Reflections on the insufficiency of strategies to safeguard a patrimonialized Intangible good: the case of the rag dolls of Nossa Senhora das Dores/SE
Ibernon Alves de Macena Junior1 Daniella Pereira de Souza Silva2
Este resumo expandido tem como objetivo apresentar as discussões e os resultados oriundos do projeto de pesquisa "Trabalho Escravo Contemporâneo: os impactos da pandemia da COVID-19 nas condições de trabalho das empregadas domésticas". Dessa forma, aqui, assim como na referida pesquisa, analisamos as condições do trabalho doméstico, questionando se essas condições se caracterizam como Trabalho Escravizado Contemporâneo (TEC). Utilizando técnicas de entrevistas, observação participante e pesquisa bibliográfica, foram entrevistadas 11 trabalhadoras domésticas, abordando suas histórias de vida. A análise focaliza a relação entre reprodução e produção, buscando compreender como a invisibilidade no trabalho doméstico, intrinsecamente ligada a questões de gênero, classe e raça, perpetua a degradação humana de forma natural e invisível. Não somente analisamos o artigo 149 do Código Penal do Brasil (CPB), em que está definido o crime de reduzir alguém à condição de escravizado, como também buscamos na Teoria da Reprodução Social (TRS) uma explicação para os questionamentos sobre como a invisibilização do trabalho doméstico (reprodutivo), que favorece o trabalho escravizado contemporâneo, é benéfica ao Capital, levando à exaustão desses corpos. Assim, no presente resumo expandido será possível apresentar, de forma sucinta, a correlação entre escravização contemporâneo, trabalho doméstico e perpetuação do Capital partir de uma análise legal, que demonstra a necessidade de uma interpretação do artigo 149 do CPB a partir do tipo de trabalho estudado tendo em vista as particularidades de cada labor, e teórica, na medida em que utilizamos a TRS para compreendermos como a exploração desse labor favorece a manutenção do Capital.
This expanded summary's goal is to provide the discussions and findings from the research project Contemporary Slave Work: The COVID-19 Pandemic and Its Impact on the Working
1 Mestre em Culturas Populares por meio do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Culturas Populares - PPGCULT/UFS. E-mail: me.prof.ibmacena@gmail.com
2 Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe (2016). Professora associada do Departamento de Turismo da Universidade Federal de Sergipe (DTUR/UFS). E-mail: daniellageo@academico.ufs.br
Conditions of Domestic Workers". On this way, here and in the related study, we analyze the conditions of domestic work and consider if they may be characterized as Contemporary Slave Work (TEC). Eleven domestic workers were interviewed while discussing their life stories using interviewing techniques such as participant observation, open-ended questions, and bibliographical research. This study focuses on the relationship between reproduction and production in an effort to understand how the invisibility at home, which is intrinsically linked to issues of gender, class, and race, sustains the degradation of humanity in a subtle and natural way. We also look to the Social Reproduction Theory (TRS) for an explanation of the questions surrounding how the invisibilization of domestic work (reproduction), which favors contemporary slave work and is beneficial to the capital, leads to the extinction of these corpos. This is in addition to analyzing article 149 of the Brazilian penal code, which defines the crime of reducing someone to slavery status. As a result, in the expanded version of the current summary, it will be possible to illustrate, succinctly, the relationship between contemporary slavery, domestic work, and capital preservation based on a legal analysis that demonstrates the necessity for such a relationship.
A cultura popular expressa a rica identidade de um povo, representada pela pluralidade das artes e tradições a exemplo daquelas encontradas em tamanha diversidade no estado de Sergipe. Em meio às manifestações culturais de destaque, enfocaremos as bonecas de pano do município de Nossa Senhora das Dores, localizado no Sertão sergipano distante 73km da capital Aracaju.
