das estruturas sociais que constituem o espaço de práticas do folclore “alemão”, especial-mente no que tange à trajetória social e aos recursos e capitais disponíveis e constitutivos dos agentes sociais que integram a elite do folclore.Enquanto um agrupamento de agentes responsável pela exe-cução de um trabalho cultural especializado, a elite cultural do folclore constitui-se como um corpo de especialistas dotado de trunfos sociais, de saberes e de uma expertise singulares, espe-cíficos e diferenciais, necessários ao seu trabalho de mediação cultural. Em outras palavras, os especialistas em folclore cons-tituem-se como um grupo de agentes possuidor de um volume de capitais que possibilita a tomada de posições destacadas no espaço do folclore e, por consequência, a formação e a composi-ção de uma elite cultural. Tendo por base o quadro de caracteres sociais pertinentes a um conjunto de membros da elite cultural folclorista, procedo a uma análise e síntese dos principais carac-teres sociais relacionados aos especialistas em folclore, sua bio-grafia social e os capitais disponíveis e adquiridos com a prática do folclore. Os membros da elite cultural folclorista, via de regra, nasceram e têm uma biografia social desenvolvida em municípios da re-gião Sul do Brasil, caracterizados pelo processo de colonização alemã ou de origem germânica. Ainda que as localidades de residência e de atuação cotidiana dos especialistas em folclore sejam bastante heterogêneas – considere-se, por exemplo, as di-

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Quadro 1: Caracteres pertinentes a um conjunto de membros da elite cultural do folclo-re “alemão” no Brasil. (1)* (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) (11)
Batista

, Ernan
des

21/ 09
/ 1971 Goiás (

GO)
Blumen

au (SC)
Heptav

ô alem
ão Pai ope-rário. Mãe possuía envolvi-

mento em atividades de música
na igreja

Supe-
rior (turis-
mo e lazer)

Sim Morou na Alemanha por dois
anos, a trabalho

Participou de vários
cursos da ACG.
Passou

recente-
mente a organizar e

coordenar
cursos

Coordenador de grupo; presidente da Associação dos Grupos Folclóri-cos do Médio Vale do Itajaí (AFG) (SC)
Analista de comércio exterior. Sem relação com o folclore

Não
Böellin

g, Ingri
d

31 /05
/1961

Tromb
udo Ce

ntral (S
C)

Tromb
udo Ce

ntral (S
C)

Avós e
tios im

igrante
s Pai marce-neiro, mãe do lar. Mãe possuía envolvi-

mento em atividades da Igreja Luterana (IECLB)
Ensino médio. Diploma profis-
sional (edu-cação física)

Sim Não Participou de vários
cursos da ACG. Organizou repasses de danças

Coordenadora de grupos; ex--presidente da Liga do Folclore do Alto Vale do Itajaí (SC); ex-membra da
diretoria da ACG

Funcionária pública municipal,
com cargo de
instrutora de dança (foco em folclore “alemão”)

Não

Folclor
ista*

N
a

sc
im

e
n

to

(1) Antepa
ssa- dos (2)

Profissão dos pais (3) Escola-
ridade

Domí-
nio da língua alemã

Viagens (4) Partici-pação /
coordena-ção (5)

Coordenação de grupos folclóri-cos (6) Profissão / (7) Pro-
du-ção
es-

crita (8)

Correia
, Cassio

06/ 08
/ 1980

Jaraguá
do Sul

(SC)
Joinvill

e (SC)
Tatarav

ós imig
rantes

Pais co-merciantes. Sem envol-vimento
com cultura ou folclore “alemão”

Supe-
rior (artes, bacha-

rel em teatro)
Não. Do-
mina parte do vo-cabu-lário
ale-mão

utili-zado
no folclo-
re

Não Participou de vários
cursos da ACG. Ministrou oficinas so-bre teatro

em cursos da ACG
Ex-coordenador de grupos; ex--presidente da Liga de Grupos Folclóricos do Vale do Itapocu (SC)

Produtor cultural e ator. Atuação na es-fera do teatro (presidente
de entidades

da classe artística). Atuação como professor de artes do Colé-gio Evangélico Jaraguá (SC), onde trabalha-va com dança folclórica. Atualmente possui pouco envolvimento com grupos folclóricos

Não

Heuma
nn, Ben

o
13/ 05

/ 1944
Erechim

(RS)
Nova P

etrópo
lis (RS)