A produção das bonecas de pano ganhou fôlego no município a partir de 2002, ano em que teve início uma série de oficinas no Grupo Renovação3, nas quais os(as) oficineiros(as) ensinavam (ou relembravam) para as senhoras participantes do grupo, como fazer bonecas. Bonecas que guardam semelhanças com as mulheres da região, na medida em que são confeccionadas exclusivamente por mulheres que retratam o universo feminino em suas expressões faciais, em seus trajes e em suas vivências cotidianas. As bonecas de pano de Dores, também espelham a cultura local pois evidenciam personagens presentes no município e entorno, na medida em que caracterizam dançarinas de samba de coco, de quadrilha, rezadeiras, inclusive, santas da religiosidade católica.
Ao participarem de feiras de artesanato, as bonequeiras em atividade que somam
3 O grupo tem como objetivo promover um ambiente de lazer e interação para pessoas da 3ª idade e faz parte do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos da Secretaria Municipal de Assistência Social.
apenas 6 atualmente, expõem e comercializam seus produtos, resultando em incremento da renda familiar. Também é possível encontrar as bonecas expostas numa espécie de galeria, que é a antessala do Departamento de Cultura de Nossa Senhora das Dores, aberto à visitação. Porém, em geral são as próprias bonequeiras que comercializam seus produtos mediante encomenda e cada uma possui sua própria clientela. Apesar destas iniciativas pontuais, as bonecas de pano não se fazem presentes no cotidiano dorense como seria esperado.
No ano de 2018, elas ganharam destaque ao serem declaradas como patrimônio imaterial do município por meio de lei4 aprovada na Câmara Municipal de Vereadores e sancionada pelo poder executivo municipal. Porém, contraditoriamente, as bonecas não são apropriadas como patrimônio pelos dorenses. Igualmente, é difícil para as bonecas de pano competirem com brinquedos mais tecnológicos e interativos, que encantam as crianças na atualidade. Talvez se se convertessem em objetos utilitários, pudessem ampliar as possibilidades de incremento de renda, a exemplo do que faz dona Marluce das Bonecas no município de Estância-SE, que associou as suas bonecas a pesos de porta, porta-papel higiênico, coberta de botijão de gás, etc.
Os eventos em Nossa Senhora das Dores, notadamente os culturais, ainda não atribuem o reconhecimento às bonecas bem como o site oficial da prefeitura, tampouco faz alusão ao patrimônio reconhecido e declarado pelo próprio município. Diante do que foi mencionado, buscou-se refletir se as estratégias de salvaguarda adotadas como consequência do processo de patrimonialização, até o presente momento, podem ser consideradas suficientes para fortalecer e difundir este patrimônio junto aos moradores de Nossa Senhora das Dores.
A patrimonialização de um bem acontece quando ele é reconhecido como relevante e representativo para a cultura de um determinado grupo social sendo, posteriormente, institucionalizado, transformado em uma referência cultural. As referências culturais
4 Lei Municipal nº 326, de 23 de março de 2018. Declara como Patrimônio Cultural Imaterial do Município de Nossa Senhora das Dores/SE Bonecas-de-Pano, e dá outras providências.
envolvem simbologia, tradição, memória, valores, práticas e vivências compartilhadas. Por esta razão, elas estruturam um conjunto de significados que ajudam a comunicar e compreender ideias, sentimentos e conceitos dentro de um contexto cultural específico, capaz de distinguir coletivos de indivíduos. Fonseca (2000) afirma que não há como pensar em referências culturais sem pensar em sujeitos:
Quando se fala em referências culturais, se pressupõem sujeitos para os quais essas referências fazem sentido (referências para quem?). Essa perspectiva veio deslocar o foco dos bens que em geral se impõem por sua monumentalidade, por sua riqueza, por seu peso material e simbólico − para a dinâmica de atribuição de sentidos e valores. Ou seja, para o fato de que os bens culturais não valem por si mesmos, não têm um valor intrínseco. O valor lhes é sempre atribuído por sujeitos particulares e em função de determinados critérios e interesses historicamente condicionados. (Fonseca, 2000, p. 32)
E é pelo fato dos critérios e interesses serem historicamente condicionados, que a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) se posicionou a favor da diversidade cultural enquanto legado cultural da humanidade, e reconheceu efetivamente, não apenas a distinção entre os povos, como também, as pautas e demandas voltadas para a cultura do povo, para a cultura popular.
Em outros países, em especial no continente americano, a importância da cultura popular também foi foco de diversas discussões ao longo do processo em que foram se constituindo enquanto nações autônomas. As reformas legais realizadas nos países da América Latina obtiveram efeitos positivos para a valorização da cultura popular, pois foi a partir de então, que se sobressaíram as instituições remetidas à proteção do patrimônio cultural (Silva, 2011).
A chegada do século XXI trouxe terminologias como “bem viver” e “descolonização” que perpassaram os debates políticos e intelectuais, bem como lutas sociais que orientaram diversos modos de pensar a respeito da natureza, economia, cultura, sociedade e política no continente americano (Moreno, 2014). Diversos países do continente americano reconheceram e legalizaram as convenções da UNESCO de 2003 e de 2005. No tocante à convenção de 2003 que trata da salvaguarda do patrimônio cultural imaterial, ela desempenha um papel crucial na preservação da diversidade cultural e no fortalecimento das identidades culturais das comunidades ao redor do mundo. A referida convenção busca
promover a conscientização sobre a importância do patrimônio cultural imaterial e fornecer um quadro de ação para sua proteção e promoção.
Já a convenção de 2005, dispõe sobre a proteção e promoção da diversidade das expressões culturais e tem sido um marco importante em todo o mundo, incentivando os países a adotarem medidas para salvaguardarem suas expressões culturais e garantirem o acesso de todos à diversidade cultural. Ela visa equilibrar o fluxo global de bens culturais e promover o respeito mútuo entre as culturas, contribuindo para a paz, o diálogo intercultural e o desenvolvimento humano.
lançamento pela UNESCO, da Recomendação de Salvaguarda das Culturas Tradicionais e Populares em 1989, quando as políticas preservacionistas passam a ser normatizadas por fóruns internacionais, com a predominância da UNESCO, estimulando uma dinâmica globalizada de identificação, proteção, difusão e circulação de valores e signos patrimoniais (Abreu, 2015, p. 69).
Desde a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), o tombamento se constituía como o instrumento para a patrimonialização dos bens culturais, sendo agrupados em livros de tombo. O surgimento da temática do patrimônio imaterial ou intangível no Brasil, acontece por decreto a partir dos anos 2000 e apresenta quais são os mecanismos para se fazer o registro do patrimônio imaterial. No caso do imaterial, são eles: Livro de Registro dos Saberes; Livro de Registro das Celebrações; Livro de Registro das Formas de Expressão e o Livro de Registro dos Lugares (Brasil, 2000). Conforme Abreu (2015) este período de reconhecimento do patrimônio imaterial também trouxe novidades para o campo da patrimonialização. Para a autora:
a grande novidade advinda neste período é que o campo da patrimonialização abarcará diálogos em rede entre representantes de novos organismos – agências locais, nacionais e internacionais e, sobretudo, movimentos sociais, organizações não-governamentais, coletivos de indivíduos oriundos de camadas populares e um sem número de sujeitos coletivos – favorecidos pelas novas tecnologias, trazendo um novo elemento como contraponto para a quase exclusividade das instituições estatais neste domínio até então (Abreu, 2015, p. 69).
Ainda conforme a autora, os novos agentes conquistaram o cenário público por meio da indicação de diversos interesses, às vezes, muito específicos. A atuação destes novos agentes possibilitou a patrimonialização de elementos da cultura brasileira que não eram os que representavam o período da colonização no país.