Pai alem
ão

Pai missionário da IECLB, músico e promotor de ativida-
des ligadas à cultura e folclore “alemão”

Supe-
rior(educa-ção ar-tística, ênfase em mú-sica)

Sim Várias es-
tadas no exterior. Morou na Alema-nha, para realiza-ção de
curso de formação
relacio-nado à
cultura alemã

Realizou
curso de “folclo-re” na Alemanha. Organiza-

dor e coor-
denador de

cursos

Organizador / fundador de grupos; fundador e ex--diretor do De-partamento de Danças da ACG; ex-diretor-geral da ACG, por um breve período de tempo

Aposentado. Foi funcioná-
rio contratado da ACG (direção do Departamento de Danças)

Sim

(1) Folclorista (2) Nascimento / naturalidade / residência (3) Antepassados de origem germânica (4) Profissão dos pais/ Envolvimento da família com cultura ou folclore “alemão” (5) Escolaridade (6) Domínio da língua alemã (7) Viagens ou estadas na Alemanha / Europa (8) Participação / coordenação em cursos de especialização em folclore(9)Coordenação de grupos folclóricos/ Membro de instituição de folclore (presidência, diretoria) (10) Profissão /Profis-sionalização relacionada ao folclore (11) Produção escrita sobre folclore “alemão”*Todos os sujeitos de pesquisa autorizaram a identificação dos seus nomes próprios.(Fonte: entrevistas).

Lucas Voigt

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Quadro 1: Caracteres pertinentes a um conjunto de membros da elite cultural do folclo-re “alemão” no Brasil. (1)* (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) (11)
Heuma

nn, Ere
di (Fra

u)
24 /04

/1948 Giruá (
RS)

Nova P
etrópo

lis (RS)
Avô im

igrante
Pai artesão
e dono de funerária. Mãe do lar. Pai foi presidente
de comu-

nidade
luterana

Ensino médio Sim Várias es-
tadas no exterior. Viagens

relaciona-das à sua atuação
com folclore (ênfase

em trajes folclóri-cos)

Atuação em
cursos da ACG, com atividades voltadas à questão
dos trajes folclóricos

Atuação
conjuntamente
a seu marido na direção-geral da ACG, por um breve período de tempo

Proprietária
e diretora de “Pesquisa e Desenvolvi-mento” do maior ateliê de confecção

de trajes folclóricos no
Brasil(Trachte-
nhaus
)

Não
Kleine,

Dieter 22/12/
1975

Grama
do (RS

)
Grama

do (RS
)

Pai alem
ão

Avô presi-
dente da Federação 25 de Julho, fundador da ACG, professor ligado à IECLB. Pai
diretor da ACG, professor ligado à IECLB. Mãe professora

Ensino médio Sim Estadas para formação
relaciona-da à atu-ação com folclore

Organiza-
dor e coor-
denador de

cursos

Ex-coordenador de grupos; diretor do De-partamento de Danças da ACG;
diretor-geral da ACG

Diretor-geral da ACG Não

Kleine,
Gerhar

d
13/03/

1942 Aleman
ha

Grama
do (RS

)
Não se

aplica

Pai presi-
dente da Federação 25 de Julho, fundador da ACG, professor ligado à IECLB. Mãe do lar, “secretária”

do marido

Ensino
normal (habi-litação
como pro-fessor
cate-quista)

Sim Não se aplica Organi-zador de
cursos

Ex-diretor-geral da ACG, durante três décadas Aposentado. Foi diretor--geral da ACG e professor
Sim

Simões
, Denis


18/04/

1981
Porto A

legre (R
S)

Porto A
legre (R

S)
Bisavó

s imigr
antes

Pai e mãe
comercian-tes. Sócios do Centro Cultural 25 de Julho

de Porto Alegre
Supe-
rior (bacha-

rel em publi-
cidade,

licencia-
do em histó-ria). Pós-gra-duação (mestre

em
comuni-cação)

Sim Viagens
e estadas
relaciona-das à sua atuação

com folclore
Participou de vários
cursos da ACG

Coordenador de grupo; membro
da diretoria da ACG; presidente do Centro Cultural 25 de Julho de Porto Alegre