O processo de patrimonialização de bens imateriais instituído pelo IPHAN deve seguir cinco etapas: identificação, documentação, análise, consulta pública e registro. Essas etapas estão detalhadas no quadro 01 a seguir:
Etapas | Descrição da etapa |
Identificação | Nesta etapa, é feito um levantamento e identificação dos bens imateriais existentes, ou seja, das manifestações culturais que podem ser consideradas patrimônio imaterial. Isso pode incluir festas populares, danças, rituais, expressões orais, técnicas artesanais, entre outros. |
Documentação | Após a identificação, é realizada a documentação dos bens imateriais. Isso envolve o registro de informações detalhadas sobre as manifestações culturais, incluindo sua história, características, contexto cultural, comunidades envolvidas, entre outros aspectos relevantes. Essa documentação pode ser feita por meio de pesquisas, entrevistas, registros audiovisuais, fotografias, entre outros recursos. |
Análise | Nesta etapa, o IPHAN realiza uma análise técnica e qualitativa das manifestações culturais identificadas e documentadas. É avaliado o valor cultural, histórico e social dessas expressões para a comunidade e para a identidade cultural do país. |
Consulta pública | Após a análise interna, é aberta uma consulta pública para envolver a participação da comunidade e de outros interessados no processo de patrimonialização. Essa consulta tem o objetivo de receber contribuições, opiniões e informações adicionais sobre os bens imateriais em questão. |
Registro | Após a consulta pública e considerando os resultados obtidos, o IPHAN pode decidir pelo registro do bem imaterial como patrimônio cultural do Brasil. O registro oficializa o reconhecimento da importância |
e valor cultural da manifestação, conferindo-lhe proteção e medidas de salvaguarda. |
Vale evidenciar que a patrimonialização não é um fim em si mesma, mas um meio para a promoção da diversidade cultural, do respeito às comunidades tradicionais e da valorização dos bens imateriais. Ela deve estar acompanhada de ações efetivas que garantam a salvaguarda desses bens no intuito de valorizar e preservar a identidade cultural, promover a diversidade cultural e fomentar um turismo que se deseja responsável.
Realizamos uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, que envolveu não apenas levantamento bibliográfico e documental, como também, a realização de entrevista semiestruturada e de livre abordagem.
As principais referências bibliográficas utilizadas foram Fonseca (2000), Abreu (2015), Moreno (2014) e Silva (2019). Em relação à pesquisa documental, foram consultados documentos que tratam das políticas de patrimonialização de bens imateriais, como as convenções da UNESCO de 2003 e 2005, recomendações do IPHAN, e a própria Lei Municipal nº 326, de 23 de março de 2018, que decretou as bonecas de pano de Nossa Senhora das Dores, patrimônio imaterial do município.
Realizamos a coleta de dados primários com gestores públicos municipais e com o professor e ex-vereador propositor da lei para entendermos quais são as estratégias de salvaguarda realizadas no âmbito municipal para a propagação e valorização da cultura popular local por intermédio do saber fazer das bonequeiras. Foram entrevistadas três pessoas: titulares das Secretarias Municipais da Cultura, da Educação, e do Desenvolvimento Econômico e Turismo. A transcrição das entrevistas foi realizada por meio do Transkriptor que é um programa pago que converte áudio em texto e todos (as) assinaram o TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a sua identificação.
Em Nossa Senhora das Dores, a lei que reconhece as bonecas de pano como patrimônio imaterial foi criada, conforme afirmou o professor Vado, ex-vereador e propositor da lei, “a criação da lei buscou garantir que esse patrimônio não seja esquecido” (2023). Porém, a estrutura da Secretaria Municipal de Cultura não dispõe de um setor nem de um grupo de técnicos preparados para cuidar dos bens patrimonializados. O Secretário Municipal de Cultura, Sr. Walmir Pereira Santos, reconhece essa fragilidade na estrutura.
A secretaria possui uma estrutura pequena e somos um total de quatro funcionários e não há verbas destinadas. A gente não tem essa verba que a assistência tem, a educação tem, que possa ser usada: “ah, eu vou gastar um determinado valor aqui, porque eu tenho esse dinheiro. Não. Eu posso gastar até cem mil, desde quando o prefeito autorize, desde quando o setor de finanças autoriza, porque a gente não tem realmente”. (Walmir Pereira Santos, Secretário Municipal de Cultura, 2023).