Professor universitário. Atuação pro-fissional sem relação com o folclore
Sim

(1) Folclorista (2) Nascimento / naturalidade / residência (3) Antepassados de origem germânica (4) Profissão dos pais/ Envolvimento da família com cultura ou folclore “alemão” (5) Escolaridade (6) Domínio da língua alemã (7) Viagens ou estadas na Alemanha / Europa (8) Participação / coordenação em cursos de especialização em folclo-
re
(9)Coordenação de grupos folclóricos/ Membro de instituição de folclore (presidência, diretoria) (10) Profissão
/
Profissionalização relacionada ao folclore (11) Produção escrita sobre folclore “alemão”*Todos os sujeitos de pesquisa autorizaram a identificação dos seus nomes próprios.(Fonte: entrevistas).

Continua

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ferenças evidentes de porte e em termos de intensidade de ati-vidades culturais entre, de um lado, municípios extremamente pequenos, como Trombudo Central e Giruá e, de outro, grandes cidades como Joinville e Porto Alegre –, a inserção e as tomadas de posição no espaço do folclore constituem-se, de certo modo, como “caminhos que levam” a Gramado, local que opera como uma espécie de centro de poder do espaço do folclore, isto é, os especialistas em folclore dirigem-se até a cidade de Grama-do para a realização de cursos de especialização, normalmente uma vez ao ano, acessando o repertório mais recente de danças folclóricas certificadas e autenticadas institucionalmente. Pos-teriormente, tais danças são repassadas pelos mediadores aos níveis regional (ligas de folclore) e local (grupos folclóricos), sendo performadas também em eventos cívicos e comunitários no próprio município de atuação do grupo folclórico, bem como em eventos folclóricos que reúnem grupos de diferentes cidades e regiões. Com a antiguidade no espaço do folclore e a aquisição de capital de relações sociais, coordenadores eventualmente ascendem a posições de diretoria de regionais de folclore – compreendidas como braços regionais da ACG – e até mesmo à diretoria colegiada da Casa da Juventude. Nesse processo, rea-lizam-se as intermediações e a garantia de “autenticidade” das danças no espaço de relações do folclore “alemão” no Brasil. Os especialistas em folclore possuem, geralmente, ascendên-cia alemã – seja bastante próxima (uma ou duas gerações), seja mais longínqua (mais de quatro gerações). No que tange à origem familiar, a maior parte dos especialistas herdou uma experiência e familiaridade com práticas culturais desenvol-vidas no contexto familiar – seja propriamente “folclóricas”, seja atividades culturais mais genéricas, notadamente aquelas desenvolvidas na esfera religiosa. O capital familiar mostra-se um recurso importante no espaço do folclore, especialmente se levarmos em conta a realidade constatada na principal ins-tituição do espaço: a ACG, desde sua fundação, foi dirigida por três gerações da mesma família. Ademais, o capital de relações

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familiares mostra-se importante para a inserção e a atuação no espaço do folclore. Os especialistas em folclore, via de regra, possuem domínio do idioma alemão. A aprendizagem da língua alemã se deu, prin-cipalmente, no meio familiar, sendo incorporada normalmente durante a infância – constituindo-se como mais um dos trunfos sociais herdados por tais agentes. Outro elemento, relacionado ao capital linguístico, é a circulação internacional desses agen-tes – muitas vezes com relação direta à atuação no folclore –, direcionada especialmente a países de língua alemã. O capital linguístico é um recurso central à prática do folclore, necessário e indispensável à leitura em primeira mão das fontes históricas que dão sustentação ao folclore, produzidas e registradas no idioma alemão. Muito embora, como foi argumentado, seja possível executar o folclore “alemão” com base em uma mimese de registros pro-duzidos em imagem em movimento – o que dispensa o domí-nio linguístico –, os especialistas em folclore – isto é, os agentes que ocupam as principais posições no espaço e que compõem a elite cultural folclorista – têm domínio do idioma alemão, pos-suindo competência para a decodificação de registros históricos folclóricos em primeira mão, trabalho de mediação cultural que, ademais, está na base do procedimento de produção de registros em vídeo das danças.Destaca-se, em termos de origem social e trajetória, o fato dos agentes que constituíram e estruturaram o espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil possuírem relações estreitas com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Os principais agentes fundadores de instituições do folclore pro-vêm do contexto religioso; ademais, boa parte dos agentes re-crutados para atuação em tais entidades possuía vínculos com a religião de confissão luterana (cf. Voigt, 2019). Alguns agentes obtiveram inclusive possibilidades de formação escolar e circu-

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lação internacional proporcionadas por entidades vinculadas à Igreja Luterana.Nos dias atuais, com a perda da centralidade e quase exclusivi-dade das instituições religiosas na promoção das atividades de cunho simbólico e cultural no contexto das comunidades de ori-gem alemã no Sul do Brasil, verifica-se um processo de recruta-mento em marcos “seculares”, isto é, atualmente as ligações com a Igreja Luterana têm menor importância para o recrutamento de agentes para o espaço do folclore. Ademais, apesar de algu-mas entidades vinculadas à Igreja Luterana – tais como escolas e comunidades evangélicas municipais – manterem o investi-mento na promoção e no fomento da prática do folclore, pode-se afirmar que atualmente o folclore “alemão” no Brasil está relati-vamente autonomizado em relação à esfera religiosa, que perde centralidade no que tange à estruturação das práticas culturais – e dos valores subjacentes a tais práticas – desenvolvidas no espaço do folclore.No que tange à formação escolar, os agentes usualmente pos-suem diploma superior – nas mais diversas áreas, seja nas “hu-manidades” e nas “artes”, seja em áreas de formação sem relação mais próxima com o universo da cultura –, alguns chegando à pós-graduação. Do quadro apresentado – que toma por base al-guns dos especialistas em folclore –, depreende-se que o ensino médio predomina entre as mulheres, realidade que não se verifi-ca na totalidade do espaço, na medida em que há predominância do ensino superior entre os especialistas em folclore – especial-mente se considerarmos as gerações mais jovens –, não havendo diferenças significativas entre homens e mulheres. É nos agentes com diploma superior que predomina a produção escrita relacionada ao folclore, especialmente entre aqueles com diploma em história. Todavia, a produção escrita no espaço do folclore “alemão” no Brasil é, de modo geral, bastante restrita, assertiva que pode ser demonstrada no fato da produção escrita

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sobre folclore “alemão” – tomando como referência os membros da elite cultural folclorista, isto é, os agentes com maior inves-timento em especialização e que ocupam posições diretivas no espaço –, não se configurar como uma prática difundida e predominante. Deve-se ressaltar que os agentes com investimento no espaço do folclore se conhecem e inter-reconhecem, sendo o capital de relações sociais um elemento importante para o recrutamento e a participação em cursos de especialização – isto é, para a en-trada no meio dos especialistas em folclore –, para o recebimen-to de convites para apresentações e encontros folclóricos, bem como para a inserção e ascensão na hierarquia das instituições promotoras de folclore. Assim, pode-se afirmar que os agentes que compõem a elite cultural do folclore “alemão” possuem boas redes de relações sociais, formadas no trabalho com o folclore e que amplificam as possibilidades e modalidades de atuação no espaço.São elementos característicos das tomadas de posição de agen-tes que integram a elite cultural folclorista: a participação em cursos de especialização, a coordenação de grupos e a participa-ção diretiva em instituições legitimadoras do folclore – de âmbi-to regional e nacional. Um especialista em folclore, via de regra, participou de vários cursos de especialização em danças folcló-ricas ou atuou na organização de tais cursos; tal formação pos-sibilita a ascensão à posição de coordenador de grupos e, pos-teriormente, a participação na direção ou a própria presidência de instituições legitimadoras do folclore – como as associações regionais de folclore e a Casa da Juventude. Nesse sentido, inte-grar a elite cultural do folclore é um processo que demanda anos de investimento – normalmente décadas –, processo por meio do qual o agente passa a ser conhecido e reconhecido pelos pa-res, incorpora o modus operandi do folclore “alemão” no Brasil, amplia o conhecimento no que tange ao repertório de danças folclóricas e adquire experiência na prática folclórica.