O artesanato bonecas de pano foi alçado à categoria de patrimônio, no entanto, não foi prevista a criação dos livros em conformidade com o que é realizado pelo IPHAN, para fins de inscrição desta técnica artesanal.
Quanto ao que se refere à valorização e propagação do saber fazer das bonecas de pano, a Secretária Municipal de Educação, Sra. Anabel Santos, vislumbra uma possibilidade de aumento da divulgação e valorização deste patrimônio imaterial, uma vez que com a implementação do currículo de Sergipe, a rede municipal criou um componente curricular que tratará da dorensinidade, que trata da valorização identitária associada ao ser e pertencer a Nossa Senhora das Dores. Segundo a secretária:
Com a implementação do currículo a gente pretende o quê? Pegar uma aula de história e colocar pra Dorensinidade. Porque a gente sabe que é uma temática necessária, né? Você falar sobre o lugar que você vive, a sua origem e a cultura. Para o componente estamos criando um caderno da Dorensinidade e dentro dessa arrumação do caderno vamos ter como objeto de conhecimento a cultura, as bonequeiras, a questão da religiosidade, a questão da contribuição artística do município de Dores.” (Anabel Santos, Secretária Municipal de Educação)
A implementação de um componente curricular específico para tratar das manifestações culturais do município poderá possibilitar uma maior amplitude na familiarização com o artesanato patrimonializado. No entanto, a ação pretendida não incluirá o ensinar a fazer o artesanato bonecas de pano, estando aí um fator limitante. Segundo a
secretária “o componente tratará da história do artefato, quem são as pessoas que o produzem e quais os seus usos na região”.
Durante a entrevista, a secretária reconheceu que só ensinar a teoria poderia não ser o suficiente para a difusão do patrimônio imaterial, pois na proposta de inclusão do componente curricular não há uma previsão do ensino da técnica. Por conta disto, foi sugerido a ela incluir oficinas para ensinar a produção do artesanato em turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Essa medida pode ter a transmissão esperada deste saber-fazer, e poderá incentivar a permanência na escola, bem como, poderá aumentar o número de pessoas que conhecerão as próprias bonequeiras.
Já na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo do município de Nossa Senhora das Dores, segundo o secretário, eles buscam valorizar e promover a renda econômica para os artesãos. O secretário firmou parceria com uma loja do comércio local, para que os produtos artesanais produzidos no município pudessem ser comercializados no estabelecimento e, desse modo, estaria incentivando o desenvolvimento artesanal e a geração de renda. De acordo com o secretário Sr. João Araújo Lima, essa ação trata-se de um ‘plano B’ sendo executado, a priori, pois o intuito é que o próprio município tenha um ponto de venda de artesanatos sob a responsabilidade do poder público. O secretário afirma que
A Secretaria de Turismo e Desenvolvimento Econômico tem uma preocupação com a economia. A gente sabe a importância, o fundamento cultural da boneca de pano, que é uma marca tradicional de Dores do nosso artesanato. Só que é o seguinte, a gente se preocupa em fazer com que essas pessoas produzam e vendam o que elas produzem. Eu procurei uma empresa bem localizada, extremamente profissional, idônea, um ponto de venda, um dos melhores que existem na cidade. Então, nós fizemos uma reunião, intermediamos esses contatos e aí a empresa designou um espaço, criou um corner bem bonitinho, onde são oferecidos os artesanatos dorenses. Inclusive para as bonequeiras também é uma tranquilidade porque vende e recebe. Não tem aquela de vender e às vezes a pessoa não paga. E quanto mais elas venderem, elas vão ser estimuladas a produzir. (João Araújo Lima, Secretário Municipal de Turismo e Desenvolvimento Econômico)
Iniciativas como essa ainda não resolvem as fragilidades encontradas no processo de patrimonialização e salvaguarda das bonecas de pano, mas certamente instiga o consumo destes patrimônios imateriais do município. As estratégias de salvaguarda da cultura popular são essenciais para preservar e promover as tradições, práticas e expressões culturais da população.