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É válido ponderarmos sobre o peso relativo dos distintos capitais, recursos e trunfos sociais para o acesso ao meio do folclore e para a composição da elite cultural folclorista. O soció-logo das elites deve estar atento às eventuais – e frequentes – re-lações entre grupos familiares, instituições e carreiras. No espa-ço do folclore, os laços familiares parecem constituir um recurso de primeira ordem para a gestação de disposições culturais nos agentes, para a ascensão a instituições e posições destacadas no espaço, bem como para o reconhecimento pelos pares. Tal asser-tiva se comprova no fato de três gerações da mesma família atu-arem na direção da principal instituição do espaço e, igualmen-te, na constatação de que outro grupo familiar ocupa a principal posição na atividade de confecção de trajes folclóricos8. Outros dois recursos da maior importância, que se configuram de modo inter-relacionado, são a antiguidade no folclore e o capital social, isto é, o capital social é um recurso crucial para as trajetórias dos agentes no espaço, sendo tanto maior quanto mais antiga é a inserção do agente no espaço, com a participação em cursos de formação, a coordenação de grupos folclóricos e a participação em eventos folclóricos. O capital linguístico se afi-gura como outro trunfo essencial, na medida em que é indispen-sável ao trabalho de decodificação em primeira mão dos regis-tros históricos. Ademais, os folcloristas com domínio do alemão são chamados a auxiliarem o professor estrangeiro no repasse das danças durante os cursos; isso possibilita reconhecimento, além da aproximação e da possibilidade de diálogo direto e fre-quente com o professor, o que leva, em alguns casos, até mesmo à execução de uma função de mediação entre o professor estran-geiro convidado e os demais participantes de um curso. A circulação internacional, por outro lado, pode ser compreen-dida mais como uma consequência ou fator relacionado à atua-

8 Para uma análise detalhada das relações entre grupos familiares e a prática do folclore “alemão” no Brasil, ver Voigt (2020).

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ção com folclore do que como um trunfo de primeira ordem na composição da elite folclorista, isto é, mesmo nos casos em que a circulação internacional se direciona à realização de cursos em folclore – e não ao turismo ou aquisição de experiências cultu-rais genéricas –, os cursos no exterior não diferem do formato adotado pelos cursos realizados no Brasil – a saber, reunião de dançarinos e repasse de danças com bases em registros textuais. Por fim, no que tange ao fenômeno da profissionalização, deve--se salientar que se trata de uma possibilidade bastante restrita no espaço do folclore “alemão” no Brasil. Tem efeito comproba-tório de tal assertiva o fato de, dentre os oito agentes elencados no quadro de membros da elite cultural folclorista, apenas cin-co terem se profissionalizado em atividades ligadas à prática do folclore. Na medida em que os agentes elencados ocupam algu-mas das principais posições na hierarquia do espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil e, constatando que nem todos se profissionalizaram através do folclore, podemos vislumbrar as oportunidades limitadas de profissionalização para o conjunto mais amplo de agentes que integram o espaço do folclore “ale-mão” no Brasil9. A única atividade em que a profissionalização se apresenta como regra diz respeito à confecção de trajes folclóricos, embora os agentes que investem em tal prática representem um contingen-te pouco expressivo, se considerarmos a totalidade de agentes que integram o espaço do folclore – foi possível obter menções a apenas cinco ateliês de confecção de trajes folclóricos no país. Desse modo, o folclore se constitui como uma atividade ocupa-cional paralela às ocupações profissionais dos agentes – sendo realizado no tempo vago, durante fins de semana ou em horários de folga. Na visão e no vocabulário internos do espaço, os agen-

9 Sugestivo, nesse contexto, é o caso de um entrevistado que acabou desengajando-se com o folclore, realizando a sua profissionalização na esfera da cultura através do enga-jamento com a prática do teatro.

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tes justificam o investimento no folclore salientando o “amor” e a “paixão” pela cultura alemã, além de apontarem a importância do trabalho cultural realizado em termos de oferta cultural des-tinada a comunidades de descendentes de alemães, com ênfase à juventude.Por esse caminho, em termos de retribuição ou gratificação à prática do folclore, podemos constatar um peso pouco impor-tante à retribuição profissional e econômica – que se estende a um número limitado de agentes –, e um peso enorme em termos de retribuição simbólica – os especialistas em folclore seriam re-conhecidos como representantes de uma etnicidade e constitui-riam a autoridade de uma prática cultural, adquirindo visibili-dade em suas respectivas comunidades por meio desse trabalho cultural – e de retribuição psicológica – considerando o papel do folclore para a construção da autoimagem identitária teuto--brasileira (cf. Voigt, 2008) por parte dos folcloristas. O capital de relações sociais adquirido com o investimento no folclore, bem como as viagens, os eventos e os espaços de sociabilidade e de lazer acessados por meio de folclore parecem, no mesmo sentido, retribuições não desprezíveis para o engajamento dos folcloristas.
Considerações finais: as estratégias de simbolização da
elite folcloristaDeve-se salientar que o conjunto de especialistas em folclore pode ser caracterizado enquanto uma elite, quando considera-mos a estrutura e a hierarquia interna do espaço do folclore – isto é, tais agentes ocupam uma posição estruturalmente domi-nante em tal microcosmo social. Desse modo, “elite folclorista” não pode ser compreendida no sentido de uma posição de clas-se. A confusão entre tais definições é o principal fator explicativo para a estranheza e a rejeição à própria noção de elite cultural no espaço do folclore – isto é, para o fato dos especialistas em

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folclore não se conceberem enquanto uma “elite” ou “grupo do-minante” (cf. Voigt, 2021). O termo elite, no sentido empregado nesta pesquisa, não denota uma posição definida em função do volume de capital econômico disponível aos especialistas em folclore, mas define a posição estrutural ocupada por tais agentes no espaço do folclore: os especialistas em folclore ocupam as principais posições em entidades legitimadoras do folclore, possuem um conjunto de habilidades e competências culturais especializadas e diferen-ciais e realizam – por meio da tomada de posições estrutural-mente definidas e dominantes – o trabalho de mediação cultu-ral – e, simultaneamente, de dominação simbólica – responsável pela legitimação de um folclore “alemão” no Brasil, garantindo sua “autenticidade” e fidedignidade histórica. Na qualidade de uma elite cultural, isto é, enquanto um conjunto de agentes que ocupa uma posição estruturalmente dominante em um microcosmo social e que executa um trabalho de media-ção cultural – que define o espaço da dominação no âmbito da cultura, isto é, que representa o lócus político da dominação sim-bólica –, os especialistas em folclore desenvolvem estratégias de simbolização para as suas práticas culturais, que são definidas estruturalmente. No espaço de práticas do folclore “alemão” no Brasil, a simboli-zação levada a cabo pelos folcloristas pode ser descrita nos se-guintes termos: (1) a execução de um folclore orientado segundo critérios de “autenticidade” e fidedignidade histórica depende da reprodução tanto mais fiel quanto possível de registros textuais e iconográficos de práticas da cultura germânica do passado; (2) desse modo, a prática da dança e a utilização de indumentárias típicas, historicamente embasadas, têm por objetivo a reprodução de práticas do passado; (3) tais práticas têm por finalidade últi-ma o estabelecimento de laços e vínculos entre grupos folclóricos brasileiros e a Alemanha, através da associação entre uma heran-

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ça dos antepassados imigrantes, resgatada e cultivada, e as prá-ticas folclóricas germânicas, retomadas e executadas no presen-te; (4) tal esforço de identificação e de construção de laços com a Alemanha depende de um trabalho especializado de pesquisa em fontes produzidas no contexto alemão e europeu, ainda que a narrativa dominante no espaço aponte que a prática do folclore esteja embasada em um trabalho de “resgate” cultural da herança dos antepassados imigrantes – a quem as práticas folclóricas só podem ser vinculadas ex post facto, se considerarmos que o folclo-re como é concebido atualmente não é uma herança direta do pro-cesso de imigração e de colonização; (5) tal constatação implica, inequivocamente, que a estratégia de simbolização do folclore é um processo permeado pelo que se compreende como “invenção das tradições”; (6) o trabalho cultural do folclore produz, em últi-ma instância, uma identificação e um esforço contemporâneo de inserção na cultura germânica e na história comum da Alemanha, estando as estratégias de simbolização diretamente imbricadas na construção da autoimagem e dos sentidos identitários10 dos descendentes de alemães folcloristas no Brasil (cf. Voigt, 2018b). Assim, a estratégia de simbolização vigente e dominante no es-paço do folclore encara as danças e os trajes folclóricos como símbolos da história do processo de imigração e de colonização alemã no Brasil, e como símbolos de pertencimento cultural e étnico à “germanidade”, experiência desenvolvida pelos grupos folclóricos nos marcos do que se convencionou chamar de teuto--brasilidade.
10 Para uma análise da construção da autoimagem identitária de descendentes de ale-mães, a partir da chave da memória, ver Voigt (2017).

Lucas Voigt

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Recebido em 21/05/2020Aceito em 30/04/2021