É importante que sejam adotadas ações concretas para regulamentar o processo de patrimonialização. A Secretaria Municipal de Cultura necessita criar um setor/departamento que trate especificamente da regulamentação da documentação dos bens patrimonializados, sejam eles materiais ou imateriais. Ou então, buscar parcerias estratégicas.
Parcerias estas que seriam bem-vindas, especialmente se extravasarem para outros setores da sociedade, como Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) que, por meio de uma atuação integrada entre departamentos, pode colaborar com as primeiras etapas de elaboração do dossiê que deveria ter sido elaborado, mas não foi no caso de Nossa Senhora das Dores, e que inclui as etapas de identificação e documentação. Também através das IFES é possível elaborar material didático capaz de complementar o conteúdo do componente curricular previsto para discutir a cultura dorense pela Secretaria Municipal de Educação.
A participação de pessoas físicas, empresas, associações ou fundações em editais de fomento como a Lei Paulo Gustavo, pode gerar como produto o registro audiovisual do ofício das bonequeiras de Nossa Senhora das Dores, e a realização de oficinas nas escolas e em espaços artísticos e culturais locais para a transmissão da técnica. Através da Lei Aldir Blanc as bonequeiras que assim desejarem, podem ter a sua residência identificada como local de transmissão da técnica através de cursos.
Outras possibilidades de salvaguarda também seriam a sensibilização dos moradores para presentearem pessoas com as bonecas, e que concursos e festejos locais tivessem as bonecas como forma de premiação e/ou decoração. Ampliar a comercialização em outros estabelecimentos comerciais e participar de feiras estaduais de artesanato, também seriam
uma possibilidade. A inclusão das bonecas em lojas virtuais de comércio solidário, além da criação de perfis em redes sociais, inclusive vinculado ao site oficial da prefeitura, seriam uma alternativa de ampliação do alcance das bonecas para além da escala local. Por fim, a diversificação de produtos associados às bonecas também pode ser uma alternativa complementar por meio da promoção do intercâmbio de ideias entre as bonequeiras de Nossa Senhora das Dores, Estância e São Cristóvão presencialmente e, virtualmente, com bonequeiras de outros estados brasileiros.
As pesquisas nos possibilitaram encontrar nas bonecas de pano de Nossa Senhora das Dores/SE, referências da cultura popular local. As entrevistas com representantes do poder público municipal, fizeram-nos compreender o quão insuficientes são as estratégias adotadas para estimular a preservação e a promoção dos bens imateriais do município. Da mesma forma, deixaram evidente como a falta de estrutura, de profissionais especializados e de orçamento adequado comprometem o desempenho esperado da Secretaria Municipal de Cultura.
A aprovação da lei por si só não é capaz de salvaguardar e transmitir o saber fazer do bem patrimonializado. São necessárias iniciativas mais efetivas e regulares ao longo do tempo, que devem estar dissociadas de questões, prioridades ou vontades de caráter político- partidária. Notamos, porém, que algumas iniciativas dos órgãos municipais, embora pontuais, vão ao encontro de propostas de salvaguarda para as bonecas de pano a exemplo da inclusão de um componente curricular nas escolas municipais, e a comercialização das bonecas em uma loja do comércio local.
As recomendações trazidas anteriormente serão capazes de ampliar os esforços em torno da salvaguarda do bem patrimonializado, ao mesmo tempo, em que esperamos que estimule o engajamento de mais atores em favor da cultura e das tradições de Nossa Senhora das Dores. Talvez dessa maneira, as bonecas de pano possam inclusive, vir a fortalecer a oferta turística do município, projeção ainda não concretizada.
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